Sentado em uma cadeira de praia fora do quadro da câmera do notebook, Cláudio Vitor Lewandowski, 75 anos, acompanhava, dia após dia, as aulas remotas do neto Pedro Henrique Lewandowski de Souza, nove. A rotina que se estabeleceu ao longo do último ano foi rompida no final de abril, quando o menino retornou às atividades escolares presenciais. A possibilidade da convivência em tempo integral fortaleceu ainda mais os laços entre neto e avô, que, agora, são inseparáveis. Boas histórias dessa vivência próxima não faltam, e vão desde as dificuldades do vovô para acessar o sistema de aulas remotas do neto até o neto raspando a cabeça do vovô com uma máquina.
A despeito de todos os traços negativos da pandemia, há de se admitir que ela aproximou – mesmo que à força – uma parcela significativa de famílias. Se por um lado muitas se afastaram dos idosos por receio de infectá-los, por outro uma parcela lançou mão de estratégias que uniram os parentes, como foi o caso dos Lewandowski: temendo ser o vetor da doença, a mãe de Pedro Henrique, a servidora pública Cláudia Zenker Lewandowski, 42 anos, decidiu sair de casa e deixar o pai, Cláudio, a mãe, Irani Zenker Lewandowski, 67, e o filho juntos no apartamento. Coube à filha fazer todas as tarefas do lado de fora da porta, como ir ao supermercado, farmácia e, inclusive, colocar o lixo do trio para a rua.
Confinados na residência, os avós participaram de todo o processo de adaptação às aulas remotas. Cláudia, em outro apartamento, dava suporte por telefone, auxiliando o pai a ingressar no sistema da escola.
— Eu configurava tudo por telefone. Ele entrava, não dava. Eu dizia: "Vô, não é ponto gov, é ponto org o site, presta atenção!" — conta Cláudia.
— No início, foi um pouco difícil entender, se conectar. Não tínhamos experiência. Aos poucos, fomos compreendendo e ficou mais fácil — completa o vô.
Com tudo ajustado, o trio foi se adaptando à nova rotina em casa, que contava com as aulas online do menino diariamente acompanhadas pelo avô do conforto da sua cadeirinha de praia. Sem interferir, postava-se ao lado do neto, ouvindo todos os detalhes. Para o avô amante dos estudos, o novo formato de ensino foi uma oportunidade única de participar de pertinho dos aprendizados do neto.
— Ficava quatro horas com ele e não me causava cansaço de tanto que eu gosto! — orgulha-se Claudio que, de tanto acompanhar as atividades, já é capaz de reconhecer as características pessoais de cada colega do neto:
— Um brinca mais, outro menos. Um é mais interessado, às vezes um entrava de pijama — descreve o avô.
Para Cláudia, a presença do vô no dia a dia foi gratificante e ajudou o filho a sentir menos a ausência do convívio com os colegas de classe.
— Meu filho não sofreu, pois tinha um "coleguinha" do lado. Quando o meu pai saía do quarto por algum motivo, o Pedro Henrique corria atrás dele: "Vô, vem, tu não sabes o que está acontecendo!" — comemora.
Quando foi autorizado o retorno às aulas presenciais, Pedro Henrique voltou para a escola. Na tentativa de driblar a saudade dos bons momentos vividos com o neto, Cláudio deu uma missão para a filha: enviar os links das aulas do menino para ele assistir no fim do dia. Todos os conteúdos que julga importantes são devidamente impressos e entregues ao neto.
Além disso, as visitas, que antes da pandemia eram mais esporádicas, se tornaram quase diárias. Para o guri, a convivência em turno integral com o avô foi aprovada, ainda que nas lições de matemática Cláudio tivesse mais dificuldade.
— Acho que em Português ele era melhor. Em Matemática, ele pegava uma folha para fazer os cálculos — diverte-se Pedro Henrique.
Conexão Canoas-Floripa
Moradora de Florianópolis, em Santa Catarina, Elisa Lengler, 35 anos, precisou tomar uma decisão difícil no final de 2020. A psicóloga optou por deixar a filha, Valentina, seis anos, na casa dos seus pais, que vivem em Canoas, na Grande Porto Alegre, em razão da rotina de trabalho em turno integral. No começo, foram só alguns meses até as férias de verão. Porém, com o recrudescimento da pandemia, no começo de 2021, a pequena precisou retornar para o RS.
