Débora Laks*
No dia 16 de março, Beatriz chegou em casa e sentiu seus pais diferentes. Ela era pequena, mas suas sensações, acuradas. Viu o medo nos olhos deles, e sua cabecinha infantil não era capaz de decifrar o que havia. A casa se fechou. Ninguém mais vinha lhe ver e eles não saíam para mais nada. Seu mundo parou.
O medo era ensurdecedor. Este tal bichinho poderia fazer mal aos seus pais? Ficaria sozinha? A escola fechou as portas. Não teria mais escola? Não podia descer à pracinha. Mas por quê? Os pais estavam sem palavras. Havia um frio no ar, uma dura sensação de que a esperança havia sido congelada.
A atual conjuntura de enfrentamento ao coronavírus tem sido um grande desafio para todos nós. Não há quem tenha respostas para solucionar a dificuldade e mesmo os adultos estão se vendo pequenos, em muitos momentos. Desta forma, as crianças tendem a deparar com sentimentos difíceis de lidar.
Na infância, é muito comum o aparecimento de medos. A condição do infante de dependência o remete a diversos temores. A assimetria do mundo adulto com o infantil gera impacto, o desconhecimento de muitas situações, a impossibilidade de decidir por si, o medo do desamparo e a necessidade de ser cuidado são aspectos que estão no cerne dos terrores infantis.
A situação que estamos vivenciando ainda exacerba qualquer possibilidade de compreensão que lançamos frente ao apavoramento cotidiano. Muitos estudiosos da psicanálise compreendem situações "sem nome", quando as palavras somem para nomear os sentimentos, como a base dos traumas emocionais. Como então poderíamos auxiliar nossas crianças neste período de crise?
Muito material está circulando na internet para auxiliar pais a conversarem sobre a pandemia com seus filhos. A conversa, ainda que difícil, faz com que os pequenos possam representar o terror em suas mentes. Há de se ter atenção para não sobrecarregá-los. No entanto, como dizia a psicanalista Françoise Dolto, "as crianças suportam a verdade melhor do que os adultos". Não devemos mentir para nossos filhos como forma de proteção, isso causa mais confusão mental. Informações claras e precisas não geram pânico ou a sensação de estarmos sem saída.
A melhor forma de falarmos sobre a situação que estamos vivendo é informar o básico e, então, aguardar as perguntas. Certamente, não poderemos solucionar as questões em um único diálogo. A cada dia que não pudermos retomar a rotina habitual, surgirão novas dúvidas e sentimentos. A possibilidade de acolhimento é sempre a melhor saída!
Para respaldar os filhos, é necessário que os pais estejam com seu emocional em dia. Claro que isso não quer dizer ausência de ansiedade, tristeza ou temor, mas sim capacidade de se ater aos cuidados oficiais e científicos (orientados por OMS e Ministério da Saúde), vivendo um dia de cada vez. O excesso de informações e pensar no incerto certamente agravará os estados de ânimo. Caso esteja muito difícil, há muitos profissionais qualificados dispondo de atendimento solidário. Cuide de si e de sua família! Já é um belo trabalho.
Beatriz, disse mamãe, logo mais poderemos descer e brincar novamente na praça. O mundo está se unindo em busca de uma cura. Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Sejamos fortes!
*Psicóloga