O 12 de agosto, assinalado com um círculo azul no calendário da cozinha de Runer Rocha Ribeiro, 51 anos, marca o Dia dos Pais. O último que passou com a filha Francine Rocha Ribeiro. Ao lado do número em vermelho, escrito com letra trêmula, pode-se ler “Cine”, anotado com caneta. Era a forma carinhosa que ele a chamava desde criança. Perto dali, sobre a estante estão fotos das gêmeas, que comemoraram o aniversário de 24 anos, completados em 2 de maio. Era também o último das irmãs juntas.
— Todo mundo gostava dela. Não distinguia ninguém, tratava todos bem. Saía brincando, rindo — recorda o pai, enquanto segura carinhosamente um dos quadros com a foto de Francine e retira a poeira.
Runer acaricia e mira a imagem, como quem pudesse alcançar a filha. Foi na casa dele em Rincão da Serra, localidade pacata no interior de Vera Cruz, que a jovem passou os últimos momentos com a família. Francine chegou pouco depois do meio-dia de domingo com o noivo. O pai tinha preparado o churrasco. A irmã gêmea, Franciele Ribeiro, participou da comemoração. Francine presentou o pai com creme de barbear, shampoo e abraços. Em frente à casa laranja, a família fez fotos. Recordações nas quais o pai tenta se apegar agora.
— É um dia que nunca vou esquecer. O Dia dos Pais ficou marcado pra sempre. É uma dor muito grande. Vou sempre lembrar da minha Cine — diz o pai.
Lembranças como o dia em que foi surpreendido pelo médico, amigo da família.
— A criança é menino ou menina? — indagou o pai curioso.
— As crianças? — respondeu o médico, em anúncio à chegada de gêmeos.
Eram meninas. As irmãs cresceriam sempre juntas. As fotos das duas estão por todos os lados em quadros e álbuns. Francine amava fotografar, enquanto Franciele servia de modelo.
Pouco antes do nascimento delas, o pai, que trabalhava como motorista, decidiu tentar concurso público para ficar mais perto da mulher e das filhas. Foi aprovado em primeiro lugar para operador especializado na prefeitura. As meninas eram a alegria da casa. Moravam no interior de Vera Cruz, onde estavam sempre envolvidas em atividades escolares. Ajudavam o pai quando ele tinha dificuldades nos cursos do trabalho.
— Elas me dão muito orgulho. Nunca rodaram de ano no colégio. Nunca pegaram recuperação. Nunca deram trabalho. Ficam lembranças boas — consola-se Runer.
Não ia voltar para casa sem a minha filha. Graças a Deus a gente achou. Mas a coitadinha já tinha passado por tudo aquilo. Sofreu muito. Foi uma brutalidade o que fizeram com ela.
RUNER ROCHA RIBEIRO
Pai de Francine
Quando os pais se separaram, Francine seguiu morando com a mãe. Mas nas datas comemorativas a família estava sempre junto. Da casa do pai, a jovem saiu na tarde do último domingo com o noivo Lucas Seelig de Lima, 25 anos. A jovem parou na casa da mãe, no bairro Bom Jesus, em Vera Cruz, e trocou de roupa. Depois, embarcou no carro e seguiu até o Lago Dourado, em Santa Cruz do Sul, ponto turístico com pista no entorno onde ela costumava fazer caminhadas. Despediu-se do noivo e entrou no parque às 14h55min. Alongou-se para a caminhada e tirou fotos sentada na pista. Depois dali, deixou de fazer contato com a família.
Começava a entardecer quando o pai foi avisado que Francine não tinha voltado para a casa da mãe como havia combinado. Assim como outros familiares, Runer seguiu para o lago. O telefone da jovem chegou a chamar uma vez, mas logo depois foi desligado. Por 10 horas seguidas, em uma busca desesperada, o pai embrenhou-se nos matagais, cruzou banhados e cercas. Tinha esperança de achá-la com vida. Na metade da manhã seguinte, deparou com a cena que rogava para não ver: o corpo da filha estendido em um matagal. A jovem tinha sido amarrada, espancada e asfixiada. A suspeita é de que tenha sido vítima de crime sexual.
— Não ia deixar ela lá. Disse que se ela estivesse naquele mato eu ia achar. Não ia voltar para casa sem a minha filha. Graças a Deus a gente achou. Mas a coitadinha já tinha passado por tudo aquilo. Sofreu muito. Foi uma brutalidade o que fizeram com ela. Aquela imagem nunca vai sair da minha cabeça — emociona-se.
Entrevista
Como foi o Dia dos Pais?
Estava lindo o domingo. A gente brincou se divertiu. Assamos uma carne. Tiraram foto. Foi um domingo com todo mundo feliz, alegre. A gente conversou, demos risada, tomamos chimarrão. Um domingo bem em família.
Em que momento soube que ela havia sumido?
Mais ou menos umas seis horas, quando me avisaram. Essa caminhada ela fazia todos os dias, se não era de manhã, era de tarde. O trajeto era pouco mais de uma hora. Eles saíram daqui, mas não sabíamos que ela ia caminhar. A Franciele ligou e disse que não estavam conseguindo contato. Olhei a hora e fomos lá.
Como foram as buscas?
A gente olhou as câmeras e mostrava ela entrando e não saindo. Nunca tinha ido lá. A gente começou as buscas. De noite, uma certa hora, é fechado o portão, mas nos deixaram fazer buscas. Entramos no mato, umas sete horas da noite, e eu fui sair era cinco e meio da manhã. Vim em casa, me lavei, comi uma coisinha e voltei. Perto das nove a gente encontrou onde levaram ela. Era difícil o acesso ao local, mato bem fechado, banhado.
O senhor esperava achar ela com vida?
Pedia para Deus me ajudar a achar ela viva. Que ia tirar ela de lá, ia. Graças a Deus, achamos. Mas a cena para um pai ver um filho naquele estado, toda machucada. Ela apanhou muito. É uma brutalidade. Não sei se é um ou dois. Acredito que uma pessoa só não ia fazer isso. A dor é grande. Mas Deus é grande e a polícia vai descobrir quem é.
O que o senhor espera agora?
Espero Justiça, que isso não fique impune, que cerquem o lago, coloquem mais iluminação e vigias. É um ponto turístico. A gente pede que tenha segurança. O que a gente não quer para a gente não quer para os outros. A gente acha que nunca vai acontecer com a gente e aconteceu com a minha filha. Não quero que aconteça com a filha de ninguém. Um pai, no estado que achei a minha filha, toda machucada, deitada naquele chão frio, o que a minha filha passou. Não pode ser normal uma pessoa fazer isso.
E quais lembranças ficam dela?
Jamais vou esquecer. O Dia dos Pais vai ficar na minha memória para sempre. Mas só tenho lembranças boas da minha filha. O sentimento que fica é tristeza, revolta. Espero que a polícia encontre quem fez isso.