Havia poucas semanas que José Vicente, de 10 meses, começara a frequentar a creche quando veio a notícia: a escolinha suspenderia as atividades provisoriamente para prevenir uma eventual propagação do coronavírus. Para os pais, a administradora Virgínia Alves, 31 anos, e o gerente de projetos Vitor Leães, 36, ambos moradores de Porto Alegre, era prenúncio de uma drástica mudança em suas rotinas. Ela já trabalha por home office, e o pai foi colocado nesta modalidade na terça-feira (17).
— A dinâmica de trabalho muda muito quando há uma criança junto. É preciso disciplina para fazer home office, e agora, com o José Vicente em casa, temos usado de jogo de cintura e apoio mútuo para organizar nossa produção — afirma Virgínia, que trabalha como analista de softwares.
Como os idosos são o grupo de risco mais crítico diante da covid-19, o casal preferiu não convocar a ajuda da avó que costumeiramente toma conta do neto – uma medida alinhada às recomendações da comunidade médica de que os mais velhos devam evitar ao máximo sair de casa e fazer contato com outras pessoas, que eventualmente possam ser assintomáticas mas carregar o vírus.
— Também pensamos em chamar uma babá, mas o custo é alto e também haveria um risco pois ela circularia na rua, pegaria transporte público e poderia ser um agente de contágio — explica Vitor.
Ficou claro aos pais que teriam de organizar uma agenda colaborativa. Eles passaram se alternar a cada uma hora para brincar e cuidar do pequeno. Enquanto um realiza reuniões pelo computador e faz algumas de suas entregas diárias, o outro dá um rápido passeio pela área aberta do condomínio, troca fraldas, oferece o mamá e organiza brincadeiras. Como o bebê está começando a caminhar, na fase de se apoiar nos móveis e testar o próprio equilíbrio, a tutela precisa ser constante – um desafio a mais.
— É um momento em que eventualmente vamos entrar atrasados em alguma videoconferência, ou um chorinho vai estar ao fundo de uma chamada. Não tem jeito, é hora de ter empatia e flexibilidade — defende Virgínia.
Movimento massivo
O desafio do casal se replica em muitas famílias em todo Rio Grande do Sul. Desde o início de março, a maior parte das escolas particulares do Estado têm decidido pela suspensão de aulas. E o que era um movimento espontâneo virou regra com a suspensão do ensino em todos os níveis – na segunda-feira (16), a maioria das universidades interrompeu as atividades, e a prefeitura determinou a paralisação das aulas durante três semanas na rede municipal e na particular a partir do dia 18. O governo do Rio Grande do Sul decidiu fechar as escolas estaduais a partir de quinta-feira (19).
Nas próximas semanas, este movimento de famílias trabalhando em casa com as crianças deve ser massivo. O caminho é amenizar a mudança de rotina. Os pais precisarão planejar e propor jogos, pintura e leitura, e então usar este período em que a criança esteja ocupada para trabalhar. É um aprendizado para todos."
GLÓRIA TASSINARI YACOUB
Economista
Em consonância a este movimento, muitas empresas passaram a mandar os empregados trabalharem em casa – tanto em razão da dificuldade dos pais em encontrarem alguém com quem deixar os filhos quanto para evitar a aglomeração e zelar pela saúde dos colaboradores.
— Nas próximas semanas, este movimento de famílias trabalhando em casa com as crianças deve ser massivo. O caminho para atravessar este desafio é amenizar a mudança de rotina e fazer um planejamento que contemple horário de trabalho dos adultos e atividades dos filhos ao longo do dia — sugere a economista Glória Tassinari Yacoub, especialista em produtividade e mercado de trabalho.
O segredo, explica, é tentar mimetizar em casa os horários e atividades das crianças ou adolescentes nas escolas, incluindo alimentação, tarefas e brincadeiras.
— Os pais precisarão planejar e propor jogos, pintura e leitura, e então usar este período em que a criança esteja ocupada para trabalhar. É um aprendizado para todos, então é natural que a nova rotina tenha de ser adequada com o tempo — analisa.
Assim tem sido para Rodrigo Scharnberg, 36 anos. Nos últimos dias, a creche do filho Nicolas, de três anos, suspendeu as aulas. Produtor executivo de jogos eletrônicos, Rodrigo já está acostumado a alternar sua agenda de trabalho entre home office e empresa. Agora, terá de ajustar sua rotina profissional à companhia do pequeno Nicolas.
— Tenho procurado manter o horário das refeições da escolinha e dedicar algumas horas a brincar na pracinha do condomínio e outros locais abertos. Enquanto faço meu trabalho, a alternativa tem sido deixá-lo brincar com jogos eletrônicos ou assistindo à TV — detalha.
