Um esquema que seria responsável pelo desvio de R$ 35 milhões de empresas e lavagem de dinheiro por meio da aquisição de criptomoedas foi alvo de operação nesta quinta-feira (25). Os mandados de busca e apreensão foram cumpridos durante a manhã em residências, escritórios e uma loja em Porto Alegre e Cachoeirinha, na Região Metropolitana. O grupo criminoso é investigado pelo Ministério Público (MP) na Operação Criptoshow.
A apuração começou a partir do momento em que o MP foi informado que em abril uma indústria do Rio Grande do Sul teve a conta bancária invadida e R$ 30 milhões desviados. Para isso, o grupo teria burlado o esquema de segurança digital do banco onde a indústria mantinha conta. Esses valores foram repassados, em parte, para empreendimentos de fachadas, inclusive fora do Estado. Para conseguir efetuar a transação, segundo a Promotoria, a organização criminosa usou a conta de uma empresa de Cachoeirinha e agendou transferências milionárias. Mas, no momento de completar a operação, o débito saiu da indústria (entenda abaixo).
— Seria como se uma conta bancária corporativa tivesse invadido outra conta similar para emitir ordem de débito ao banco em favor de terceiros — descreve o promotor Flávio Duarte.
Outros R$ 5 milhões teriam sido obtidos da mesma forma de outra empresa, de São Paulo, que atua junto a bolsa de valores. A partir daí, deu-se início à apuração para entender quem estava por trás do esquema. Nesta quinta-feira, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão. Um dos principais objetivos foi localizar os instrumentos que foram usados para os desvios. A maioria dos investigados são donos de empresas do ramo de investimentos e uma delas de iluminação - o MP não quis informar quantas pessoas estão sob investigação.
— São empresários, com excelente condição social. Os imóveis residenciais e comerciais que fomos hoje eram todos de nível muito alto — detalha o promotor.
Até o momento, segundo a Promotoria, ninguém foi preso na investigação e não há mandados de prisão expedidos. Isso porque a análise dos dados bancários e fiscais, para comprovação do esquema, demanda tempo. Dos valores desviados, cerca de R$ 10 milhões foram recuperados a partir de providências adotadas pelo banco. A instituição financeira acabou arcando com o prejuízo e ressarciu as empresas.
A investigação é realizada pela Promotoria de Justiça Especializada Criminal, em parceria com o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) e com apoio do Núcleo de Inteligência do MP e da Brigada Militar.
Lavagem com bitcoins
Para conseguir esconder a origem de parte desses valores, segundo o MP, o grupo recorreu ao investimento em criptomoedas. Por isso, a busca realizada nesta quinta-feira também tinha como objetivo descobrir informações para ter acesso às transações realizadas com bitcoins - forma que teria sido empregada para "lavar' pelo menos R$ 18,8 milhões desviados.
— Não há problema algum em adquirir o bitcoin, o problema neste caso é o uso que se faz e o porquê de ele ter sido adquirido. É uma transação que beira o anonimato. Não é rastreada, como uma transação bancária normal. Isso propicia que seja usada para a lavagem de capitais — explica Duarte.
Na operação, foram apreendidos aparatos digitais, como pen drive e HDs, e também anotações. Isso porque não é incomum que as chaves que permitem o acesso às transações com bitcoins sejam armazenadas pelos proprietários fora do meio virtual. O grupo é investigado por formação de organização criminosa, furto qualificado mediante fraude e lavagem de capitais. Os nomes dos investigados e o do banco lesado não foram divulgados.
ENTENDA
O desvio
- Nos dias 15 e 16 de abril deste ano, foram desviados R$ 30 milhões da conta bancária de uma grande indústria por meio de 11 transferências eletrônicas para seis empresas localizadas em Porto Alegre, Cachoeirinha, São Paulo e Porto Velho, em Rondônia. O dinheiro foi desviado por meio da conta bancária de outra empresa, com sede em Cachoeirinha, correntista do mesmo banco.
- Para cometer a fraude, foi acessada a conta bancária, pelo internet banking, de um dos investigados. Neste momento, foram programadas 11 transferências bancárias para seis destinatários. Ao final da operação, por meio manipulação da codificação do canal do internet banking, a conta indicada ao sistema para a efetuação do débito de R$ 30 milhões não foi a logada inicialmente, mas sim outra.
- Ainda conforme o MP, para poder cometer a fraude, antes disso houve um preparo para o desvio. O mesmo autor das transferências teria previamente entrado em contato com o banco para conseguir autorização para esse tipo de operação milionária. Dias depois, foi realizada a operação fraudulenta, na qual o valor foi debitado das contas das empresas vítimas.
O destino dos valores
- Uma empresa de Porto Alegre recebeu o maior montante do furto, R$ 14 milhões. Três empresas sediadas no estado de Rondônia receberam juntas outros R$ 14 milhões. Além disso, uma empresa de São Paulo obteve R$ 1 milhão, mesmo valor recebido pela empresa de Cachoeirinha, que teria efetuado o desvio.
- O MP acredita que todas as empresas de fora do Estado para onde foram destinados os valores eram de fachada. Os endereços foram conferidos ao longo da investigação e uma delas era uma casa abandonada. A pessoa citada como sócio administrador não teria condições de manter uma empresa com o capital apresentado.
- — A sede física, quando existia, e sócio eram incompatíveis com porte de operações bancárias. Isso nos leva a entender que são de fachada, não existem — explica o promotor.
Uso de bitcoins
- O próprio banco lesado pelo esquema conseguiu descobrir o caminho de parte do dinheiro desviado. No dia 16 de abril, uma corretora que atua na negociação para compra e venda de ativos virtuais recebeu R$ 11 milhões para aquisição de bitcoins de três das cinco empresas beneficiadas com as transferências. No dia anterior, outros R$ 7,7 milhões já tinham sido repassados por duas das empresas e revertidos em bitcoins, num total de R$ 18,8 milhões.
O operador
- O correntista que teria comandado os desvios a partir da conta bancária de uma empresa de Cachoeirinha até pouco tempo integrava quadro social dessa empresa, que pertencia à família dele, e que foi beneficiada no esquema com R$ 1 milhão. Depois disso, a empresa teve alteração nos sócios e o investigado deixou o quadro.
- Atualmente, segundo o MP, ele mantém uma corretora de investimentos. Contra ele foram identificadas três ocorrências no ano passado e em 2020 por ameaça e apropriação indébita.
- — Não sabemos ainda se ele é a cabeça principal, mas é o operador de parte do desvio. Mas não é o único. No caso dos R$ 5 milhões o operador foi outra pessoa — explica o promotor.