Em uma derrota para o governo e, em especial, ao ministro Sergio Moro, o Congresso Nacional derrubou na noite desta terça-feira (24) 18 pontos vetados por Jair Bolsonaro (PSL) à lei de abuso de autoridade. Outros 15 pontos que haviam sido barrados pelo presidente acabaram mantidos. Os 19 vetos foram divididos em 33 itens na votação.
Após os vetos derrubados pelo Congresso, volta a valer um artigo que prevê punição a quem constranger preso ou detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, para produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Foi derrubado ainda o veto ao artigo que determina a punição a quem constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que deva guardar segredo ou resguardar sigilo ou quem prossegue com interrogatório de quem tiver decidido exercer o direito ao silêncio ou tiver escolhido ser assistido por advogado ou defensor público.
O Congresso também restaurou o artigo que pune quem deixar de se identificar ou se identificar falsamente ao preso na hora da prisão. O item penaliza o responsável por interrogatório que deixa de se identificar ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.
O artigo que pune quem impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado voltou ao texto. O mesmo artigo penaliza quem impede o preso de se reunir com seu advogado em prazo razoável, antes de audiência judicial, ou de se comunicar com ele durante a audiência –salvo se ocorrer por videoconferência.
Outro item que voltou ao texto é o que pune quem inicia persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra inocentes, e o artigo que penaliza quem nega ao réu ou advogado o acesso aos autos de investigação preliminar.
Resposta ao governo
A derrubada destes vetos teve aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que, assim como outros senadores, ficou bastante irritado com a operação da Polícia Federal, na semana passada, que teve como alvo o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). A operação criou um ambiente favorável à derrubada de vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei de abuso de autoridade. O detalhamento ainda não foi divulgado pelo Congresso Nacional.
Alcolumbre decidiu adiar a votação do primeiro turno da reforma da Previdência para a próxima semana, em uma sinalização ao governo.
No horário em que a matéria seria votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na manhã desta terça-feira, Alcolumbre marcou uma agenda com líderes partidários e foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) conversar com o presidente do Judiciário, Dias Toffoli, para apresentar um recurso à decisão do ministro Luís Roberto Barroso que, na semana passada, determinou busca e apreensão em endereços.
A articulação para se chegar ao adiamento envolveu partidos aliados, independentes e de oposição ao governo em reunião na residência oficial de Alcolumbre na noite de segunda-feira.
Relator e presidente da CCJ ficaram de fora
O grupo deixou fora a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS) e o relator da PEC, Tasso Jereissati (PSDB-CE), que defendem blindar o projeto de questões políticas.
Alvo da operação da PF, Bezerra, responsável pelos interesses do governo no Senado, participou do conchavo, que teve a participação dos líderes do MDB, Eduardo Braga (AM); do PSD, Otto Alencar (BA); do PROS, Telmário Mota (RR); do PL, Jorginho Melo (SC); do Republicanos, Mecias de Jesus (RR); e do vice-líder do PT, Rogério Carvalho (SE).
Tebet descobriu na manhã desta quarta-feira, quando recebeu líderes partidários em seu gabinete, que o jantar havia acontecido sem ela e Tasso e que os líderes haviam articulado o adiamento da votação.
Diante de um Bezerra Coelho, descrito por colegas como abalado, senadores argumentaram que era preciso passar o recado de insatisfação e contar votos para a derrubada de vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade.
Grupo "lavajatista" queria manter todos os vetos
No começo do mês, Bolsonaro vetou trechos de 19 dos 45 artigos constantes no texto aprovado pelo Congresso. O Senado tem um grupo de 33 parlamentares que querem manter todos os vetos. Um outro grupo queria derrubar 16 vetos. Tentou negociar, sem sucesso, ao menos seis deles com o grupo lavajatista de senadores "Muda, Senado". O resultado acabou sendo ainda melhor para eles.
Desde o inicio da noite, o tema dominou os discursos na sessão do Congresso. O próprio Bezerra foi ao microfone.
— É estarrecedor o excesso, o abuso de uma decisão monocrática, tomada em completo desacordo com quem está, de fato, na condição de avaliar a necessidade ou não de produção de prova, no caso o Ministério Público Federal, titular da ação, e ainda mais quando exige medida tão invasiva ao direito — disse o líder do governo no Senado durante a sessão do Congresso.