Na tarde de 30 de janeiro, um jovem de 19 anos cruzou a Rua Tobago, limite de área entre dois grupos ligados ao tráfico no bairro Restinga. Ele caminhava pela Avenida João Doutor Dentice na direção de uma lanchonete. Avançou duas quadras no território inimigo. No trajeto, trocou empurrões com um gerente do grupo rival e foi morto a tiros no meio da rua.
A execução, à luz do dia, não foi aceita pelo outro lado. Desencadeou série de ataques entre, pelo menos, três facções que loteiam o bairro do extremo sul. Cada grupo busca mostrar mais poder de fogo e, para isso, aterroriza moradores. O jovem morto, segundo a Polícia Civil, tinha vínculo com o grupo conhecido como Ilhota. O território deles faz limite com o dos Véio. O autor dos disparos que executaram o rapaz seria um garoto que completou 14 anos em dezembro.
O adolescente foi ouvido na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) poucos dias após o crime, depois de ser apreendido com armas e drogas.
— Nos contou que tinha uma intriga pessoal com esse rapaz. Esse integrante dos Ilhota cruzou a área que não deveria cruzar. No que ele passou, trocaram empurrões. E ele (adolescente) teria efetuado os disparos. Até ali não havia disputas rotineiras, em sequência, como agora. Os Ilhota não aceitaram a morte, o que desencadeou esses revides – relata o delegado Rodrigo Pohlmann, da 4ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Desde janeiro, foram nove homicídios e cinco tentativas de assassinato na Restinga. Pelo menos cinco casos desses estariam vinculados diretamente à disputa entre grupos. Nos demais, ainda que haja vinculação com o tráfico de drogas, não ficou comprovado que tenham sido desencadeados pela morte de janeiro. O grupo Alemão, considerado pela polícia como mais estruturado financeiramente, também estaria envolvido nos tiroteios, em apoio aos Ilhota. Na área da Restinga Velha há, pelo menos, nove grupos vinculados ao tráfico de drogas.
Além dos ataques com alvos diretos, segundo o delegado, os grupos costumam atirar a esmo, na direção da facção rival, como forma de intimidação. É esse tipo de ação que aterroriza ainda mais os moradores, por receio de serem atingidos por bala perdida. Os criminosos costumam gravar os disparos e espalhar nas redes sociais, para ostentar poder.
Nas imagens, é possível ver que os envolvidos são jovens. Segundo o delegado, de 13 a 24 anos. É o caso do adolescente envolvido no homicídio de janeiro, que foi apreendido novamente nesta semana com uma arma e confessou ter participado de mais uma morte, no último sábado. Para atrair a vítima,
os rivais enviaram mensagem ao alvo por uma rede social marcando um encontro, como se fosse uma jovem. Quando chegou ao local, foi surpreendido pelos inimigos na Estrada João Antônio da Silveira e morto a tiros.
Outro suspeito do homicídio ocorrido sábado chegou a ser encaminhado à 4ª DHPP pela Brigada Militar. Segurança do tráfico, ele também confessou envolvimento na morte. A Polícia Civil pediu a prisão temporária, que não foi aceita pelo Judiciário.
Questionada sobre o pedido negado, a juíza Karen Luise Souza Pinheiro afirmou que o suspeito “foi solto porque a prisão foi ilegal”. A magistrada disse que o rapaz foi detido “sem flagrante, sem decreto de preventiva”. Diretora do Departamento de Homicídios da Capital, Vanessa Pitrez afirmou que o suspeito não foi preso, mas intimado a depor:
– A Restinga vem vivendo esse contexto caótico, com tiroteios quase diários. Houve morosidade do Judiciário, e quando saiu a decisão, ele deixou a delegacia pela porta da frente livremente.
O bairro
A Restinga nasceu há 50 anos como loteamento para abrigar moradores desalojados de vilas pobres da área central de Porto Alegre. Cresceu, tornando-se um dos maiores bairros da Capital – pelo Censo 2010 do IBGE, 4% dos moradores de Porto Alegre. Em 2013, seis unidades de saúde atendiam 110 mil moradores com endereços cadastrados no bairro.