Os deputados que analisam o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro rejeitaram nesta quarta-feira (25) a proposta que poderia livrar de punição agentes que cometessem excessos por "medo, surpresa ou violenta emoção", o que abriria espaço para abuso policial, na avaliação de especialistas.
O excludente de ilicitude trata de possibilidades em que o crime é excluído mesmo quando atos ilícitos são cometidos. A proposta de Moro buscava alterar o artigo 23 do Código Penal, que delineia como causas de exclusão de ilicitude o estado de necessidade, a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.
O texto sugerido pelo ministro estipulava que o juiz poderia reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso do agente público ocorresse por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
O tema voltou à tona após a morte da menina Ágatha, 8 anos, na última sexta-feira (20) no Rio de Janeiro. Ela foi baleada nas costas no Complexo do Alemão, zona norte do Rio. Os pais da menina acusam a polícia de ter feito o disparo e afirmam que, no momento em que a menina foi atingida, não havia confronto armado no local.
A supressão do texto, sugerida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), foi apoiada por nove deputados, enquanto cinco queriam a manutenção do trecho — todos da bancada do governo, como o relator, Capitão Augusto (PL-SP), Adriana Ventura (Novo-SP) e Coronel Chrisóstomo (PSL-RO).
O artigo 121 do código penal já prevê alívio da pena para agentes que cometerem crime sob domínio de violenta emoção — caso isso ocorra, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Se tivesse sido respaldada, a proposta de Moro significaria um alívio ainda maior a esses agentes.
— Nós temos que dar abrigo aos policiais, remunerá-los melhor, evitar que eles façam bicos onde são mortos normalmente, evitar os confrontos, as doenças e os suicídios — afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). — Dizer que policial não tem medo? O problema da saúde mental dos policiais no Brasil é gravíssimo.
O relator do texto, deputado Capitão Augusto (PL-SP), havia incluído uma ressalva de que o trecho sugerido pelo ministro não se aplicaria a crimes de violência doméstica ou familiar ou a feminicídios. Com a derrota da construção de Moro, o item caiu também.
Na terça-feira (24), o grupo votou a favor de emenda que endureceu as regras para progressão de regime de reincidentes condenados por crimes hediondos ou que resultem em morte. Os deputados também já incluíram no texto a figura do juiz de garantias, que instrui o processo mas não julga.
O magistrado vai ser responsável por receber a comunicação da prisão e o auto do flagrante para assegurar a legalidade da prisão, e deverá observar os direitos do preso, entre outras funções. Ele atuaria até a apresentação da denúncia. Depois disso, outro juiz assumiria e decidiria o resultado do julgamento.
O grupo também respaldou a criação do juiz sem rosto, que protege a identidade do magistrado envolvido em julgamentos de crimes cometidos por facções e milícias.
Outros pontos também estão no texto, como proposta que aumenta para 40 anos o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil, que constava originalmente no projeto de Moraes, mas não era tratado na proposta de Moro.
Os deputados também decidiram retirar do projeto de lei anticrime um dispositivo que permitia a execução de multas sem a sentença transitada em julgado.
O chamado projeto de lei anticrime é uma das principais bandeiras de Moro à frente do Ministério da Justiça. A proposta do ex-juiz da Lava Jato, no entanto, já foi desidratada no colegiado. No início de agosto, o grupo de trabalho rejeitou a inclusão no texto do chamado "plea bargain" — acatou, no lugar, o acordo de não-persecução penal proposto pelo ministro Alexandre de Moraes (STF).
Em julho, a Casa já havia imposto outra derrota ao ministro de Jair Bolsonaro ao rejeitar a possibilidade de prisão em segunda instância, que também estava prevista no pacote.
O texto final da proposição ainda pode sofrer mudanças no plenário, onde será apresentado ao final das discussões do grupo.
Os reveses no grupo provocaram uma reação do governo, que manobrou para votar projetos envolvendo temas do pacote na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida pelo aliado Felipe Francischini (PSL-PR).