Existe um dito popular, expresso de várias maneiras, mas a essência é esta: se você mimou seus filhos, vai ter que educar seus netos; se você educou seus filhos, poderá mimar seus netos. Ditado sábio, embora deixe de lado as nuances, que são inúmeras, entre educar e mimar, e amar e mimar.
Mas ele também abre o flanco para a ideia comum de que quando a coisa é bem feita, ou seja, os pais cumprem a função de educar, os avós “deseducariam”. Com os avós pode-se uma série de coisas que em casa seria proibido. Isso é mais mito do que realidade, e quando acontece, é mais sobre um comportamento lateral do que estrutural. Pode haver contrabando de guloseimas, exagero nos presentes, mas não significa que se vá deixar os netos sem fazer os temas ou tomar banho.
O mito sobre a “deseducação” por parte dos avós esconde outra coisa: o medo que os pais têm desse encontro de gerações. Os que agora são pais em exercício tentam impedir a aliança que os filhos e seus avós podem eventualmente criar contra eles. Duas pontas da vida, uma que chega, outra que se encaminha para o fim, contra aquela que está no poder.
Todos sabemos que, para o bem e para o mal, famílias nucleares são pequenos reinos, onde filhos podem ser até tratados como príncipes e princesas, enquanto seus progenitores dificilmente abrirão mão do reinado. Os pequenos ainda estão fora das engrenagens do mundo, seus pais as dominam e os avós se despedem. Isso vale para o dinheiro, para o sexo, para o vigor.
Ora, os avós têm seus truques: eles detêm os segredos da fragilidade dos filhos. Quando estes eram menores e medrosos, os xixis na cama, as birras alimentares, as decepções escolares. Essas informações são educativas e necessárias, ajudam as crianças a admitir as próprias falhas, visto que até seus heróis as tinham. Os agora todo-poderosos um dia foram frágeis e inseguros, como eles ainda são. Esse é o tráfico mais temido, não de iguarias, mas de memórias: netos e avós fofocando e comentando sobre quem está no comando, para criar segredos e cumplicidades, que à socapa esvaziam e relativizam os poderes parentais.
Uma das desgraças da pandemia é a separação dos avós de seus netos e, portanto, desse tempero educativo, dessa necessária oposição velada à ditadura do “correto” do saber dos pais. Tomara que tudo volte ao normal, para que os saudáveis motins intergeracionais possam retomar.