O coronavírus tem mudado rotinas e transformado tradições e celebrações familiares. Primeiro feriado religioso que chega após o início da pandemia e, especialmente, das medidas de isolamento social recomendadas por órgãos de saúde e governos, a Páscoa será um desafio a mais para famílias que costumam se reunir para celebrar a ressurreição de Cristo, tanto nos almoços da Sexta-Feira Santa quanto no domingo. Com a proibição de aglomerações para tentar frear a contaminação pela covid-19, filhos, netos, pais e avós terão de buscar alternativas para comemorar a data.
Caroline Ledermann, 30 anos, é judia e pela primeira vez não passará o momento com seus pais, avós, primos e tios. A festa dos judeus, embora tenha significado diferente em relação à celebração católica, é tão tradicional quanto e mantém ritos peculiares. E a família de Caroline soube contornar a adversidade, conta a advogada:
— O pessach (celebração judaica da libertação do povo de Israel da escravidão no Egito) começa nesta quarta (ontem). A gente sempre se reúne na casa da minha avó, ela providencia tudo, fazemos as rezas desta festa específica. Normalmente, umas 10 pessoas. Esse ano, vai ser diferente. Minha vó fez as comidas típicas para algo que eu chamei de "kit pessach". Minha mãe deixou aqui, vai deixar na minha irmã. A ideia é que cada um faça sua celebração em sua casa, vamos fazer uma chamada de vídeo para nos cumprimentarmos. Vai ser algo bem diferente.
Por mais que a festa religiosa deste ano tenha de ser inusitada e isso cause certa frustração a muitas pessoas, a recomendação das entidades médicas é para que o isolamento continue.
— As pessoas devem programar uma Páscoa diferente, independentemente de ser idoso ou não. A medida de isolamento deve ser mantida e seguida nessas festas. Essa é a orientação. Evitar aglomerações é um dos pontos a serem respeitados — orienta Alexandre Zavascki, professor de infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O especialista lembra que muitos casos são de pessoas assintomáticas, ou seja, que não sabem que estão contaminadas. Caso saiam de casa e visitem alguém em um almoço de Páscoa, por exemplo, podem transmitir a doença a familiares.
— Estamos passando por um momento delicado quanto à saúde das pessoas, considerando a presença de uma doença de transmissão respiratória e de alta transmissibilidade. Passamos por um momento sem precedentes na história recente da humanidade e devemos ser solidários a ações que visam à proteção de todos — ressalta André Luiz Machado, infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
Um hábito comum a muitas famílias na Páscoa é viajar ao litoral gaúcho. Tradicionalmente, milhares de carros cruzam as estradas, e outras milhares de pessoas embarcam em ônibus para cidades do Interior. A recomendação dos médicos, no entanto, é para que as pessoas fiquem em casa e não viajem.
— Precisamos restringir os deslocamentos e, consequentemente, a circulação do vírus, mesmo em momentos em que, costumeiramente, viajávamos e visitávamos pessoas — complementa o médico do Hospital Conceição.
Em razão da pandemia e da consequente diminuição da movimentação nas rodovias federais, a Polícia Rodoviária Federal informou que não realizará a já tradicional Operação Semana Santa. Apesar disso, policiais rodoviários federais também reforçarão junto à população a ideia da campanha de conscientização lançada pela instituição nesta semana, intitulada “se puder, fiquem casa, mas se tiver que sair respeite as leis de trânsito”.
Mesmo longe, perto
Apesar da situação atípica, existem formas de amenizar a distância e preencher a casa em celebrações como essas. É o que diz Juliana Potter, especialista em terapia de casais e família.
— Em um momento como esse, não adianta ficarmos rígidos em padrões antigos, precisamos trabalhar com o que temos. Deve-se usar e abusar de recursos que aproximem as famílias, como as chamadas de vídeo — sugere.
A psicóloga ainda afirma que existem outras formas de aproximar filhos, netos, pais e avós em um momento de isolamento social. Pode-se estimular que as crianças escrevam cartas, mesmo que não as enviem, ou então combinar entre toda a família para que façam o mesmo prato, para que, assim, todos compartilhem do mesmo ritual.
— É necessário acharmos as melhores maneiras de fazer essa conexão ser a melhor possível. Todas essas coisas confortam de alguma maneira, sejam crianças ou adultos. O isolamento é um cuidado — complementa.
Na Europa
Em Portugal, onde a tradição de Páscoa também é muito forte, o governo, por meio do primeiro-ministro Antonio Costa, proibiu qualquer tipo de deslocamento de pessoas (exceto quem precisa trabalhar) entre 0h do dia 9 de abril e 23h59min do dia 13, período da comemoração pascoalina.
— O esforço que temos feito, que tem resultado em um comportamento exemplar, tem produzido bons resultados. O ritmo de crescimento de novos casos tem diminuído, mas é necessário fazermos mais um esforço e intensificar o controle da pandemia nestes cinco dias, para posteriormente irmos acabando com as restrições — afirmou o primeiro-ministro, reforçando a necessidade das pessoas permanecerem em casa e sem aglomerações, mesmo no feriado.