A promessa de ter o amor da ex-namorada de volta em três dias se transformou em pesadelo que se arrasta por quatro anos para um morador do norte do Rio Grande do Sul. O agricultor relata ter sido extorquido, o que resultou na prisão da mãe de santo Solange de Jesus, 61 anos, em Erechim, no início deste mês. Segundo a investigação da Polícia Civil, a mulher teria extorquido cerca de R$ 800 mil da família do rapaz.
O nome da presa, que está detida preventivamente, não foi divulgado pela polícia, em razão da Lei de Abuso de Autoridade, mas GaúchaZH apurou que se trata da religiosa conhecida como Mãe Solange. O caso que resultou na prisão da suspeita começou em junho de 2016. Foi quando o agricultor, hoje com cerca de 30 anos, que vive em município próximo de Erechim — a reportagem preserva a cidade a pedido da família — decidiu procurar os serviços da mulher.
— São agricultores, pessoas humildes. Ele gastou entre R$ 3 mil e R$ 5 mil inicialmente, com a promessa de ter de volta o amor em até três dias — conta um amigo da família.
O agricultor contou ao advogado Douglas Dieder, que representa a família no caso, que ao perceber que não estava tendo resultados, decidiu desistir de recuperar o relacionamento. Foi nesse momento que, segundo o relato do rapaz, teve início a extorsão por parte da mãe de santo, em valores cada vez mais altos. Para isso, teria sido convencido de que estava envolvido numa trama macabra.
— Dona Solange começou a inventar histórias. Dizer que tinha contratado bruxos para fazer os trabalhos, que tinham usado caveiras, cadáveres e rituais de magia negra. Que isso ia prejudicar ele, que podia ser preso. Ela exigia dinheiro. Ele acreditava que havia cometido um crime, que na verdade nunca existiu. Tinha medo de ser preso e ela se aproveitou disso. Ele foi dando dinheiro — relata o advogado.
Os pagamentos teriam sido feitos por depósitos bancários e pessoalmente, em encontros marcados às margens da estrada. A mulher também teria recebido gado abatido da propriedade e cheques, que foram repassados a outras pessoas. Para pagar os valores, o agricultor fez financiamentos e chegou a penhorar parte das terras — a família vive do cultivo de soja e da produção de leite. A situação foi se agravando até que, desesperados, os parentes decidiram procurar orientação do advogado.
— Ela (Solange) disse em determinado momento que estava presa e que precisava de dinheiro para que ele também não fosse preso. O rapaz chegou aqui transtornado, acompanhado do pai. Estavam com medo. Não é uma família de grandes posses. Estão endividados. Ele tem vergonha do que fez. Toda a família virou vítima — descreve Dieder.
Foi esse enredo que chegou à Polícia Civil no início de junho, quando, convencido pelo advogado de que havia sido enganado, o rapaz aceitou registrar ocorrência. Um último pagamento já havia sido feito para a mulher, por transferência bancária, no valor de R$ 230 mil. A equipe de investigação passou a tentar recuperar o dinheiro.
Em 5 de junho, quando saía de uma agência em Erechim, com R$ 209 mil dentro de uma bolsa, Solange foi abordada pelos policiais. O valor foi apreendido e a polícia pediu ainda o bloqueio das contas, para tentar ressarcir a vítima.
Em 9 de junho, quando esteve na delegacia para ser interrogada, Solange foi presa de forma preventiva pelo crime de extorsão — ela permanece detida desde então. Na polícia, a mulher optou por ficar em silêncio. Segundo o delegado Rodrigo de Souza Leal Dreyer, da 1ª Delegacia de Polícia de Erechim, por meio de comprovantes de depósitos e transferências, a polícia conseguiu identificar o pagamento de R$ 666 mil para a mulher. No entanto, o delegado entende que o valor total chegou a R$ 800 mil, já que parte foi entregue em espécie.
— Este caso só chegou até nós porque eles estavam desesperados, perderam muito dinheiro. Ela criou toda a trama. Ele acreditou que estava envolvido em algo ilícito. Teriam feito sacrifícios, para que ele tivesse o amor de volta. Ele pensava que poderia ser preso, mas ela usava isso para constranger e coagir. Acabaram endividados, era um dinheiro que não tinham — descreve o policial.
A polícia concluiu o caso como extorsão, por entender que houve ameaça contra a vítima, que foi obrigada a entregar os valores — caso tivesse sido somente enganado, poderia ser entendido como estelionato. Solange foi indiciada, assim como um filho dela, que, segundo a polícia, forneceu a conta bancária para receber os pagamentos. A defesa da família do agricultor ingressará com ação indenizatória, para tentar reaver o dinheiro. O valor apreendido ainda está bloqueado pela Justiça.
— Faz anos que eles não sabem o que é dormir direito. Vivem com medo, naquela insegurança constante. Felizmente, a polícia agiu rápido e conseguiu recuperar parte desse valor — descreve o amigo da família.
Defesa confirma valor, mas nega extorsão
Responsável pela defesa de Solange, o advogado Ezequias Mayer Duarte confirma que a cliente recebeu os valores do agricultor. Mas alega que foram pagos em troca de trabalhos religiosos realizados e que não houve extorsão e nem estelionato.
— Há mais de três anos ele estava dando dinheiro para ela para trazer a ex-companheira de volta e ter sucesso em questões de terras. Foram em torno de R$ 800 mil. Ele fazia isso porque queria. Ela nunca ameaçou ele. Acontece que houve problema com alguns cheques e ela queria que ele pagasse. Ele não estava pagando. Se estivesse sendo ameaçado, nesse tempo todo o rapaz poderia ter procurado a polícia. Após o último depósito, ele se arrependeu e procurou a polícia. A defesa entende que não houve extorsão — argumenta.
Sobre um filho de Solange, que também foi indiciado no inquérito por extorsão, por ter recebido depósitos em sua conta bancária, o advogado confirmou que ele emprestou a conta para a mãe. Mas argumenta que ele nunca foi favorecido pelo recebimento dos valores.
— Ele só forneceu a conta em 2017. Não tem culpa nenhuma, nunca pegou esse dinheiro. Vive do trabalho dele, na área da construção civil. Acredito que vamos conseguir soltar Solange, para que ela responda em liberdade, e provar sua inocência — afirma Duarte.