Idosos ativos, que não param em casa e têm a agenda lotada de atividades, são a regra neste século 21. Deparar com a própria vulnerabilidade e ter de se encerrar nos limites estreitos de um apartamento acaba sendo um baque especialmente forte para esses jovens velhinhos.
— Está horrível. Eu já subi pelas paredes, pelo teto, já fiz de tudo! — diz Marlize Lewis, 71 anos, moradora da Capital.
Marlize, que coordena o grupo de terceira idade Plenitude, da Sogipa, é um exemplo desses idosos que vivem a mil. Mas ela também teve um câncer de estômago e sofre de insuficiência renal e deficiência de cálcio. Então não sai de casa desde o começo de março.
Da porta para fora, só desce até a garagem do prédio, usando luvas, para buscar os mantimentos que o genro e os netos deixam lá. Na volta, tira o chinelo, escova-o e o expõe ao sol, para esterilizar. Descarta a luva na lixeira e limpa as mãos com álcool gel. Como é que Marlize faz para suportar a agrura do confinamento?
— Arrumo coisas para fazer. Parada, não dá. Não consigo — explica.
Uma dessas coisas é costurar máscaras de proteção. No meio da semana, ela já havia confeccionado mais de 60, entregues a uma das duas filhas farmacêuticas para distribuição na drogaria onde atua. E tem muito mais, para não deixar o tédio vencer. Marlize prepara receitas, arruma a casa, organiza fotos antigas, lê, telefona, participa de aulas de ginástica por vídeo, bate papo. Ela mora com um sobrinha, Neide Alano, 65 anos.
— A gente conversa, ri e brinca — conta.
Uma ferida especialmente dolorosa é estar distante de Mateus, 22 anos, um dos netos. Originário de Campo Bom, o jovem morava com a avó durante a semana, por oito anos, por causa dos estudos, voltando para casa nos fins de semana. Está difícil ficar sem essa companhia.
— Sinto muita falta dele. Ele é um amor. Enquanto fazia o jantar, ele tocava piano para mim. Para uma avó, está sendo muito complicado. Mas vai passar — consola-se Marlize.
A arquiteta aposentada Josane Gauer, 63 anos, mora sozinha e está em distanciamento social desde 18 de março, mas só fisicamente. Com ajuda da tecnologia, continua envolvida em numerosas atividades. Ela ministra oficinas de criatividade na Academia de Lazer da Terceira Idade Viva Club e, neste período de recolhimento forçado, transferiu as aulas presenciais para a internet. Na sessão mais recente, propôs o seguinte exercício: imaginar que é possível voltar às ruas amanhã mesmo. A partir daí, os participantes tinham de pensar onde iriam e como estariam vestidos. Além de escreverem textos, eles vasculharam o guarda-roupa, escolheram os trajes para sair e se fotografaram vestidos para a ocasião. Depois, textos e fotos foram compartilhados com o grupo.
Josane também organiza as idas de um grupo de 70 idosos a espetáculos teatrais ou a exibições e filmes no cinema. Sem possibilidade de manter essas saídas, está indicando filmes e séries disponíveis no streaming para todos assistirem durante o período de distanciamento social. Depois, o debate ocorre por WhatsApp. Está garantido o assunto para várias horas.
— Está bem chato ficar em casa, a gente sente falta de falar e de manter contato. Mas, dessa forma, continuamos próximos, o que é legal — observa.
Saídas são somente para fazer compras
Josane sai de casa apenas uma vez por semana, de máscara, para fazer compras em um armazém próximo. Na volta, deixa o calçado do lado de fora do apartamento e segue direto para o banho. Com exceção dessas rápidas saídas, fica no apartamento sozinha. Ressente-se, claro, do contato com os sobrinhos-netos, gêmeos de cinco anos de idade que ela costumava cuidar algumas vezes por semana, e do afilhado de um ano e oito meses, Caetano.
— Nossa, como faz falta! Mas o meu afilhado vem com o pai na calçada e grita: "Dinda, dinda". Eu desço e falamos de longe, pelo portão. É um período bem solitário. Não sou de me sentir sozinha, mas dá saudade — reconhece.
O pai de Caetano, Rafael Soares, é o proprietário do Viva Club. Ele afirma que, neste momento de distanciamento, o trabalho está especialmente intenso porque os idosos estão empenhados em ocupar o tempo. Além de oferecer várias atividades por vídeo, via Facebook (aulas de ginástica funcional, pilates, alongamento, artesanato etc.), Rafael precisa prestar orientação tecnológica para os velhinhos poderem participar:
— A maioria dos idosos está participando de todas as atividades que oferecemos. São uns 50 a 60 por aula. Estou me virando, trabalhando 24 horas, para criar uma programação, manter um link direto, criar maneiras que tornem o acesso fácil. Muitos não dominam as ferramentas digitais, perguntam onde tem de clicar. Mas depois de dois ou três dias, já dominam.