Se a tradição da Páscoa é pegar a estrada para se reunir com irmãos, primos e tios, este ano será diferente. Em meio à pandemia do coronavírus, famílias do Brasil inteiro passarão esta data em casa, em isolamento social – prática defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde (MS) como estratégia no combate e contra a disseminação da doença. E os pais de crianças, que já se encontram fora das atividades escolares desde março, precisam abusar da criatividade para lidar com a euforia que a chegada do coelhinho causa nos pequenos.
— Na minha infância, a Páscoa era sinônimo de reunião. Tios e primos ficavam juntos no sítio da família. Fazíamos caça aos ninhos, era muito divertido. E tento criar essa memória afetiva boa nos meus filhos mesmo dentro desta situação adversa que vivemos agora — afirma a cirurgiã-dentista Andréia Marcolino, 37 anos, mãe de Antônio Marcolino, cinco anos, e de Inácio Marcolino, três anos.
Para tentar dissipar a energia da duplinha e fazer com que essa Páscoa seja vivida como as anteriores – com a exceção da viagem para encontrar primos e tios –, Andréia e o marido, Rodrigo Marcolino, 37 anos, repetiram um ritual de pelo menos três anos. Levaram para o pátio de casa uma mesinha, algumas cadeiras, tintas, pincéis e colocaram a mão na massa para fazer a já tradicional pintura em cascas de ovo. Uma manhã e algumas peças de roupa sujas depois, foram produzidas mais de uma dúzia de itens pelas mãos ágeis da família Marcolino.
A lambança feita pelos meninos nunca é problema para a cirurgiã-dentista.
— A roupa é colocada para lavar e está tudo resolvido. O importante é criar uma lembrança positiva para eles e de normalidade dentro do que é possível ser feito. Não quero que eles se lembrem, no futuro, deste período como o ano em que ficaram em isolamento em casa, mas também como mais uma Páscoa em que ficamos juntos, unidos, realizando as atividades que sempre fazemos — diz Andréia, que ainda fará, na calada da noite anterior à data, as pegadas do coelhinho e recheará os ovos com amendoim doce e uva-passa, as guloseimas preferidas dos garotos.
A psicóloga Pâmela Dutra explica que os pequenos sentem a angústia e vivem a incerteza de quanto tempo ficarão em isolamento ou sem ir à escola:
— Por isso, propor atividades que elas possam participar -como confecção de ovos, de ninhos e caça ao tesouro da Páscoa - são importantes, porque ajudam a manter a saúde emocional das crianças e também estabelecem rotina. Afinal, seriam essas as atividades que seriam propostas nas escolas para este período do ano. E a manutenção da rotina carrega consigo o senso de responsabilidade, organização, autonomia e diminuição do estresse.
De geração em geração
Desde os quatro anos, quando ainda morava em Santa Maria, na Região Central do Estado, Rafaela Zanella tem a lembrança de sentar ao lado da irmã e da mãe ao redor de uma mesa e aprender as técnicas de pintura em ovos com o padrinho Olavo Bortolotto. Ali ficavam horas concentradas nessa tradição que, hoje, aos 33 anos, a médica e moradora de Porto Alegre passa para suas filhas Isabella Valente, quatro anos, e Helena Valente, um ano.
— As meninas são pequenas ainda, mas o que a Isabella amou fazer foi decorar os ovos já pintados por mim com glitter e lantejoulas, por exemplo. É uma prática boa, ficamos unidas, ela se diverte e eu também, porque adoro fazer esse tipo de decoração — revela a médica, destacando ainda que o segredo para pintar a casquinha de ovo é quebrá-la devagarinho, bem na ponta, e que o furo tem que ser grande o suficiente para caber o dedo indicador, o que facilita na pintura posteriormente.
Além do trabalho artesanal feito por mãe e filhas, Rafaela faz outras brincadeiras com as pequenas:
— Peço para elas deixarem um pedacinho de cenoura ou alface na porta de casa para o coelhinho. Assim que elas vão para a cama, eu retiro o alimento de lá e, antes de elas acordarem, eu deixo na porta amendoim doce ou espalho um pouco de algodão para dizer que ele passou ali. É necessário incentivar essa parte lúdica e o espírito da época. E elas ficam animadas em ver essa interação com o personagem.
