Vou repetir os argumentos que tive com um paciente desolado com o racismo recente de seu pai, que está em processo de demência. No seu raciocínio: a demência deixou seu pai sem freios morais e surgiu a sua essência racista, que estava escondida.
A lógica que ele aplicou é freudiana, em um deslize, aparece uma verdade oculta. Esse raciocínio é válido, mas não quando se trata de demências. Nesse caso, o racismo que apareceu é o da educação infantil que o sujeito recebeu. Logo, é o racismo de seus pais.
No processo de crescimento pessoal, um sujeito que recebeu educação racista pode mudar de ideia. Se dá conta do preconceito paterno e escolhe ser diferente. Se bem-sucedido, vai ter uma vida onde o seu preconceito herdado foi domado.
O cérebro funciona assim: quando algo é apreendido, nunca mais é removido. O que acontece é que um segundo passo anula o primeiro e faz valer sua lógica. Nesses casos, quando o racismo surge ele é anulado, pois não é possível retirar para sempre os preconceitos da primeira infância. O importante é que a performance da vida passa a ser não racista.
O cérebro funciona em camadas. A última a ficar pronta é o lobo frontal, ao redor dos 24 anos. Esta parte do cérebro é o depósito das nossas escolhas, da educação consciente, do refinamento da sensibilidade, da moralidade que desenvolvemos. Em alguns casos de demência, talvez a mais triste delas, acontece a degeneração dessa parte do cérebro. O sujeito vai perdendo o que ele escolheu ser e é devolvido à educação que recebeu passivamente dos pais. Em alguns casos nem isso, torna-se um cérebro infantil em um corpo adulto.
Para não causar mal-entendidos, temos um princípio básico: toda manifestação racista deve ser combatida. Não é porque a compreendemos que a toleraremos. Um sujeito racista por demência deve ser tratado como um racista qualquer. Se lhe falta a operação psíquica para viver em sociedade, isso deve ser-lhe avisado a cada ocasião, junto com as penalidades de tal falta.
O que é importante, em casos como este, é que o sujeito demenciado seja lembrado pelo que ele conseguiu ser de melhor. A doença degenerativa não diz dele, e sim do limite moral de seus pais.