Com 5,8 quilômetros de extensão, a pista no entorno do Lago Dourado, em Santa Cruz do Sul, tem pontos sinuosos, onde não se pode enxergar a outra margem. Garças sobrevoam o reservatório de água, cercado de matos. A proximidade com a natureza e extensão do trajeto fez o local atrair pessoas para prática de exercícios. Desde que Francine Rocha Ribeiro, 24 anos, foi assassinada em uma área a 400 metros dali, no entanto, um clima de medo e mistério deu lugar a aparente tranquilidade. A jovem saiu da casa da mãe para caminhar e acabou encontrada morta no dia seguinte. O crime completa 10 dias nesta quarta-feira (22).
Na rampa de acesso ao lago, pode-se ver uma cruz branca com o nome da jovem e a data "12/08/2018". Ela foi fixada ali pela família, no domingo (19), durante uma manifestação pedindo o fim da violência contra as mulheres.
Do outro lado do espelho d'água há outra cruz, também com o nome da jovem. O símbolo marca o ponto onde se suspeita que ela possa ter sido atacada. Nos arredores da pista, diversas trilhas entre os matagais permitem o acesso ao parque. A polícia acredita que por uma delas a jovem foi levada pelo autor do crime.
Na manhã de terça-feira, somente quatro homens estiveram no lago para caminhar o correr. Em um dia normal de movimento, deveriam ser cerca de 30 frequentadores. As mulheres não apareceram. Às 10h40min, apenas um se aventurava na pista, enquanto outro aposentado, de 56 anos, descansava após se exercitar. Morador de Santa Cruz do Sul, ele conta que esteve no lago na mesma tarde do crime, mas não percebeu nada anormal.
— Não deixei de vir, é um lugar muito bom para caminhar. Até então muito tranquilo, mas agora tem muita gente com medo — relata.
Andreia Bueno, 30 anos, é uma das moradoras de Santa Cruz do Sul que não pretende mais frequentar o local. Há cerca de um mês, caminhava nas margens do lago com uma prima, no lado oposto ao pórtico, próximo de onde há uma guarita desativada, quando um homem teria saído do meio do matagal.
— Naquele momento eu senti um pavor. Disse pra minha prima "imagina esse cara nos ataca, não vamos ter o que fazer". A gente começou a correr. Não tenho mais vontade nenhuma de voltar lá. Me senti extremamente desprotegida. Depois do ocorrido, não volto mais, a gente fica com medo mesmo, dá um pavor — conta.
Arselho Martins de Oliveira, 55 anos, costuma frequentar o parque, pelo menos, três vezes por semana. Mesmo após o crime, ele não deixou de ir ao local, mas acha a área arriscada.
— Não tem cerca, nem nada. As pessoas estão cada vez mais assustadas. As mulheres sumiram mesmo, mas não são só elas, muitos homens deixaram de vir também. E para nós que seguimos frequentando fica pior ainda, com menos gente. É uma pena alguém ter que perder a vida para que façam algo — observa.
Guarda foi intensificada
O crime, em um ponto, onde a prefeitura pretende construir um complexo turístico, com restaurante, quadras esportivas, quiosques e praça de alimentação, mexeu com o governo de Santa Cruz do Sul. O reservatório é administrado pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), mas numa parceria com a prefeitura o local foi aberto para visitação do público.
Na quinta-feira (16) o prefeito, Telmo Kirst, esteve reunido com o presidente da estatal Jorge Luiz Costa Melo, em Porto Alegre, para pedir o cercamento do lago. A medida é estudada pela companhia. Um dos planos da prefeitura é dar continuidade em setembro ao projeto de ampliação do complexo. Para isso, o espaço deveria permanecer fechado por um ano.
Após o caso, a Guarda Municipal passou a permanecer dentro do parque durante todo o funcionamento. Antes eram feitas rondas, mas os guardas não ficavam dentro da área. No dia do crime, a Guarda garante que esteve no parque às 15h e novamente às 16h, mas nada anormal foi percebido.
— Nunca tivemos um crime desse tipo aqui. O que ocorre é entrada de animais ou a pesca irregular, que combatemos. Mas algo contra a vida nunca tivemos nem ameaça de algo assim. É algo muito trágico e lamentável. Aguardamos as investigações até para sabermos quais medidas adotar — afirma Estor Iochimns, coordenador da Guarda de Santa Cruz do Sul.
Secretário da Segurança de Santa Cruz do Sul, Henrique Hermany, reconhece a necessidade de melhorar a segurança, com a instalação de novas câmeras de segurança e diz que a medida está prevista no projeto de transformar o espaço em um complexo turístico e esportivo. Ele defende, no entanto, que o local não tinha registros anteriores de crimes.
— Sempre foi um local tranquilo. Num primeiro momento, a gente reforçou as rondas da Guarda Municipal, com presença mais ostensiva. Também colocamos à disposição da Polícia Civil cerca de três horas de gravação que registram o acesso ao local. É um episódio muito triste, que marca. Esperamos que se desvende esse mistério, para saber que aconteceu. Enquanto isso, vamos manter a presença intensificada — diz.
Como funciona:
- O parque não tem controle de acesso dos visitantes. Não é preciso identificar-se para circular no local.
- A pista pode ser usada para caminhadas, corridas ou andar de bicicleta.
- Carros particulares não podem circular na pista. Há estacionamento para os veículos.
- Há uma câmera de videomonitoramento no acesso ao parque. Ela grava em 360 graus e tem capacidade para alcançar com zoom o outro lado do lago. No entanto, existem pontos cegos. Um dos trechos, próximo de uma antiga guarita, é justamente onde há suspeita de que a jovem tenha sido abordada.
- Não há cercamento no entorno do lago.
- A vigilância no acesso é voltada à proteção do patrimônio. A segurança dos frequentadores é feita pela Guarda Municipal, que antes do crime realizava somente rondas em horários determinados, mas agora está com uma equipe em tempo integral no parque.