Era como um troféu para Joel Alves dos Santos, 21 anos, a carteira de trabalho recém assinada que ele carregou para todos os lados naquela quarta-feira, 6 de setembro deste ano.
Mostrou à avó, na casa da Rua Caixa Econômica, na região da Vila Cruzeiro, bairro Santa Tereza, na zona sul de Porto Alegre, e depois correu até a Escola Municipal Especial Elyseu Paglioli.
Precisava compartilhar aquela conquista com o professor, e atual diretor da escola, Marco Aurélio Freire Ferraz, que, desde os oito anos de Joel, apostou no desenvolvimento dele. Aquela seria a última tarde que o professor veria Joel.
Na manhã seguinte, o corpo do rapaz foi encontrado atingido por pelo menos um tiro na cabeça em um matagal nos fundos da área militar da Alameda Três, onde morava.
Um amigo, baleado, segue hospitalizado. Joel foi morto no bairro onde mais se matam jovens na Capital.
O jovem, portador de deficiência intelectual moderada, tinha entre seus passatempos favoritos caminhar pelas ruas à noite, junto com o amigo, também frequentador da escola especial.
Eles nunca tiveram envolvimento com a criminalidade, e o crime deles, ao que tudo indica, foi cruzar um território proibido, por ordem dos bandidos, a quem era morador da Rua Caixa Econômica.
Ironicamente, se a caminhada dos dois amigos fosse desviada apenas alguns metros, a probabilidade de morte seria quase inexistente. Entre 2011 e setembro de 2017, nenhum jovem desta faixa etária foi morto no bairro Menino Deus.
O retrato da "juventude perdida", como define o economista Daniel Cerqueira, é apenas um dos recortes possíveis no Raio X da Violência, que a partir de agora está disponível ao leitor de Gaúcha ZH.
É resultado do levantamento de assassinatos em Porto Alegre, feito pelo Diário Gaúcho desde 2011, e que passará a ser atualizado em tempo real pela editoria de Segurança.
— A morte de jovens é uma tragédia para o futuro do país. Nunca tivemos tantos jovens no país e, a partir de 2023, passaremos a ser um país envelhecido. Quem sustentará o país? Essa geração que estamos matando e que, em virtude da violência, está sendo restringida de tantas coisas? — diz o economista.
Cerqueira é autor de estudo que analisa o custo das mortes no Brasil, baseado em dados como a perda da expectativa de vida, produtividade econômica e condições sociais das vítimas. Em 2010, a conclusão era de que os assassinatos contra a juventude no Estado consumiam até 1,3% do PIB do Rio Grande do Sul.
O Raio X da Violência revela uma Capital conflagrada. Praticamente todos os bairros, ao menos em algum dos anos analisados, superaram um assassinato para cada 10 mil habitantes por ano, número considerado aceitável pela ONU. A média de Porto Alegre é de 38 assassinatos para cada 10 mil habitantes por ano neste período.
Apenas quatro bairros — Jardim Isabel, Pedra Redonda, Bela Vista e Três Figueiras — não registraram homicídios. E aí as desigualdades sociais da metrópole relacionam-se diretamente com a violência letal. Mesmo que a maior parte dos assassinatos ocorra nos bairros periféricos, o problema atinge em cheio quem aparentemente está longe do perigo.
— Toda a sociedade paga pela violência. Seja com a vida ou com perdas patrimoniais. Impacta em perda de empregos, no medo paralisante, as pessoas deixam de frequentar locais e a economia da cidade, como consequência, paralisa em alguns aspectos — analisa Cerqueira.