Os 17 líderes de facções criminosas que estão em prisões federais e podem voltar a presídios gaúchos por ordem judicial têm total de 884 anos de condenações por crimes como homicídios (muitos executados com requintes de crueldade), tráfico de drogas, latrocínio, roubos, extorsão, ocultação de cadáver, formação de quadrilha, falsificação de documentos e porte ilegal de armas. Desse total de pena, o grupo ainda precisa cumprir 660 anos.
Os criminosos são responsáveis por, pelo menos, 19 assassinatos, (16 homicídios e três latrocínios), além de nove tentativas. Esses são casos que já foram julgados. Os 17 apenados respondem, ainda, a uma série de processos referentes a outras mortes, organização criminosa, tráfico, roubo e lavagem de dinheiro.
Juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre não acataram pedido para que os apenados continuassem fora do Estado. Desde sexta-feira, quando a informação se tornou pública, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e o Ministério Público (MP) têm reagido com indignação e preparam recurso contra a decisão.
Na tarde desta segunda-feira (9), o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, o secretário da Segurança, Cezar Schirmer, e representantes de Susepe, Polícia Civil e Brigada Militar estiveram reunidos discutindo estratégias para recorrer.
Há um ano, 27 condenados por delitos graves no Estado foram transferidos para prisões de segurança máxima em Mato Grosso do Sul, Rondônia e Rio Grande do Norte. Os pedidos de renovação da permanência dos apenados em unidades federais partiu da SSP. Ao negar 17 deles, os juízes da VEC Patrícia Fraga Martins, Paulo Augusto Oliveira Irion, Sidinei Brzuska e Sonáli da Cruz Zluhan fizeram críticas pesadas ao governo.
Magistrados mencionam deficiências do governo
Nos bastidores do Judiciário, há quem trate a transferência de presos como marketing eleitoral do governo José Ivo Sartori. Além disso, há entendimento entre juízes de que o resultado buscado com a retirada dos líderes de facções do Estado – que é a redução da violência, especialmente estancar homicídios – já foi alcançado e não vai avançar. Pelo contrário, há temor de que o longo afastamento dos líderes dê espaço para mais chacinas com mortes, uma vez que subordinados na organização estão em disputa e agem com nova estratégia atirando em qualquer pessoa nas proximidades do alvo do ataque.
Nas decisões, os juízes da VEC afirmam que o Estado tem obrigação de propiciar segurança pública, não podendo se eximir de suas responsabilidades, e que até causa “certa estranheza” o pedido mencionar a “caótica situação do sistema prisional, tais como superlotação das cadeias e o comando de certas unidades por facções”. Situação essa, conforme os magistrados, decorrente “de problemas de gestão prisional”. Ou seja, deficiências do próprio governo.
"Estado é desrespeitador da lei", dizem juízes da VEC da Capital
O texto assinado pelos quatro juízes da Vara de Execuções Criminais da Capital diz que a solicitação de prorrogação teria de conter algo novo, “com capacidade de evidenciar a imperiosa necessidade”, não bastando repetir os mesmos argumentos do pedido inicial de remoção, feito em 2017.
Os magistrados criticam a inércia do Estado, mencionando o fato de a única cadeia que seria capaz de conter presos de grande periculosidade, a Penitenciária de Alta Segurança (Pasc), de Charqueadas, já ter perdido este status por causa de precariedades estruturais – a partir de 2015 passou a ser considerada de média segurança pela Justiça, e é alvo de incontáveis pedidos de providências e melhorias por parte da VEC desde 2011.
Na mesma linha, lembraram a situação do Presídio Central, que ganhou nome de Cadeia Pública e onde foram construídos dois centros de triagem sem direito de visita aos detentos. A troca da nomenclatura é citada como estratégia insuficiente para alterar o quadro de calamidade, com superlotação.
Três detentos serão transferidos do RS
“Nesta esteira, este mesmo Estado não pode querer transferir todos esses problemas à existência de facções criminosas que, diga-se de passagem, somente se criam em decorrências das omissões e lacunas deixadas pelo próprio Estado, que, em sede de execução penal, é constante desrespeitador da lei”, diz trecho de decisão.
O despacho expressa que os criminosos estão privados de visitas – previstas na Lei de Execução Penal –, em razão das grandes distâncias: “Ora, não é retirando-se a possibilidade de contatos de apenados com seus familiares e amigos, quando das visitações, que se alcançará reintegração social”.
Embora tenha negado as renovações, a VEC da Capital aceitou três novos pedidos de transferências feitos pela SSP. São apenados que estão coordenando crimes de dentro das cadeias, entre elas, a Pasc. O critério para acatar a solicitação foi o mesmo adotado quando das remoções autorizadas ano passado.