Até os oito anos, Joel dos Santos morou na rua com os pais, que eram usuários de crack, e o irmão mais velho. Foi resgatado pelo programa Ação Rua, passou a viver com a avó e foi incluído na escola especial. Acolhido, Joel se mostrou um investimento público que realmente funcionou. Ao chegar na escola, sequer tinha a certidão de nascimento. Aos 21 anos, quando se tornava um cidadão economicamente ativo, consumidor e trabalhador, teve a vida ceifada, e tragicamente, teve a certidão de óbito também providenciada pela escola que sempre o acolheu.
— Nossa tarefa com o Joel foi de humanização, muito mais do que de educação. Aos poucos, ele foi se moldando e se tornou um modelo para todos aqui. Na prática, ele encontrou um estilo. Era um jovem como todos os outros na região. Conhecia a todos, se vestia como todos, gostava de tatuagens, bonés e correntes. E tinha um sonho com o dinheiro que já começava a ganhar em um estágio: comprar uma casa e criar a própria família. Era um menino nota 10 — lembra o professor Marco Ferraz.
Para o sociólogo Francisco Amorim, o investimento nos jovens, pelo poder público, precisa ter como foco os efeitos a médio e longo prazo, e não necessariamente com a retirada individual de meninos do crime.
— Entrar para a criminalidade não está necessariamente ligado à pobreza. Mas o investimento público na abertura de perspectivas aos jovens que poderiam ser aliciados pelo crime é uma saída para transformar ambientes. Por exemplo, um menino da periferia que ganha uma bolsa de estudos e ingressa na universidade. Ele se torna uma referência positiva. O Estado precisa fomentar isso como prioridade. É um investimento futuro — avalia o pesquisador.
Daniel Cerqueira, especialista em economia do crime, o caso de Joel ilustra o quanto a violência causa prejuízos à sociedade. Foi um jovem que recebeu investimento público, e funcionou. Era considerado referência entre os colegas e na família.
— Perdemos o investimento para a violência — avalia Cerqueira.
A equação, segundo o economista, é bem lógica. Uma questão de escolhas do poder público.
— A cada 1% de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola, a taxa de homicídios local aumenta 2%. E a cada 15% de aumento na taxa de desemprego juvenil, a taxa de homicídios também aumenta 2%. Investir nos jovens é urgente para frear as mortes e garantir um amadurecimento da população com viabilidade de desenvolvimento — acredita o especialista.
A carteira de trabalho que Joel exibia no seu último dia de vida era resultado dos meses no curso de formação como auxiliar administrativo do Senai. Ele era um aluno exemplar na turma e não foi nada difícil encontrar uma vaga para ele em uma das empresas associadas ao projeto.
Na segunda, dia 11, ele receberia o diploma. A entrega aconteceu, sob a forma de homenagem póstuma. Como uma marca do desperdício de talentos que já se repetiu pelo menos 751 vezes desde 2011 em Porto Alegre.