Carmen Ambrozio, 65 anos, sente-se ansiosa, fica apreensiva, pensa muito nos cinco netos. Como milhões de idosos, está confinada, à espera do dia em que vai poder sair de casa outra vez. Faz quase um mês que se isolou com o marido, o empresário Rogério Ambrozio, 64 anos. Os dois passam o dia sozinhos na residência, em Canoas. Ela distrai o tédio com atividades domésticas (a empregada foi dispensada), leituras, crochê, trocas de mensagens no celular e conversas com o companheiro.
— São 42 anos de casados. Um completa o outro. A conversa ajuda a passar o tempo. Mas está difícil — admite a idosa.
O que mais faz falta, e nisso Carmen não tem originalidade nenhuma, é o contato com os netos. Ela anseia por chegar perto e tocar nas crianças. São a fraqueza dela, mas também a força.
As filhas se revezam nas idas diárias ao condomínio do casal de idosos para entregar compras de supermercado e de farmácia. Nessas ocasiões, levam as crianças junto. Os pequenos não desembarcam do carro, mas Carmen e Rogério podem vê-los e conversar de uma distância segura.
A advogada Karina Ambrozio, 39 anos, filha do casal, conta que as visitas envolvem um ritual de higiene bem azeitado. Ela estaciona bem na frente da casa dos pais, deixa as sacolas diante da porta, toca na campainha e se afasta. Então eles emergem de dentro do lar, limpam imediatamente a campainha com um pano embebido em álcool gel e recolhem os suprimentos. Depois voltam até a varanda para falar com os netos João Guilherme, 10 anos, e Pedro Guilherme, um ano e meio. Falam a pelo menos um metro e meio de distância, pela janela do automóvel. Carmen afirma que essas visitas são de suma importância para suportar as agruras do encarceramento.
— Ver os netos, ainda que pela janela do carro, ajuda bastante. É um momento que alivia a alma. A alma e o coração. Me dá muita força — explica.
Carmen tem diabetes, e Rogério é asmático. Essas condições deixam Karina em sobressalto, especialmente atenta à necessidade de eles manterem o distanciamento. A festa de aniversário do pai, em 17 de março, com salão já reservado, foi cancelada em nome da saúde. A filha, que mora em Porto Alegre, considera essencial levar os filhos até os avós com frequência.
— Não sabemos o que vai acontecer. Os idosos estão inseguros. É um momento de dar atenção aos avós. Às vezes vamos até lá só para dar oi — diz Karina.
Distância dos netos é a principal reclamação
Os dramas e as válvulas de escape do distanciamento forçado da população de terceira idade se repetem em muitos lares do Rio Grande do Sul, Estado com maior proporção de pessoas com 60 anos ou mais: eles representam 18,77% dos gaúchos, quase um em cada cinco. Em Porto Alegre, o advogado José Ernesto Flesch Chaves, 77 anos, e Maria Elizabeth Petersen Chaves, 74 anos, também não saem mais de casa e se limitam a ver os netos na calçada da frente, separados por uma grade. Com uma trena em mãos, o idoso marca os dois metros de distanciamento mínimo entre ele e as crianças.
A última saída do casal foi em 19 de março, para uma missa reservada. Era dia de São José, o padroeiro de José Ernesto, e ele fez questão de participar. Desde então, as missas são pela TV, todos os dias. No resto do tempo, ele trabalha no computador, realiza tarefas domésticas e faz listas de compras, que depois os filhos depositam junto ao portão. Sente falta das caminhadas diárias de uma hora (que substituiu por passeios no pátio, mas não é a mesma coisa), dos bate-papos com os amigos (que viraram amigos virtuais, o que também não é a mesma coisa) e, claro, dos netos.
— A maior perda é a convivência com os netos. A gente realmente sente falta — desabafa José Ernesto.
No dia 27, ele e Maria Elizabeth cantaram os parabéns para o neto Felipe, que completava oito anos naquele dia, por uma chamada de vídeo, participando de um link que envolveu parentes em seis diferentes smartphones. Mãe de Felipe, a advogada Mariana Chaves, 40 anos, faz questão de levar os filhos (ela tem também Dora, de dois anos e meio) até a calçada diante da casa dos pais para o contato possível.
— Estou fazendo isso uma vez por semana. Minha irmã também. Eles ficam no jardim da casa, nós do lado de fora, e então conversamos um pouco. Minha filha pequena não entende muito, mas enxerga os avós. Pelo celular não é a mesma emoção — observa.