Pais e filhos reunidos em casa por dias a fio podem até lembrar um ambiente de férias familiares. Mas a realidade imposta pelo novo coronavírus, que chegou com o ano letivo em andamento e muitos dos adultos de volta ao trabalho, não tem nada de lúdico. Sem poder sair, as famílias precisam, agora, conciliar as atividades de todos os moradores em um único ambiente. Para que consigam atravessar o período da melhor forma, segundo especialistas, é preciso calma e foco no presente para reinventar a rotina da casa.
— A organização do cérebro se dá de fora para dentro também. Esse não é um período de férias. Isso tem de ser entendido pela criança para que ela possa se conectar com o que está acontecendo. A rotina deve ser mantida da forma mais natural possível — diz a psicopedagoga Jacinta Staudt.
Manter horários para dormir, acordar e almoçar são formas de contribuir com os pequenos nesse processo. Também deve haver um ciclo de estudos, em turnos mais curtos do que os da escola. Cerca de meia hora pela manhã e meia hora à tarde podem ser suficientes, mas há crianças que podem aceitar melhor rodadas mais curtas, de 20 minutos. Nesses momentos, que podem ou não contar com a mediação dos pais, é importante estimular o filho a pensar por conta própria — sem compromisso em "acertar" —, e, sempre que possível, tentar criar relações entre o que é estudado e o momento atual.
Tomar banho e trocar de roupa é outro ponto importante para que os pequenos entendam que o dia vai começar. Não há necessidade de vestir o uniforme da escola.
— Isso cria um ambiente irreal. Vamos ter que mudar nosso olhar sobre as coisas porque estamos num momento diferente. A coisa mais importante é criar um contexto emocionalmente saudável e organizar um dia de cada vez — explica a pedagoga e doutora em educação Cristiane Vieira.
Para Cristiane, as exigências devem ser mais brandas nesse período. Ela destaca que, mais importante do que apresentar conteúdos escolares para as crianças é mostrar tranquilidade e deixar que aprendam também com estímulos do cotidiano — como ajudar a preparar a comida ou organizar os brinquedos.
A tática tem funcionado na casa de Camila Estabel, 38 anos. Há uma semana, a doceira assumiu também as tarefas de professora e treinadora dos dois filhos. Enquanto o mais velho, que pratica futebol, tem maior autonomia para realizar as atividades escolares, a filha de seis anos, em fase de alfabetização, mobilizou a mãe a buscar alternativas para continuar o processo em casa. Camila pesquisou materiais na internet e começou a alternar lições de português e matemática durante a semana.
— Estamos fazendo uma aulinha. Tenho um quadro negro, colocamos uma cadeira para ela e eu encarno a professora. Enquanto eu arrumo a casa também aproveito para estimular ela a escrever o nome das coisas e contar as coisas que vou guardando — relata a doceira, que não precisou mudar sua rotina de trabalho: já trabalhava em casa e costumava produzir à noite.
Ainda que muitas pessoas tenham aderido ao teletrabalho em razão da pandemia, nem todos os pais terão condições de participar de forma tão ativa das atividades escolares dos filhos. Mas isso não quer dizer que os pequenos sairão prejudicados. Segundo Jacinta Staudt, propor um momento do dia em que todos trabalhem juntos, cada um nas suas tarefas, pode ser positivo para a família.
— O pai não precisa ficar do lado do filho em tempo integral. Cada um pode pegar suas coisas e fazer o que tem de fazer, mas atento ao outro — diz.
Regras podem ser mais flexíveis
Os momentos da lazer, que para muitas famílias estão relacionados a atividades externas, como passeios no parque, também vão exigir mais da criatividade dos pais no período. A empresária Graciela Dietze, onde a quarentena impôs mudanças na divisão da guarda dos dois filhos com o ex marido — para evitar deslocamentos, as crianças agora passam mais tempo em cada casa —, ampliou o tempo dedicado aos dois filhos, de quatro e seis anos, na última semana.
Para conciliar as tarefas domésticas e o trabalho com a presença dos pequenos, começou a incluí-los em algumas atividades, como aguar das plantas. Também tem aproveitado a convivência mais intensa para apresentar à dupla filmes e seriados que gostava na infância. Quando eles gostam, os três assistem juntos.
— Estou tentando manter as mesmas regras para os eletrônicos porque acho que quando ficam muito tempo usando, ficam mais ansiosos. Para esses brinquedos, é uma hora por dia. Às vezes deixo olharem desenho enquanto faço as coisas — conta.
Quem não tem como se envolver nas brincadeiras durante a semana não deve sentir-se culpado. Segundo a psicopedagoga Jacinta Staudt , liberar alguns minutos a mais no videogame durante a quarentena não irá prejudicar a criança, desde que haja controle dos pais sobre o tempo nos eletrônicos. Outra opção é buscar jogos didáticos na internet, que podem ser uma ponte entre estudos e lazer.
— Tem sites com jogos interativos, livros para ouvir e muitas coisas interessantes. A atividade tem de ser saudável e prazerosa para que a criança não entre em desespero.
Para além das atividades intelectuais, é importante pensar em brincadeiras que permitam à criança se movimentar. Brincadeiras como a dança podem ajudar a gastar um pouco da energia acumulada no confinamento.
Assim como para os adultos, as relações sociais são fundamentais, e devem ser aliadas enquanto não é permitido encontrar outras pessoas. Gravar e receber vídeos de tios, primos e avós é positivo para todos. Conversar com outros pais para gravar vídeos e fazer videochamadas com os colegas pode ser uma forma de tranquilizar a gurizada.
— Eles vão ver que têm crianças na mesma situação que eles. Que não foi só em casa que as coisas mudaram — explica a pedagoga Cristiane Vieira.