Uma cartinha e um pedido
Acostumada a viajar com a família da Capital em direção à Santa Cruz do Sul, no Vale do Taquari, Lavínia Albuquerque, sete anos, se mostrou preocupada com o ano atípico, em como isso afetaria os festejos de Páscoa, a tão esperada união entre primos e tios e a famosa caça aos ovos no pátio da casa dos avós. A aflição e o desejo pela manutenção dos tradicionais ritos impulsionaram a pequena a externalizar esse misto de sentimentos em palavras.
Com a ajuda da irmã mais velha, Bibiana Albuquerque, 11 anos, Lavínia escreveu uma cartinha endereçada ao animalzinho de olhos vermelhos e pelo branquinho. Em letras de forma e com alguns tropeços na língua portuguesa – típico de quem está em processo de alfabetização –, ela escreveu: “Coelhinho, eu quero que tenha uma caça aos ovos, porque eu me comportei muito este ano”.
O pedido da filha comoveu a fisioterapeuta Patricia Filter, 42 anos:
— Para nós, Páscoa era sinônimo de reunião de pessoas, de viajar. Isso foi rompido com o coronavírus. Mas conversei com o coelhinho e no dia seguinte à escrita da carta, uns ovinhos de chocolate apareceram na porta de casa para as duas. Esse é um momento delicado, mas está aproximando a Lavínia e a Bibiana. Além disso, estamos fazendo mais atividades artesanais em função da quarentena. Isso tem sido bom para a nossa relação como família. Acredito que, apesar de tudo, esse momento será lembrado por elas, no futuro, como a fase em que elas se aproximaram e aprenderam uma com a outra.
Munidas de cola, tesoura, caixas de leite, papéis coloridos e canetinhas, as três confeccionaram cestinhos, locais onde serão colocadas as surpresas da Páscoa. A caça aos ovos, este ano, será diferente: o pátio da casa dos avós dará lugar à casa onde elas moram, conta Patricia.
— O importante é não deixar de comemorar, porque elas sentem falta. Elas gostam da diversão que é se preparar para a chegada deste instante. Vai ser em um novo formato, será adaptado, faremos chamada de vídeo com as pessoas, mas não deixará de ser celebrada a nossa união e o nosso amor — diz a fisioterapeuta.
Resgate de tradições
Mergulhada em um mar de lego e dividindo a atenção entre as perguntas da reportagem e os pedidos do filho Vicente Lupato, dois anos, a jornalista Caren Souza, 40, relembra que esta era sua festividade preferida na infância. Os preparativos - que iam desde o cuidado da mãe na hora de quebrar somente a parte de baixo do ovo para, posteriormente, poder ser utilizado para pintura até a confecção dos ninhos em caixas de sapato - eram o auge do ano.
— Minha família fazia tudo com antecedência. Era tudo muito simples, mas especial. Guardo um carinho muito grande por esta época. Como não tenho como sair de casa para comprar os itens de decoração, decidi resgatar este espírito da minha Páscoa da infância e somar às atividades que o Vicente já desenvolveria na escolinha — conta Caren.
Um pote de sorvete serviu como base para o ninho. Retalhos velhos de tecido – há tempos guardados em casa – serão usados para forrar esta pequena estrutura. Com a ajuda da vizinha, pegou emprestado alguns lápis e canetas de colorir. O serviço entre ela e o pequeno já está divido, revela a jornalista:
— Vou ficar responsável por montar a estrutura e fazer as cenouras de pano que serão coladas na parte externa. Já Vicente vai colorir os ovos que vou desenhar para ele e que também serão colados na parte de fora do ninho. Com a quarentena, percebi que ele gosta bastante de mexer com as mãos, de sentir a textura dos materiais. Por isso, vamos fazer uns biscoitos amanteigados. Assim, ele poderá tocar na manteiga, na farinha e na massa. Ele vai aproveitar bastante — conta animada.
Aprenda a fazer um cestinho de Páscoa com material reciclável
- Separe a caixa de leite e, utilizando uma tesoura, corte ao meio.
- Lave bem com água e detergente e seque.
- Corte uma tira de papel colorido ou EVA suficientemente grande para cobrir as laterais da caixa de leite.
- Use cola pra fixar e corte as sobras de papel.
- Para fazer a alça da cesta de Páscoa, recorte uma tira de papel EVA.
- Fixe cada uma das extremidades da tira na caixa de leite com cola.
- Cole o molde ou desenhe o rosto de um coelhinho no papel EVA e recorte.
- Com canetinha, faça o contorno do coelho e pinte seus olhos e a boca.
- Por fim, cole o coelhinho na parte da frente da caixa de leite.