Rhyllary Barbosa de Souza, 15 anos, estava na cantina da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP), quando viu o primeiro atirador entrar, na manhã da última quarta-feira (13), e disparar a esmo. Segundos depois, a menina seria protagonista de uma fuga desesperada, seguida de momentos de pavor, confronto e alívio. Rhyllary não só sobreviveu ao massacre que abalou o país, como abriu a porta que permitiria a salvação de dezenas de colegas, em meio a socos, puxões e golpes de machadinha.
A cena foi captada pela câmera de segurança posicionada no saguão do colégio e agora corre o mundo. Na imagem, a garota surge correndo em direção à saída, liderando um grupo de jovens, e dá de cara com outro assassino.
Dez minutos antes, tudo ia bem. Rhyllary havia acabado de comprar um salgado de calabresa e uma guaraná Dolly. Dividia mesa com a amiga Maria Eduarda. Era uma manhã como qualquer outra.
— A gente estava lá brincando, comendo lanche. De repente, eu vi o cara chegando e atirando em todo mundo na diretoria. E ele vinha na nossa direção — recorda.
Lutadora de Jiu-jitsu há três anos e conhecida na turma por "não levar desaforo para casa", a estudante do 1º ano do Ensino Médio gritou para que todos se escondessem atrás do mobiliário. Ela se protegeu com uma mesa:
— Aí eu percebi que o cara foi para o CEL (Centro de Estudos de Línguas). Vi que ele tinha um machado na cintura. Aí eu disse: "gente, vamos! Vamos criar coragem e sair correndo daqui. Esse cara vai nos matar."
Antes que os colegas respondessem, Rhyllary levantou, pulou o muro que divide a cantina e o refeitório e correu. Correu como nunca. Sem parar. Até chegar ao saguão e deparar com Luiz Henrique de Castro, 25 anos, o segundo algoz do crime que vitimou cinco alunos, duas funcionárias, um empresário e os próprios homicidas. Seu comparsa, Guilherme Monteiro, 17 anos, estava mais à frente.
— Eu não sabia que tinha outro cara envolvido. Quando vi, minha garganta secou e se fechou. Pensei: é agora que vou morrer — conta.
Por sorte, Castro havia se abaixado pouco antes para arrumar a bota direita. Enquanto isso, tinha largado no chão a sacola com uma besta (arma para disparar flechas) e a machadinha que carregava. Segundos antes, ele havia usado a ferramenta para ferir pessoas que já haviam sido baleadas por Monteiro, entre elas a coordenadora pedagógica Marilena Umezu, 59 anos.
— No susto, ele me viu e me agarrou — narra a estudante.
No vídeo, é possível ver o criminoso puxando Rhyllary pelo casaco e dando início a uma luta corporal. Chegou a puxar o cabelo dela e dar quatro socos na cabeça da adolescente, que conseguiu se desvencilhar, abrir a porta e sair. Tudo isso durou nove segundos. Para ela, pareceram horas.
— Ele chegou a tentar me dar uma rasteira, mas eu consegui me estabilizar. Depois, chacoalhei o corpo para fazer ele perder o equilíbrio. Funcionou — conclui.
O assassino ainda investiu contra as vítimas que vieram atrás de Rhyllary. Tentou segurar algumas, puxar pelo braço, mas desistiu e recuou para recuperar o machado, que, no meio da confusão, acabou cravado no ombro de José Vitor Ramos Lemos, 18 anos.
Vi que ele tinha um machado na cintura. Aí eu disse: gente, vamos! Vamos criar coragem e sair correndo daqui. Esse cara vai nos matar.
RHYLLARY BARBOSA DE SOUZA, 15 ANOS
— Quando sai para a rua, só lembro de olhar para trás e ver o José com a machadinha nas costas. Me assustei muito. Ele continuou correndo e só dizia: alguém me ajuda, alguém me socorre, pelo amor de Deus — lamenta a aluna.
Rhyllary ainda acompanhou o amigo a pé até o Hospital Santa Maria, a uma quadra de distância — onde ele se recupera após passar por cirurgia. Só depois disso, a aluna conseguiu parar e ligar para a mãe, a manicure Marilene Barbosa de Oliveira, 45 anos.
— Eu estava na casa da minha nora e a TV estava desligada. Não sabia de nada. Quando começou a falar, a Rhyllary estava muito nervosa. Eu disse: respira e fala de novo, até que entendi o que tinha acontecido e corri para lá. Deus salvou minha filha — emociona-se a mãe.
Na quinta-feira, as duas foram até o velório coletivo de seis vítimas da tragédia, na Arena Suzano. Rhyllary queria se despedir dos amigos, que eram seus vizinhos de sala — em especial de Caio Oliveira, 15 anos, com quem costumava falar sobre basquete e letras de rap. Mal conseguiu se aproximar dos caixões, por conta do cercado montado para dar privacidade às famílias. Centenas de pessoas passaram pelo local, em clima de comoção.
Ao deixar o funeral e retornar à escola com a reportagem de GaúchaZH, se tornou alvo de atenção.
— Você é a menina do vídeo, né? Foi muito corajosa ao abrir aquela porta. Salvou muita gente. Acho que umas 40 pessoas, no mínimo — disse o motorista Claudinei Diamantino, 39 anos, que fez questão de cumprimentar a menina.
Colega de classe de Rhyllary, Monique Ochiuto, 15 anos, deu um longo abraço na colega, que quer ser delegada de Polícia.
— Pensamos que você tinha se machucado. Não sabíamos do vídeo, mas tínhamos certeza de que você não deixaria isso tudo acontecer sem lutar — falou Monique.