O envelhecimento biológico traz uma desaceleração inevitável no ritmo da vida associativa, o que diminui o ímpeto para a comemoração vadia e estabelece uma priorização, algumas vezes rabugenta, do que é realmente importante.
O cansaço mais fácil nos deslocamentos, a falta de colaboração dos joelhos, a audição prejudicada, a intolerância com quebras de rotina e a irritação com o improviso já tornavam o nosso velhinho um sério candidato ao distanciamento social, muito antes que isso se tornasse uma recomendação médica para um pretenso retardo na disseminação do vírus. Felizmente, esta marcha rumo ao ostracismo é muito lenta, com exceção daqueles eventualmente acometidos de doenças cerebrais degenerativas. Essa decrepitude gradual é, em geral, percebida com mais facilidade pelos convivas esporádicos, e compreensivelmente ignorada pelos familiares, por caminharem juntos com a mudança, processada ao longo dos anos. De tal modo que as falhas ocasionais são generosamente atribuídas às coisas da idade.
O que essa pandemia fez com a determinação de isolar os velhos por serem considerados população de maior risco foi acelerar o processo de distanciamento social, agora como uma imposição sanitária, trazendo para o cotidiano do idoso o convívio com insônia, depressão e irritabilidade. (Um velho paciente meu, sempre gentil e cordato, me confessou o constrangimento de ter xingado um vizinho do elevador: “Ou tiras esta máscara para que eu possa te ouvir, ou ficas quieto!”)
Gregários incontroláveis se deprimem, bebem, se desesperam. Outros até festejam não terem que explicar suas excentricidades.
A solidão embutida nessas medidas protetoras apanhou a todos desprevenidos, e com o passar dos meses o isolamento foi empilhando tristeza, até que para muitos, minou a razão de viver. A reação a estas perdas afetivas foi variável, dependendo do temperamento de cada um: alguns, gregários incontroláveis, com a solidão ficam doentes de morte, e se deprimem, bebem, se desesperam. Outros se bastam, e até festejam a oportunidade de não terem que explicar suas excentricidades.
Um dia desses, no final de uma aula virtual, trouxe para discussão os critérios que os cirurgiões usam para eleger o tipo de paciente que justifica o investimento emocional de uma cirurgia de risco, com intenção de alongar um tempo de vida que a doença encurtaria.
Todos concordaram que o pré-requisito mais importante é a qualidade da vida mental do paciente. Por consequência, argumentei que o grande compromisso médico nessa situação é devolver o idoso à sua família, com a mesma atividade cerebral que justificou que ele fosse um candidato cirúrgico. E de passagem, para reforçar a minha tese, comentei o significado de um avô, de boa cabeça, no contexto familiar.
E então, precisando muito interagir com uma plateia virtual silenciosa, interroguei o primeiro aluno visível no alto do visor se ele ainda tinha avô. Havia uma história comovente à minha espera:
— Eu tenho um avô maravilhoso, de 82 anos, e que, tendo enviuvado no início do ano passado, passou a viver sozinho. Como as minhas visitas escassearam na pandemia, ele mandou me chamar e disse “Meu neto querido, você precisa cuidar desse teu velho avô que está se sentindo muito sozinho”. Então, professor, eu tentei argumentar que frequentando hospitais, entre pessoas doentes, a minha visita seria um risco pra ele. E ele contrapôs: pois se eu não puder te ver, não tenho nenhuma justificativa pra continuar por aqui. Venha, pelo menos, três vezes por semana, nem que seja para me trazer a doença.
O aluno completou:
— Agora, eu tenho feito os testes dia sim, dia não, para três visitas semanais. Não posso permitir que meu vôzinho morra de tristeza!