— Temos um esquema para elas virem para cá uma vez por mês. Quando a gente percebe a Valentina mais chorosa, elas vêm e ficam uma semana — diz Elisa.
A mais de 400 quilômetros da casa da filha, Maria Luiza Canellas Lengler, 64 anos, e Rogério Lengler, 69, aproveitam a oportunidade de acompanhar o crescimento da única neta. A residência do casal já tem um guarda-roupas da Valentina montado e até o canto do brinquedo, com uma barraca.
— Antes, era eu e o Rogério. Agora, virou uma casa de criança — vibra a vó coruja que acompanha as aulas online e carreteia a neta para algumas atividades extracurriculares presenciais.
Foi durante as aulas remotas que a professora de Valentina, Alexsandra Reis, teve a sensibilidade de perceber a importância dos avós no processo educacional dos netos durante a pandemia. Docente da Escola Adventista de Florianópolis, onde Valentina está matriculada, ela notou a presença constante de Maria Luiza.
— Ela faz Educação Física, participa do coral. É uma fofa. É tão importante a gente valorizar o esforço das vozinhas e responsáveis nesse processo — diz.
Em uma gravação da aula feita por Alexsandra, é possível atestar essa proximidade:
— Como está aí no Rio Grande do Sul? Está chovendo? — questiona a professora.
— Está chovendo e a vovó está colocando fogo na lareira — responde a menina.
— Para ficar quentinha nossa sala de aula — interrompe a vó, para os risos da neta.
À distância, Elisa se derrete ao falar da relação da mãe e da filha:
Valentina vai levar muito carinho dessa experiência. Mas para o amor não tem excesso. Ela terá muitas lembranças boas.
Experiência benéfica
Fortemente afetados pela pandemia, muitos idosos se viram obrigados a se afastar dos familiares e dos amigos para evitar contaminação. Atividades habituais, como academia, encontros em clubes e carteado, também foram suspensas, prejudicando ainda mais a saúde mental desse grupo, que passou a sofrer mais de depressão e perda de memória.
— Há um ano, as restrições eram impositivas para garantir que idosos não se contaminassem. Mas tudo mudou com a chegada da vacina. Hoje, com os imunizantes e mais conhecimento da doença, vemos que essa relação dos idosos com os netos, sobretudo os pequenos, é saudável, mesmo para idosos com perfil de fragilidade — diz Maria Cristina Cachapuz Berleze, chefe do Serviço de Geriatria do Hospital São Lucas da PUCRS.
Portanto, retomar os laços perdidos em 2020 é fundamental para garantir a qualidade de vida dos mais velhos. É por essa razão que especialistas defendem as experiências vividas pelos Lewandowski e pelos Lengler, que acabam por beneficiar todas as partes envolvidas.
Essa relação é uma experiência única. Os avós dizem que renasceram quando tiveram contato com os netos. Ser avô é praticamente ganhar uma herança em vida sem sofrer as dores do parto
MARIA CRISTINA CACHAPUZ BERLEZE
Chefe do Serviço de Geriatria do Hospital São Lucas
Mais do que ter companhia, a psicóloga Simone Bracht Burmeister, mestre em gerontologia biomédica, explica que a convivência com os netos traz aos avôs a possibilidade de reviver os bons momentos e sentimentos vividos no passado, com seus filhos:
— É uma relação muito especial e ainda recheada com mais afeto e menos limite, pois os avós não têm obrigação de educar.
Maria Cristina complementa:
— Essa relação é uma experiência única. Os avós dizem que renasceram quando tiveram contato com os netos. Ser avô é praticamente ganhar uma herança em vida sem sofrer as dores do parto.
Especialmente para crianças pequenas, enfatiza Simone, os avós trazem o aprendizado de outro espaço e outras pessoas. Ela explica que, ao saírem do núcleo pai e mãe, os pequenos começam a entender que podem ter vivências em outros ambientes e com outros indivíduos e, no final de tudo, é isso que vai formar as experiências desse ser.
Fora isso, essa convivência entre gerações propicia experiências ímpares: os mais velhos aprendem a lidar com as novas tecnologias, e os pequenos são beneficiados pela riqueza das histórias de uma época que não existe mais.
— Isso vai desenvolver pessoas melhores no futuro. Como mundo, a gente está envelhecendo e o jovem não tem paciência com o idoso, mas esses netos, provavelmente serão adultos com mais empatia — observa a psicóloga Simone.