A brutalidade desmedida empregada no massacre de Suzano suscitou mais uma vez o debate em torno do culto às armas e da flexibilização do estatuto do desarmamento. Em meio à comoção nacional com as mortes das oito vítimas dos atiradores Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25, especialistas em segurança pública e políticos discutem formas de prevenção a ataques semelhantes e como jovens podem ser influenciados por uma cultura de apologia à violência.
O país ainda tentava entender o que havia acontecido na Escola Estadual Professor Raul Brasil, na manhã de quarta-feira, quando o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), vociferava ao microfone da Comissão de Constituição e Justiça. Um dos expoentes da bancada da bala no Congresso, o parlamentar disse que o ataque "mostra justamente o fracasso, a safadeza da política desarmamentista".
- Vamos, sem hipocrisia, chorar os mortos, vamos discutir a legislação: onde estamos sendo omissos? A população botou Bolsonaro como presidente da República para ser um impulsionador de garantias para o cidadão, para que não tenhamos tragédias desta natureza. Se os professores estivessem armados e se os serventes estivessem armados, essa tragédia de Suzano teria sido evitada - afirmou.
A reação foi imediata. Presidente da Câmara e aliado de primeira hora do Planalto, Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez questão de rebater as afirmações do senador, ainda que sem citá-lo nominalmente. Para o deputado, a defesa do porte de armas, pela qual as pessoas podem transitar armadas, é "uma proposta de barbárie".
- O que espero é que alguns não defendam que, se os professores estivessem armados, teriam resolvido o problema. Pelo amor de Deus. Espero que as pessoas pensem um pouquinho primeiro nas vítimas dessa tragédia e depois compreendam que o monopólio da segurança pública é do Estado. Não é responsabilidade do cidadão. Se o Estado não está dando segurança, é responsabilidade do gestor público da área de segurança - comentou.
Fundador da ONG Brasil Sem Grades, entidade dedicada a estudar as causas da violência, o empresário Luiz Fernando Oderich critica a "politização excessiva" do debate. Oderich criou a Brasil Sem Grades após ter o único filho morto durante assalto em 2002. Para ele, mudanças na legislação não tem força para evitar massacres como o registrado em Suzano, no qual os assassinos usaram um revólver calibre 38, machados, uma besta e um arco e flecha.
- O pessoal (políticos contra e a favor do desarmamento) está se aproveitando do ataque. Não há lei que impeça esse tipo de coisa. Há toda uma cultura de estímulo à violência por trás disso, que precisa ser combatida em casa e na escola. Às vezes falta apenas afeto - diz Oderich.
A opinião é compartilhada pelo pesquisador Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Alcadipani diz que investigações policiais mais imersivas e aperfeiçoamento da formação dos professores são mais eficientes do que maior rigidez na lei penal para homicidas ou a liberação do porte de arma. O estudioso explica que jovens solitários e vítimas de bulling, como Guilherme e Luiz Henrique, costumam frequentar sites e chats obscuros hospedados na chamada deep web, a internet profunda. Nesses ambientes, protegidos pelo anonimato, são incentivados a cometer desatinos.
- Claro que todo esse discurso dos políticos a favor das armas colabora, afinal a violência passa a ser uma gramática fácil na boca deles. Armas não podem estar disponíveis. Mas há uma subcultura da juventude que valoriza isso. São jovens que estão excluídos dos círculos sociais e buscam notoriedade nesses guetos da internet. É preciso muita inteligência policial nesses ambientes e professores mais atentos. Pela primeira vez tivemos no país um ataque com dois atiradores. Isso mostra um comportamento novo, que precisa ser estudado para que não se repita - diz Alcadipani.
Todos os anos, o instituto Sou da Paz faz um levantamento de todos os projetos apresentados na Câmara e no Senado. Segundo o coordenador de Advocacy da entidade, Felippe Angeli, 40% das propostas objetivam aumentar penas ou criminalizar algo. Em contrapartida, não houve recuo nos índices de violência. De acordo com Angeli, os atiradores de Suzano não seriam impedidos por qualquer legislação penal, uma vez que estavam dispostos a morrer praticando o ataque. Ao final, Guilherme matou Luiz Henrique e se suicidou.
- O fetiche legislativo, punitivo, não tem funcionado. Se mudar a lei fosse solução, o Brasil seria uma Suíça. Essa situação de Suzano é muito atípica, uma tragédia em que os próprios agressores se atacaram. Então nós precisamos olhar é para as escolas, promover uma educação voltada à convivência e à solidariedade. O massacre diz mais respeito à crise que se abate sobre nosso sistema educacional e a nossa juventudo do que sobre direito penal.