O Bernardo chama as avós dele de “vovó”. Não vó: vovó. Gosto disso, acho carinhoso. E ele, de fato, ama as suas avós. Mas agora, obviamente, não está podendo vê-las, a não ser por ligações de vídeo de celular.
Mas deu-se que, outro dia, uma de suas avós, a Ana, mãe da Marcinha, teve de passar na nossa casa. Não havia contorno, foi uma contingência, ela precisava vir. Então, reforçamos as providências de segurança sanitária, álcool gel por toda parte e luvas e veemente recomendação de manutenção de distância física.
Aí ela chegou e o Bernardo foi abrir a porta. Eu estava sentado no sofá da sala, observando a cena. O Bernardo abriu a porta e ficou com a mão direita segurando a maçaneta. Ela se manteve do lado de fora, a um passo do batente. Os olhares dos dois se encontraram e eles sorriram de alegria.
– Vovó... – suspirou o Bernardo, tirando a mão da maçaneta e levando-a ao peito.
– Ah... – ela gemeu, levando a mão ao peito também.
E eles ficaram ali, se olhando, sorrindo dois dos maiores sorrisos que iluminaram aquele dia de Porto Alegre. O Bernardo respirou fundo, prendeu o ar e meio que projetou os ombros para frente, como se quisesse abraçá-la. Queria mesmo, mas sabia que não podia.
Ela chegou a colocar um pé adiante, chegou a fazer um começo de movimento com as mãos espalmadas em direção a ele, mas se conteve também. Continuaram assim por algum tempo, quase que sapateando um diante do outro, com vontade de se abraçar e de se beijar e de se sentir, sem conseguir nem falar, apenas sorrindo e sorrindo, com o peito numa explosão de afeto. Foi bonito de ver. E um pouco triste. Uma avó e um neto, e o mal invisível entre eles. Até quando viveremos o tormento de nem podermos nos tocar?
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A propósito, tenho uma leitora cega, e isso não é uma contradição, porque alguém sempre lê minhas crônicas para ela. Chama-se Fátima Martinato, e é avó do Pedro. Nesta Sexta-Feira Santa, dona Fátima me enviou um e-mail contando o seguinte:
“Como todos os vovôs, ficarei em casa na Páscoa, com o agravante de estar completando 66 anos na próxima quinta-feira. Para meu neto Pedro, que recém fez seis anos, a Páscoa é também a comemoração do aniversário da vovó. No início da semana, ele ligou para contar que a decoração que faria neste ano seria de aviões de papel que ele mesmo construiria (nos últimos três anos ele é quem faz a decoração da festa de Páscoa e do meu aniversário). E agora? O que fazer? Como explicar para ele que não poderemos estar juntos? Como aplacar a dor no coração?”
Dona Fátima resolveu o problema criando um personagem chamado Vovô Coelho, um coelho de Páscoa que tem de ficar em casa por ser velhinho. O Vovô Coelho mandou uma mensagem para o Pedro explicando a situação e prometendo-lhe um grande ovo de chocolate na Páscoa. O menino gostou de ter sido procurado por um coelho autêntico e ligou para dona Fátima a fim de contar a experiência.
“Ele não parecia nem um pouco triste no telefonema”, relatou ela no e-mail. “Meu coração ficou um pouco mais leve. Apesar de nunca tê-lo visto, porque já era cega quando ele nasceu, tentei imaginar sua carinha e pude ver seus olhos curiosos e um sorriso maroto no canto de sua boca”.
Quando tudo isso acabar, dona Fátima vai continuar sem poder ver o Pedro. Mas vai abraçá-lo, vai beijá-lo, vai mimá-lo, como tem de ser com os netos, como tem de ser com as vovós.