Um grupo de policiais, na manhã desta sexta-feira (5), foi cumprir mandado de busca em um sítio em Taquara, no Vale do Paranhana, e deparou com muro de mais de 2 metros de altura em todo o local, câmeras de vigilância e cerca eletrônica. Na área cercada, avaliada em R$ 3 milhões, havia carros de luxo, piscina com borda infinita e até uma espécie de "bunker" com três andares abaixo do solo. Esse era apenas um dos 34 imóveis adquiridos por um grupo criminoso suspeito de montar pirâmide financeira em 2017 e que causou prejuízo de R$ 27 milhões a mais de cem vítimas.
Um dos mentores do esquema foi preso em Taquara, um dos municípios em que moram algumas das pessoas lesadas. As outras são todas da região, em cidades como Rolante, Igrejinha, Parobé, Três Coroas, entre outras. Nesta última, foi instaurado no ano passado um inquérito que deu início à operação "Faraó" da Polícia Civil. Em seis meses de investigação, o delegado Ivanir Caliari descobriu que 15 pessoas participavam da organização de uma estrutura financeira que incluía, inclusive, a contratação de atores para atrair investidores em simulações de compra de imóveis para posterior divisão dos lucros. Tudo não passava de fachada.
Depois do crime de estelionato, eles investiam na Bolsa de Valores, em criptomoedas, além de depositar em contas bancárias e comprar bens. A lavagem de dinheiro também ocorreu na compra de 30 veículos e 34 imóveis.
Falso investimento
Caliari destaca que outro responsável por organizar a suposta fraude foi preso no final da manhã desta sexta-feira em apartamento no bairro Petrópolis, na zona norte de Porto Alegre. Os dois investigados foram presos preventivamente. Eles atraíam pequenos grupos de investidores e diziam que tinham contato com uma grande empresa de consórcios do Estado para obter informações privilegiadas de imóveis à venda. Um dos processos era juntar dinheiro para comprar áreas que já tinham propostas de grandes grupos empresariais, alguns até com planos de consórcios. Tudo não passava de simulação.
– Para isso, marcavam reuniões, em alguns casos até viagens, e contratavam atores para se passarem por representantes dessa empresa de consórcios, com crachá e tudo mais. Isso tudo com o objetivo de conquistar a confiança dos investidores – diz Caliari.
O segundo passo era fingir que o imóvel havia sido adquirido à vista por preço até 20% inferior ao ofertado inicialmente. Como já havia comprador garantido, inclusive com carta de consórcio de uma grande empresa, o imóvel era vendido pelo preço de mercado e o lucro obtido dividido entre os investidores.
Caliari enfatiza que nenhum negócio era concretizado. Foi apurado que os suspeitos até usaram o próprio capital de giro nas primeiras reuniões, mas depois passaram a utilizar o dinheiro de um grupo de vítimas para atrair outras em novas simulações de compras, o que, para a polícia , confirmou o esquema de pirâmide financeira.
A estrutura montada desabou quando os responsáveis não conseguiram mais repassar para as vítimas parte dos valores adquiridos, o que iniciou uma série de ocorrências em delegacias a partir do início de 2019.
Lavagem de dinheiro
A polícia não divulgou nomes do preso de forma preventiva e dos demais suspeitos porque a investigação continua.
GaúchaZH apurou que os dois homens considerados mentores da espécie de pirâmide financeira montada no Vale do Paranhana haviam criado uma empresa de consultoria de investimentos chamada Mind7se, com sede em Taquara. No local, também foi cumprido mandado de busca e apreensão.
Em relação ao lucro obtido após o suposto crime de estelionato em mais de cem vítimas, Caliari destaca que ocorria a lavagem de dinheiro. A polícia diz que vai conferir vários depósitos em contas bancárias e diversas transações financeiras, entre elas, investimentos na Bolsa de Valores e aquisição de criptomoedas – as moedas virtuais.
Os suspeitos também adquiriram bens, como os mais de 60 veículos e imóveis, tudo avaliados em mais de R$ 10 milhões. Um destes investimentos era justamente o sítio de R$ 3 milhões, em Taquara, onde houve na madrugada desta sexta-feira o cumprimento de um mandado de busca.
No local, apreendido judicialmente, estava ocorrendo uma festa com várias pessoas, mesmo em período de distanciamento social. Todos foram abordados, revistados e liberados. A alegação foi de que houve convite para o encontro por parte do proprietário.
O sítio é todo cercado, tem segurança reforçada e várias peças na residência. Uma delas é um grande salão de festas, que tem, nas proximidades, uma piscina com borda infinita e vista para o Vale do Paranhana. Caliari ainda localizou uma construção ao lado da casa, mas dentro do terreno, de uma espécie de "bunker" com entrada secreta e com três andares para baixo do solo.
– Uma parte da apuração remete à suposta ligação de um dos investigados com facção criminosa, que atua com tráfico e roubos, com base no Vale do Sinos. Acreditamos que o "bunker" faça parte desta ligação para esconderijo, bem como para guardar produtos de roubo, dinheiro, armas ou drogas – acredita Caliari.
Além da análise de documentos e movimentações financeiras, a polícia também vai tentar confirmar se o grupo tinha ligação com outras pirâmides financeiras montadas a partir do Vale do Sinos. Caliari diz que várias vítimas apontaram que os suspeitos investigam em outros grupos investigados pela Polícia Federal e que, justamente quando houve ações em 2019, começou a dar problemas no esquema montado no Vale do Paranhana.
Operação policial
O diretor da Delegacia Regional de Gramado, delegado Heliomar Franco, destaca que foi necessário envolver cerca de 30 agentes para cumprir 12 mandados de busca e dois de prisão preventiva em Taquara, Igrejinha, Rolante, Porto Alegre e Santo Antônio da Patrulha. Nestes locais se encontram a sede da empresa montada pelos investigados e residências dos suspeitos.
Os mentores da pirâmide financeira têm 30 e 32 anos de idade. Franco diz que, além de valores em dinheiro, foram apreendidos notebooks, tablets, aparelhos celulares e diversos documentos de compra e venda patrimonial. São apuradas as práticas de crime organizado, estelionato e lavagem de dinheiro.
Contraponto
O que diz a Mind7se em nota:
"Em relação às notícias veiculadas sobre a investigação que apura crime de lavagem de dinheiro e estelionato, a Mind7se esclarece que não é parte relacionada na investigação, não havendo envolvimento com os fatos veiculados. Por fim, reafirma que está inteiramente à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos sempre que necessário."