O telefone chamou uma, duas, três, quatro vezes. Do outro lado, ninguém atendeu. Eronilda Machado, 51 anos, tentou uma segunda vez. Chamou novamente, sem resposta. Aproximava-se das 18h daquele domingo e a costureira começava a se preocupar. Entardecia quando ela insistiu uma terceira vez. Nada. A filha havia saído da casa dela, em Vera Cruz, no meio da tarde para caminhar no Lago Dourado, ponto turístico de Santa Cruz do Sul, a 3,5 quilômetros dali. Quando tentou uma quarta vez, descobriu o celular desligado. A mãe então teve certeza de que algo estava errado.
A localização do corpo da jovem, na manhã seguinte, em meio a um matagal, a cerca de 400 metros da pista onde ela costumava caminhar sentenciou um trágico e precoce desfecho. Francine Rocha Ribeiro, 24 anos, foi estrangulada e espancada até a morte. A jovem teve um dos pulsos amarrado a uma árvore.
Uma das suspeitas é que tenha sido vítima de crime sexual. A investigação também não descarta que o objetivo do criminoso fosse levar alguns objetos, como o celular dela, o que teria acabado terminando em um latrocínio (roubo com morte).
— Se não fosse a minha filha teria sido outra mulher vítima dessa violência — acredita Eronilda.
Francine nasceu às 8h30min do dia 2 de maio de 1994. Dois minutos antes da irmã gêmea Franciele. Durante a cesariana, a mãe ouvia os médicos comentarem a morte de Ayrton Senna, ocorrida um dia antes em Ímola, na Itália.
A primogênita era a menor das irmãs, com 2.750 gramas. Os cabelos também diferenciavam as duas. Enquanto Francine tinha madeixas quase loiras, Franciele exibia cabelos escuros. As fotografias das gêmeas, tão diferentes, são guardadas com afeto por Eronilda.
Nos últimos dois meses, mãe e filha dividiam inclusive o mesmo quarto. Sentada sobre a cama onde dormiam juntas, acaricia uma almofada rosa que recebeu de Francine no Dia das Mães. Eronilda tinha planos para a filha. Esperava poder ajudá-la a comprar uma casa.
— Todo mundo tem o sonho de ter a sua casinha e ela também tinha. Eu dizia "tu vai conseguir, vai ter". Mas, infelizmente, ela não teve tempo — lamenta a mãe.
Francine vivia com a mãe e o avô, Osmar Evaldo Milbradt, 76 anos. O idoso lembra de quando as irmãs eram pequenas. Para que elas não precisassem ir para a creche enquanto a mãe trabalhava, os avós ajudaram a cuidar das duas até os nove meses. Em uma das fotos guardadas por Eronilda, o registro do aniversário de um ano das duas. Com roupas idênticas, as irmãs estão apoiadas em uma mesa. A mãe usava essa estratégia porque Francine ainda não caminhava, enquanto Franciele, adiantada, já dava os primeiros passos.
Não precisavam ter feito o que fizeram com ela. Ela era minha filha, minha amiga. Queria ter ela aqui comigo.
ERONILDA MACHACO
Mãe de Francine
Entre as fotos também estão os registros do último aniversário que elas comemoraram juntas. Francine queria uma festa de 24 anos, e teve. No ginásio perto da casa da mãe, as irmãs celebraram mais um ano de vida. Mesmo local de onde, uma semana após a morte, partiu a caminhada em protesto pelo crime.
Foi da casa da mãe que Francine saiu na tarde daquele domingo para ir ao Lago Dourado. Depois de almoçar com o pai, que reside na zona rural do município, passou em casa para trocar de roupa. Era um dia ensolarado e Eronilda estava sentada em frente à casa. "Bah mãe, que dia bom pra gente tomar chimarrão no Lago Dourado", comentou Francine com a mãe, que concordou.
Mas como o noivo estava numa caminhonete, sem lugar para carona, as duas desistiram da ideia. Resolveram deixar para outra hora. Francine vestiu legging, top, camiseta e um casaco. A mãe se despediu e foi até a casa de uma vizinha. Eronilda diz que alertava a filha sobre o risco dos matagais no entorno do lago ser frequentado por usuários de drogas.
— Ela adorava caminhar. Ia sempre. Hoje a gente pensa em tudo isso.
Naquele dia, Francine foi caminhar mais cedo do que habitual. Costumava ir mais para o fim da tarde. Eronilda diz que começou a se preocupar com demora pelo retorno porque a filha não ficava sem dar notícias.
— Se quisessem levar as coisas dela que levassem. Mas não precisavam ter feito o que fizeram com ela. Ela era minha filha, minha amiga. Queria ter ela aqui comigo. Só quero que ele seja preso. O que ele fez não é justo — pede a mãe.
O desaparecimento
Na tarde de domingo, quando decidiu caminhar no Lago Dourado, Francine havia saído da casa do pai, Runer Rocha Ribeiro, 51 anos, no interior de Vera Cruz. A jovem esteve com ele no almoço do Dia dos Pais.
Depois, segundo o noivo, Lucas Seelig de Lima, 25 anos, com quem mantinha um relacionamento havia seis anos, ela decidiu ir caminhar no lago. O rapaz contou que deixou a jovem no local pouco antes das 15h. Depois, foi fazer um depósito bancário e retornou para Linha Ferraz, na área rural de Vera Cruz, onde ele mora.
Uma câmera no acesso ao lago registrou o momento em que ela se alonga no deck, às 14h55min. Depois, segue em caminhada pelo lado direito da pista. Ela deveria regressar para a casa da mãe. O corpo da jovem foi encontrado em matagais, a cerca de 400 metros da pista, na manhã seguinte.