Um desafio para todos os pais, hoje, é entender a relação das crianças com as telas. Com o isolamento em meio à pandemia, essa questão ficou ainda mais relevante levando em conta as necessidades de estudo e trabalho remoto que se impuseram sobre as famílias. Apesar de serem aliados que facilitam a nossa vida, os aparelhos eletrônicos podem ser prejudiciais às crianças e aos adolescentes, se usados excessivamente.
Por isso, a resolução mais recente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre o tema recomenda que os pais controlem com rigor o tempo que os filhos despendem com televisão, computadores, celulares e tablets.
O controle do tempo conforme a idade
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, diversas pesquisas têm revelado aumento dos riscos à saúde de crianças e adolescentes por causa do uso excessivo de telas, especialmente em relação ao desenvolvimento de transtornos mentais e problemas comportamentais. Por isso, a SBP incentiva os pais a limitarem o acesso aos aparelhos conforme a faixa etária:
- Até dois anos: o ideal é que a criança não tenha contato com mídias digitais;
- Entre dois e cinco anos: limitar o contato ao máximo uma hora por dia;
- Entre seis e 10 anos: recomenda-se o uso de mídias digitais por no máximo duas horas por dia, sempre com supervisão;
- Entre 11 e 18 anos: a recomendação é restringir a duas ou três horas, com supervisão.
Renato Santos Coelho, membro do Comitê de Desenvolvimento e Comportamento Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), salienta que o período mais sensível é até os dois anos de idade, fase em que o cérebro está se desenvolvendo e a criança necessita de estímulos sensoriais que as telas não oferecem.
– A comunicação que se estabelece é só da tela para a criança. Da criança para a tela não há resposta. Não há interação. Nessa fase, o ser humano está com o cérebro em pleno desenvolvimento, e, para o cérebro se desenvolver, é preciso interação, estímulo e resposta. Tem de haver trocas afetivas e sensoriais, se não o cérebro não se desenvolve bem. Há estudos mostrando que crianças que tiveram acesso a tela, acima de uma quantidade de horas por dia, antes dos dois anos, apresentam atraso no desenvolvimento neuropsicomotor – explica Coelho.
De acordo com a SBP, o uso descontrolado das mídias digitais pode ocasionar problemas de saúde, como a dependência digital, irritabilidade, ansiedade, depressão, déficit de atenção, hiperatividade, transtorno do sono, transtornos alimentares e sedentarismo, entre muitos outros.
Outra preocupação da entidade é quanto ao conteúdo acessado. Por isso a orientação da supervisão e da implementação de filtros de segurança para evitar que os jovens acabem sendo expostos a conteúdos de violência, abusos, exploração sexual, pornografia etc.
Os efeitos nos olhos
Um dos problemas mais recorrentes do uso excessivo de telas ocorre na visão. A oftalmologista pediátrica Gabriela Eckert, também membro da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), afirma que aumentou muito o número de casos de crianças desenvolvendo ou aumentando o grau de miopia nesse período de isolamento. Ela explica que, para enxergar aquilo que está mais perto, há mais esforço acomodativo, o que significa mais força para focar a visão. A médica chama a atenção para o que significa aumentar o grau da miopia.
– Esse aumento tem relação principalmente com o uso de telas pequenas, como celular, tablet e computador. Não tanto a TV, porque a visão é um pouco mais de longe. O problema tambéem está relacionado a um menor contato com a luminosidade dos ambientes externos. Quanto mais alto o grau de miopia, mais chance tem de haver descolamento de retina no futuro, de degeneração miópica, que são causas da perda de visão. A miopia costuma aumentar na adolescência, e hoje a gente está vendo isso nas crianças menores – alerta Gabriela.
Um problema de toda a família
Ainda que seja uma tarefa complexa impor limites para os filhos, é um cuidado que precisa ser adotado. O pediatra Renato Santos Coelho recomenda que os pais busquem alternativas de entretenimento pensando, por exemplo no que faziam em suas infâncias: brincar com bola, papel, lápis, tinta, giz de cera, massinha de modelar, quebra-cabeças etc.
– Muitos pais vão ler e pensar: “Esses caras não têm filho pequeno, eles não sabem como é”. Eu entendo. O que tento é oferecer recursos aos pais, como se pudessem ter um portifólio de alternativas. Se você não tivesse o celular para oferecer à criança, o que ofereceria? – diz Coelho.
Mas o pediatra destaca que a reeducação eletrônica também é necessária por parte dos pais, pois a questão envolve toda a família.
– Nós todos usamos eletrônicos demais, em vez de ficar brincando com os filhos. A criança nos vê e quer fazer o mesmo – explica o médico.
Produção: Állisson Santiago