A tecnologia surge como alternativa importante, ainda que adotada com cautela para evitar o exagero. Hábil em programação, Rodrigo tem se divertido criando jogos de celulares para o filho passar o tempo – programas simples como desafios de encaixar ou estourar bolhas pelo celular. Como a esposa, Fabíola, é farmacêutica e passa a manhã e a tarde em plantão hospitalar, Rodrigo precisa enfrentar sozinho o novo cotidiano com o filho durante boa parte do dia. Quando a mãe chega em casa, final de tarde, o pai mergulha mais a fundo no trabalho, às vezes adentrando a madrugada, enquanto ela assume as tarefas domésticas.
— Também é uma oportunidade de eu ficar um pouco mais com o Nicolas, afinal, a gente muitas vezes se culpa de não estar perto dos filhos como gostaria — pondera.
Uma dupla gincana
Se trabalhar com um filho em casa é uma aventura, com dois vira gincana. É o caso de Márcia Paradiso, 44 anos, e Daniel Wildt, 41. O casal está aprendendo conciliar a produção laboral com a distração com os filhos Anna, 11, e Augusto, de um ano e nove meses. A escola da menina suspendeu as aulas nos últimos dias, e a creche de Augusto irá paralisar na próxima segunda (23). Anna recebeu tarefas para realizar por meio da ferramenta digital da escola. Mas isso está longe de solucionar a equação da família.
— Eu tenho passado parte do tempo ajudando a Anna com as tarefas digitais, até porque a ferramenta está começando a ser usada agora e ainda há muitas dúvidas. Combinamos que, se ela não conseguir fazer as lições, irá ler um capítulo de um livro. E é neste intervalo que eu vou trabalhar — diz Daniel, que é sócio em uma empresa na Capital.
Ciente das pausas que terá de fazer durante o dia para atender a filha, ele tem aproveitado o horário comercial para resolver questões inadiáveis, como reuniões, telefonemas e troca de mensagens entre colegas envolvidos em projetos. À noite e durante o início da madrugada, período que avalia produzir bem, trabalha em atividades mais elaboradas.
Na semana que vem, quando a creche de Augusto também cessar provisoriamente, a rotina será revista novamente. Márcia explica que a alternativa será trabalhar por escalas — enquanto um se dedica ao "office" o outro abraça a "home".
— Teremos de preparar uma série de atividades com as crianças neste período, que pode ser de uma semana ou um mês, ainda não sabemos. Já trabalho com home office há três anos, mas com a casa cheia será novidade — complementa Márcia.
O decálogo do equilíbrio
- É importante informar aos colegas de trabalho quando será a melhor hora para agendar chamadas e reuniões. Talvez seja durante a soneca do filho ou no final da tarde, quando um dos pais estiver mais aliviado dos afazeres e puder tomar conta do pequeno.
- Procure replicar em casa a disciplina e os horários que a criança tem na escola, pois isso facilitará a adaptação dela a uma nova rotina.
- Proponha brincadeiras e desafios aos filhos, com metas e prazos, para que eles fiquem envolvidos durante um tempo maior e permitam que você trabalhe.
- Você pode trabalhar no mesmo local onde o seu filho brinca, mas certifique-se de que a atividade paralela não atrapalhe sua concentração e o foco no trabalho.
- O diálogo é importante neste momento. Explique à criança que este é um período diferente e temporário, em que as famílias terão de ficar em casa e reunidas por um tempo prolongado, e que também precisa da ajuda deles para que a coisa funcione.
- Excepcionalmente, pode ser necessário flexibilizar as regras de tempo conectado a telas e eletrônicos. Se é possível obter 30 minutos ininterruptos para trabalhar enquanto os filhos assistem a um programa, aproveite para usar essa carta na manga quando for necessário.
- Se os pequenos ainda cochilam regularmente, ótimo _ é possível aproveitar esse tempo para atender uma ligação ou acompanhar o e-mail. Se são maiores, pode ser válido definir uma expectativa de que eles passem um tempo no quarto relaxando ou ouvindo um audiolivro, por exemplo.
- Aceite que talvez haja uma redução na sua produtividade neste período. Não adianta se culpar caso perceba que o ritmo ou a qualidade de seu trabalho caia nos primeiros dias; isso é parte do processo.
- Se ambos os pais estão trabalhando em casa, é interessante programar momentos de uma ou duas horas por dia para que cada um se dedique ao trabalho, enquanto o outro cuida da criança.
- Se outros membros da família ou filhos maiores estiverem disponíveis, é importante pedir a ajuda para levar as crianças para tomar um ar ou brincar na sala da família.
Fontes: Glória Tassinari Yacoub, especialista em produtividade e mercado de trabalho, e Vanessa D'Angelo, head de Marketing para a América Latina da LogMeln, empresa pública de software que oferece soluções de comunicação unificada e colaboração.