— Sou de alto risco: 88 anos, ex-fumante e cinco pneumonias. Sou uma bomba-relógio — define a aposentada Marta Andrade Pinheiro, moradora de Santana do Livramento.
Nesta segunda-feira (16), Marta deveria ter apanhado um ônibus para percorrer os quase 500 quilômetros até Porto Alegre, para comparecer na quinta-feira (19) à formatura de um neto por afinidade, que se criou na casa dela. Por causa do coronavírus, abortou o plano. Não estará presente.
Os idosos são o grupo mais vulnerável diante do novo vírus, respondendo por casos mais graves e por um índice elevado de mortalidade.
— Sei que é perigosíssimo — reconhece a aposentada.
Como está acontecendo em muitos lares gaúchos, Marta foi aconselhada a mudar de hábitos por integrantes mais novos da família. Um dos cinco netos, o médico João Pedro Pinheiro Hoefel, morador de Porto Alegre, recomendou que ela mantivesse resguardo.
— Ela é nossa grande preocupação. Ficamos com medo de ela entrar em um ônibus, um lugar de contaminação, para uma viagem longa. Além disso, havia a festa de formatura. Eu e minha esposa somos médicos e temos contato com possíveis infectados. Achamos por bem minha avó se resguardar. Ela é uma pessoal bastante social e não gostou, mas entendeu que é grupo de risco — diz Hoefel.
O neto também aconselhou que Marta procure ficar em casa, que evite aglomerações, que seja cautelosa com as sessões de carteado e que pare de tomar chimarrão com as amigas — providências para diminuir as chances de contato com o coronavírus. Todos os dias, antes do almoço, a idosa recebe amigas para uma roda de mate. A partir da orientação do neto, aceitou interromper o hábito.
— Vou cortar a roda de chimarrão a partir de hoje (segunda-feira). Ou talvez eu compre várias cuias pequenas no Uruguai. Mas não posso me isolar de tudo, ficar trancada vendo TV e Netflix o dia inteiro, ou vou morrer de tristeza. Sei tudo o que eu tenho de fazer, mas como não tem nenhum caso confirmado aqui na cidade, ainda não preciso fazer nada de drástico — comenta.
Marta já decidiu que não sairá de Santana do Livramento até o fim da pandemia — o que coloca em risco a tradição de passar o inverno com um filho que mora do Rio de Janeiro. Também está conformada com a ideia de não encontrar os netos e bisnetos por algum tempo. O contato com os parentes vai se dar, por enquanto, por telefone e WhatsApp. Ela mora sozinha e continua a fazer as próprias compras, mas não fez nenhum estoque.
— O Dr. Drauzio (Varella) disse para não estocar. Mas hoje vou dar uma chegadinha no supermercado. Conversei com duas amigas que estão apavoradas e comecei a ficar mais assustada — onta.
O presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI), Alexandre Vargas Schwarzbold, ressalta que os idosos, como tendem a evoluir para casos mais graves da covid-19, devem tomar atitudes de resguardo e buscar o apoio de parentes mais jovens para realizar tarefas que podem colocá-los em risco. No caso gaúcho, diz ele, recolher-se e evitar aglomerações torna-se ainda mais importante, por causa da chegada do frio.
— Isso vale para clubes, para grupos de idosos, para repartições públicas e também para igrejas. Os cultos religiosos juntam muita gente e devem ser evitados. Este é um momento especial — diz Schwarzbold.
O presidente da SRGI observa que evitar meios de transporte, como fez Marta, é uma boa medida. Não sendo possível abrir mão do deslocamento, é importante tomar precauções. E se estiver ao alcance, é indicado trocar o ônibus por um táxi ou carro de aplicativo.
— Se não houver alternativa, é melhor evitar o transporte público nos horário de pico. Se possível, o idoso deve levar álcool gel e higienizar as mãos ao embarcar e depois de desembarcar. Foi o que orientei minha mãe a fazer — conta Schwarzbold.
Marta, a aposentada de Livramento, diz estar pronta para o desafio do coronavírus.
— Tenho certeza de que vou sair dessa. Já estou preparando minha festa de 90 anos — desafia.
Diretora do Departamento de Ações em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde, Ana Costa pede que os idosos procurem as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) de seus municípios a partir de 23 de março para se vacinarem contra a gripe.
— A vacina protege contra H1N1, H3N2 e influenza B, três doenças que também causam problemas respiratórios. Com os idosos vacinados, fica mais fácil fazer o diagnóstico correto para coronavírus, caso apresentem sintomas — recomenda Ana, reforçando o pedido de evitar aglomerações.
Os mandamentos do idoso
- A reclusão social é a medida mais importante. Recomenda-se que os idosos evitem locais com aglomeração de pessoas. O ideal é que fiquem em casa.
- Os ambientes domésticos devem ser mantidos limpos e arejados.
- Crianças infectadas pelo coronavírus quase sempre tem boa evolução, mas são grandes transmissoras do vírus. Neste momento, é importante evitar que mantenham proximidade com o avós. As visitas podem ser substituídas por conversar por meios digitais.
- Não é prudente para idosos comparecer a aniversários, festas de casamento e outras celebrações do tipo. As famílias devem considerar a suspensão desses eventos. A ida à igreja também é desaconselhável.
- Locais como repartições públicas e estabelecimentos comerciais movimentados não são adequados para pessoas mais velhas. A recomendação é que algum familiar ou amigo resolva as questões burocráticas e faça as compras para o idoso.
- Os idosos devem evitar a ida a hospitais, onde podem ser infectados. Só devem fazê-lo se estiverem com sintomas agudos. O indicado é buscar uma unidade básica de saúde ou um médico particular. Se não houver nenhum sintoma, melhor adiar consultas marcadas.
- Se o idoso precisar sair de casa, é recomendável evitar o transporte público. Se tiver de usar algum meio de transporte, é melhor trocar o ônibus por um táxi ou carro de aplicativo. Se tiver de ir de ônibus, a indicação é escolher um horário de menor movimento. Antes de embarcar e ao desembarcar, a higienização com álcool gel deve ser feita.
- Os idosos precisam se vacinar contra a gripe, mas a ida a um hospital ou posto de saúde em momento inadequado pode trazer risco. As unidades têm de gerenciar esse risco, e os idosos devem estar atentos as recomendações sobre quando comparecer e o que fazer.
- No contato com os membros mais velhos da família, os parentes deve manter certa distância física e seguir à risca as regras de higiene.
- No caso de idosos que têm cuidadores, é recomendável que esses profissionais usem máscara, porque cuidam de outros idosos e transitam por instituições de saúde.
Fontes: Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI)