Série de casos envolvendo o golpe do cartão clonado registrada nos últimos dias em Santa Maria vinha despertando a atenção da polícia. Os relatos das vítimas eram sempre semelhantes: entregavam cartões e senha a desconhecidos, após terem sido convencidas por telefone de que compras haviam sido realizadas de forma irregular em seu nome. Quando se davam conta da trapaça, já era tarde. Além do enredo, outro ponto em comum é a origem dos golpistas: o estado de São Paulo. Foi investigando esses registros recentes no município da Região Central que na quarta-feira (1º) a Polícia Civil prendeu em flagrante mais um suspeito de envolvimento no esquema — é o quinto paulista detido neste ano por este tipo de golpe somente na cidade.
Pelo menos 10 ocorrências foram registradas na polícia nos últimos dias no município —em média o prejuízo varia de R$ 5 mil a até R$ 15 mil por pessoa. Com base nas descrições físicas, imagens e outras informações obtidas, os policiais passaram a buscar pelos estelionatários. Um jovem preso nesta quarta-feira foi reconhecido por seis vítimas até o momento. Com ele, foram encontrados cartões das duas delas, de 65 e 71 anos, que haviam sido enganadas horas antes da prisão. Também foram encontradas máquinas para pagamento com cartão, dinheiro e celulares novos — que teriam sido adquiridos em lojas da cidade. Encontrado em um hotel, após ser preso, o rapaz não quis prestar depoimento.
— O pessoal passou o dia todo atrás dele. Acabou localizando ainda com os cartões das vítimas. Via de regra, cometem o estelionato e vão embora. Nesse caso, ficou mais alguns dias — explica a delegada Débora Dias, da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância de Santa Maria.
Na semana passada, outro jovem paulista de 19 anos havia sido preso em flagrante pelo mesmo tipo de crime na cidade. Enquanto chegava na casa de um idoso de 61 anos, para buscar o cartão, foi detido pelos policiais. Com ele, foram localizadas máquinas de cartão e várias compras, como roupas e calçados, adquiridas com o dinheiro de outras vítimas. Ele já era investigado pelos agentes e tinha mandado de prisão por roubo expedido em São Paulo. É pelo assalto que ele segue preso, pois teve liberdade provisória concedida após a detenção por estelionato. A polícia pretende pedir a prisão preventiva do suspeito, que foi reconhecido em outros três casos de golpe.
A ligação entre os dois presos é investigada e a suspeita é de que pertençam ao mesmo grupo. Segundo a delegada, os dois tinham como função ir até a casa das vítimas, identificando-se como representantes do banco para recolher o cartão — isso após a pessoa ter sido convencida de que tinha sido vítima de clonagem. A polícia investiga também a participação de outras pessoas no esquema, já que a voz ao telefone seria de uma mulher. Uma das possibilidades é de que essas chamadas tenham partido de fora do RS — as ligações foram feitas para telefones fixos.
— É essa pessoa que faz contato por telefone que tem a lábia, que convence a vítima. Eles ficam por vezes por duas horas nessa ligação. Não deixam a pessoa pensar. Pedem que ela ligue para o 0800 do cartão, mas a pessoa não se dá conta de que não desligou o telefone, escuta uma gravação e passa a senha. Na sequência, pedem que ela corte o cartão pela metade na horizontal, preservando o chip, e entregue a esse representante. No momento que a vítima entrega, como o chip segue funcionando, eles saem gastando — detalha a policial.
Os golpistas passaram inclusive a utilizar o nome da Polícia Civil para tentar tornar o enredo mais convincente. Em alguns casos o estelionatário dizia que quem buscaria o cartão era a polícia, que estava investigando a clonagem do cartão. Este tipo de trapaça também é conhecida como "golpe do motoboy", que se dá quando a vítima passa pelo mesmo tipo de situação, mas entrega o cartão para um motociclista.
— Se puder dar uma única orientação, será desligue o telefone. As pessoas não devem passar nenhum dado desse tipo por telefone, muito menos senha. Até porque esse tipo de prejuízo não será ressarcido — alerta a delegada.
Organização criminosa
Com as duas prisões, já são pelo menos cinco paulistas detidos somente neste ano em Santa Maria por envolvimento no golpe do cartão clonado. Mas em outras regiões do Estado também houve registros do mesmo tipo de estelionato, e os suspeitos também eram de São Paulo. Na tarde de 30 de abril, quatro paulistas — com idade entre 26 e 40 anos — acabaram presos em Bento Gonçalves e Vacaria, na Serra. Com o grupo, que estava em dois carros, um deles locado, foram apreendidos cartões, máquinas de cartões e mais de R$ 5 mil em dinheiro.
Ainda em abril, em Passo Fundo, no norte do RS, três foram presos por suspeita de causar prejuízo de cerca de R$ 100 mil em várias vítimas. Responsável pela investigação que resultou nessa prisão, o delegado Diogo Ferreira, da Delegacia de Polícia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Passo Fundo, explica que as características do crime indicam existência de organização criminosa articulada, por trás dos golpes. O acesso às informações privilegiadas, como contatos das vítimas e dados dos cartões, a logística empregada e o preparo, com contas de destino dos valores e máquinas de cartão, revelam que se trata de grupo organizado.
— Eles vêm de São Paulo ao Rio Grande do Sul e, na maioria dos casos, locam os carros aqui, vêm de avião. Eles têm às vezes 10 ou 15 máquinas de cartão. É todo um sistema bem organizado. Não são criminosos aleatórios, é uma organização criminosa dedicada a esse crime e outros, que consegue esses dados, forma equipes e manda para o RS — detalha.
Cada equipe enviada ao Estado, segundo o policial, age de forma isolada, como uma célula, o que também indica organização. São três a quatro pessoas que viajam juntas em veículos alugados para diferentes regiões do Estado, aplicam os golpes e depois se deslocam.
— Isso reforça ainda mais a tese de que é uma organização criminosa que controla um todo e vai dividindo as tarefas, as equipes e locais de atuação — explica.
Segundo o delegado, ao longo da investigação, não foi possível identificar a origem dos dados privilegiados obtidos pelos golpistas - uma das possibilidades é a utilização de hackers.
Como se proteger
- Bancos não enviam representantes para recolher cartões e não pedem a devolução, ainda que inutilizados.
- Ao descartar um cartão, independente do motivo, corte o chip e a tarja.
- Se receber este tipo de ligação, desligue o telefone.
- Entre em contato com a central do banco, de preferência de outro telefone (os contatos estão no verso do cartão) ou fale diretamente com seu gerente.
- Se for vítima, procure a Polícia Civil e comunique o caso.