A Justiça Militar Estadual anda movimentada no Rio Grande do Sul. Em setembro, um tenente-coronel da Brigada Militar (BM) foi condenado por envolvimento com milícia. Em 17 de outubro, um major reservista do Corpo de Bombeiros foi preso em Torres, após dias de buscas. Ele está condenado em definitivo, por forjar despesas inexistentes e por não fiscalizar corretamente alvarás de Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI). Em 9 de novembro, foi a vez de outro major da reserva dos Bombeiros ser preso, preventivamente, por pedir nove vezes adiamento do seu julgamento. Ele é réu, também, por venda de PPCI.
De olho nesses números, GaúchaZH solicitou à Justiça Militar Estadual um levantamento do número de condenações na década. A ideia era verificar se, por ser integrada majoritariamente por juízes militares, essa instituição é corporativa. A constatação: é grande o número de policiais militares (PMs) e ex-PMs punidos e a tendência é aumentar — sete anos atrás foram 30% de condenações e, em 2018, foram 35%.
Quase 4 mil PMs foram julgados desde 2011 no Rio Grande do Sul. Um em cada três foram condenados. O percentual flutua, mas após uma acentuada queda no número de condenações ao longo da década, há um ligeiro aumento nos últimos anos.
O número de condenações vem subindo sobretudo nas duas maiores auditorias militares do Estado, situadas em Porto Alegre. Na 1ª Auditoria Militar, a década começou com rigor para os julgados: foram 40,7% de condenados em 2011 e caiu para 30,7% em 2012. Desde então, o percentual está em ascensão: passou para 37,7% de condenados em 2014, 42,3% em 2016 e chegou a 50% de réus condenados, em 2018. Os dados de 2019 ainda não foram divulgados.
Na 2ª Auditoria Militar, que abrange a Capital, as condenações atingiram 47,5% dos réus em 2011. Aí, começaram a cair: 32% em 2013, 30,9% em 2017 e, passado algum tempo, voltaram a subir, chegando a 38,1% em 2019 (até outubro).
O presidente do Tribunal da Justiça Militar (TJM), Paulo Roberto Mendes (coronel da reserva da BM), acredita que o número de processos — e de condenações — aumentou depois que a Justiça Militar passou a julgar a associação para o crime praticada por PMs. Isso está previsto na lei 13.491 e elevou o número de réus. Quando há suspeita de que tenham agido como quadrilha, o rigor é ainda maior, acredita Mendes.
Alguns casos que tramitam em Porto Alegre são desse tipo. Estão por ser julgados integrantes de dois pelotões (um do 11º BPM e outro do 21º BPM, de Porto Alegre) que faziam negócios com uma das maiores facções de drogas do Rio Grande do Sul. As duas investigações envolvem mais de 20 PMs, ao todo.
— A Justiça Militar serve para resguardar os pilares da hierarquia e da disciplina da tropa e dar celeridade aos processos, de forma que a certeza da punição desvie os PMs do crime. E isso tem ocorrido — diz Mendes.
Além das condenações, tem se firmado a convicção da necessidade de prisões dos acusados (o número de detenções não foi fornecido). Elas acontecem em dois casos: preventivas (quando há risco de que o crime cometido seja reiterado) e por condenação em segunda instância. Dos últimos 16 condenados pelo Tribunal de Justiça Militar (em segundo grau), nove foram presos logo após a sentença ser publicada. Só não foram presos os que conseguiram impedir isso via recursos aos tribunais superiores, de Brasília.
Isso ocorre, ressalta Mendes, num cenário de juízes militares (na maioria) julgando outros militares. De cada cinco magistrados na Justiça Militar gaúcha, quatro são oriundos da BM.
A promotora Isabel Barrios, que é civil e atua na 2ª Auditoria Militar de Porto Alegre, ressalta que o número de denúncias é muito grande.
— Os Inquéritos Policiais Militares chegam bem completos e isso pode estar resultando em aumento de condenações.
Um desembargador do Tribunal da Justiça Militar, que prefere manter discrição, acredita que os juízes militares até já tiveram momentos de corporativismo, mas isso diminuiu.
— Hoje se pune peixe grande e pequeno. Transparência nos julgamentos resulta nisso aí.
Esse desembargador cita como exemplo o caso da boate Kiss, em Santa Maria, cujo incêndio em 2013 matou 242 pessoas e forçou atendimento de saúde para mais de 600 frequentadores. Os únicos condenados até agora são bombeiros militares e as primeiras sentenças, em primeira e segunda instância, foram dadas pela Justiça Militar (dois oficiais). Outras foram dadas pela Justiça Cível.
Como funciona a Justiça Militar
- A primeira instância da Justiça Militar é formada por auditorias. Existem duas em Porto Alegre, uma em Santa Maria e uma em Passo Fundo. Em cada auditoria, atuam um juiz civil e quatro juízes militares. Eles formam um conselho permanente (para praças) ou um conselho especial (para oficiais).
- A segunda instância é o Tribunal da Justiça Militar. Ali, atuam sete desembargadores (quatro da carreira militar e três civis).
- A Justiça Militar não julga homicídios e outros crimes dolosos contra a vida. Esses vão para o júri popular.
- Via da regra ela julga crimes previstos no Código Penal Militar. É o caso de militares em serviço, militares em áreas militares e militares contra militares. Alguns crimes previstos no Código Penal comum, como a tortura, também são apreciados pela Justiça Militar.