As redes sociais que aproximaram milhares de pessoas na pandemia são as mesmas que levaram parte da população ao desespero na primeira semana de outubro, quando as redes de Mark Zuckerberg pararam de funcionar por horas em razão de uma falha. O problema escancarou o quanto dependemos de WhatsApp, Instagram e Facebook, seja para fins profissionais, pessoais ou de lazer. Aqui no Brasil, segundo país no mundo com maior tempo de acesso à internet do planeta — são 10h08min por dia navegando —, para manter a conexão, muitos se inscreveram no Telegram ou mesmo voltaram à não tão distante época do SMS ou das ligações telefônicas.
O rebuliço evidenciou dois aspectos bem distintos, observa Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP). O primeiro, considerado positivo, é como essas tecnologias facilitaram e agilizaram a comunicação ao substituir as ligações telefônicas. Por outro lado, também mostrou com o quanto alguns de nós dependemos emocionalmente das redes sociais, em especial do Instagram.
— O Instagram se tornou uma vitrine pessoal, onde a gente precisa ser visto. Para quem trabalha com isso, a queda foi um prejuízo. Mas tem uma legião de pessoas que dependem emocionalmente. Acho que, de uma maneira ou de outra, a circunstância vale como provocação para que as pessoas fiquem atentas à forma que estão usando as redes sociais — afirma Nabuco.
Por trás dessa necessidade de se manter online, de dar e de receber likes, está um processo que pode ser comparado a um vício. Estudos feitos lá em 1998, muito antes da explosão das redes sociais, já indicavam que jogadores de videogame acionavam o sistema de recompensa quando expostos ao eletrônico. Através de testes de imagem, os pesquisadores identificaram que, ao jogar, a liberação de dopamina, neurotransmissor relacionado ao bem-estar, era semelhante à que ocorre com o uso de drogas, como anfetaminas, por exemplo. Ou seja, ao repetir um comportamento que traz prazer, há mais liberação do neurotransmissor, abastecendo esse sistema e fazendo com que a gente peça bis.
— A tecnologia já se sobrepôs à função inicial dela, que era de servir de “bicicleta” para o cérebro. As programações são feitas para levar as pessoas a navegarem mais do que elas gostariam. Se eu tirar uma selfie e publicar na rede social “X”, eu vou ter cem likes em uma hora? Não. Ela passa por conta-gotas para me fazer mais tempo interagindo com essas plataformas — continua Nabuco.
A vulnerabilidade de crianças e adolescentes
Os impactos da tecnologia como um todo já são conhecidos, sobretudo, na primeira infância, quando interferem no desenvolvimento cognitivo das crianças e até nas habilidades psicomotoras, cita o psiquiatra Rodrigo Machado, médico colaborador do Programa de Transtornos do Impulso do IPq da USP.
— Provavelmente, acaba-se restringindo a exposição a outras fontes que seriam benéficas à criança — diz o médico.
Com o passar dos anos, o uso abusivo de tecnologia repercute na tomada de decisão e memória, habilidades refinadas da cognição. Como ainda estão em processo de desenvolvimento do cérebro, indivíduos com idade inferior a 25 anos são considerados mais vulneráveis.
A tecnologia já se sobrepôs à função inicial dela, que era de servir de “bicicleta” para o cérebro. As programações são feitas para levar as pessoas a navegarem mais do que elas gostariam. Se eu tirar uma selfie e publicar na rede social “X”, eu vou ter cem likes em uma hora? Não. Ela passa por conta-gotas para me fazer mais tempo interagindo com essas plataformas.
CRISTIANO NABUCO
Coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo
— O estudo com games mostra que há modificação do padrão de funcionamento do cérebro. E não só o funcionamento, mas há alterações estruturais: muda o tamanho do córtex quando comparado com o que não faz uso dessas tecnologias. É uma bela prova de que esse abuso muda o cérebro — diz Machado.
O uso excessivo de tecnologias e redes também reduz o convívio social e aumenta o risco de depressão. Em 2019, um estudo publicado no EClinicalMedicine analisou dados de mais de 10,9 mil adolescentes de 14 anos para avaliar se o uso de redes sociais estava associado a sintomas depressivos. Os achados revelaram que 26% das meninas que usavam redes por um período de três a cinco horas por dia preenchiam critérios para depressão.
As vias potenciais para essa relação, sugeriram os autores, foram o sono insatisfatório e a exposição ao assédio online. O trabalho mostrou que 40% das meninas e 25% dos meninos tiveram experiências de assédio online ou cyberbullying e 40% das meninas em comparação com 28% dos meninos disseram que dormiam frequentemente interrompido. Entre as garotas, também ficou evidente a maior propensão à baixa autoestima, à insatisfação com o peso corporal e à infelicidade com a aparência.
Além dessas repercussões na saúde mental, o abuso das tecnologias também afeta a parte física. Problemas posturais e oftalmológicos são alguns dos mais comuns reportados por especialistas.
Positividade tóxica
Corpos esbeltos, viagens incríveis e experiências que passam longe da realidade da maior parte da população são alguns dos fatores que renderam ao Instagram de pior rede social para a saúde mental, conforme um relatório feito pela Royal Society for Public Health, do Reino Unido, feito em 2017. O levantamento, que ouviu mais de 1,5 mil pessoas de 14 a 24 anos, identificou que 91% dos entrevistados usavam a internet para acessar as redes.
Além disso, muitos descreveram as redes sociais como algo tão viciante quanto álcool e cigarro. O trabalho também mostrou que, apesar do aumento da ansiedade e de outros problemas relacionados ao acesso em demasia às redes, essas conexões permitiram acesso a informações sobre saúde.
Para Machado, é importante ter uma postura positiva nas redes. Contudo, ele destaca que é normal e natural enxergar as coisas por um viés negativo, assim como ficar triste.
— A positividade tóxica suprime isso, essa necessidade de lidar com a dor — avalia.
Identificando e aliviando o uso
Embora seja difícil identificar que se está abusando das redes sociais, há algumas pistas de que o uso é excessivo, apontam os especialistas. Preocupar-se em demasia com a rede em questão, perder o controle do uso a ponto de ter prejuízos na escola ou no trabalho, ficar irritado com a falta de sinal de internet ou se incomodar com uma bateria no fim são indícios que devem acender o sinal de alerta.
— Diminuir a convivência social, atividade física, apresentar piora no sono e, apesar disso, continuar usando as redes e aumentando o seu uso precisam de atenção — diz o psiquiatra Rodrigo Machado.
- Estabeleça rotinas e saiba o que vai fazer a cada dia
- Tenha uma boa rotina de sono, alimentação e atividade física
- Foque em atividades sociais reais, não virtuais
- Lance mão de aplicativos para controlar o tempo de uso das telas
- Evite olhar as horas no celular, pois isso incentiva o uso do aparelho
- Deixe as redes sociais na segunda tela do celular
- Tire as notificações dos aplicativos
- Eleja os momentos para o uso das redes sociais
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