A recomendação é unânime entre os profissionais de educação física: procure uma atividade de que você goste. Esse é o passo número 1 para evitar a conhecida taxa de desistência. Um estudo publicado na Revista Brasileira de Psicologia do Esporte em 2017 afirma que, no Brasil, o índice de evasão das academias é de aproximadamente 70%. Segundo o levantamento, o fator decisivo para o abandono nesses espaços é a falta de tempo, seguido da distância entre a academia e a casa do indivíduo e a ausência de motivação própria.
— Essa é a chance de aderir à prática. Vai ser muito mais fácil fazer algo com o que tu tens afinidade. O problema não é nem o começar, mas o manter – justifica a professora da Escola de Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Fernanda Faggiani, especialista em Psicologia do Esporte.
Isso quer dizer que não adianta optar por aulas coletivas se você não curte muito um agito. Ou apostar na natação se o tempo para a prática for apertado que não permita a troca de roupa e o banho pós-treino.
Mas chegar a uma resposta definitiva sobre qual atividade vai proporcionar mais prazer é um desafio. Como não existe receita de bolo, a primeira dica é fazer uma autoavaliação.
— Gosto de água? Gosto de treinar no frio? Prefiro correr sozinha ou com mais pessoas? Pergunte-se — recomenda a personal trainer Sarah Ahumada.
Além disso, é preciso levar em conta a logística necessária para realizar a atividade.
— O ideal seria praticar, no mínimo, duas vezes por semana. Então, é preciso pesar: consigo me deslocar? Tenho tempo para isso? Aqui, também deve-se incluir no tempo do treino uma brecha para comer, trocar de roupa e tomar banho. Tem de levar isso em consideração para não desistir.
Para aqueles que não têm nem ideia de por onde começar, Fernanda sugere procurar academias que ofereçam a possibilidade de fazer uma aula experimental gratuita antes de se inscrever em um plano anual e abandoná-lo no meio do caminho.
Vá com calma, é um processo
Independentemente da sua motivação – saúde, bem-estar ou apenas estética –, a prática das atividades deve começar aos poucos, especialmente para quem é sedentário.
Franco Noce, professor adjunto do departamento de esportes da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que grandes mudanças não ocorrem subitamente:
— É um processo. Estabeleça a meta de iniciar em uma atividade. É possível ir “testando” diversas atividades para encontrar pelo menos uma que proporcione prazer na prática.
Ir com muita sede ao pote pode cansar e exigir demais, fazendo com que aumente a desmotivação. Se você ainda não se encontrou em nenhuma atividade, conheça histórias de quem é “viciado” em uma modalidade e entenda o porquê.
Carina e a desconexão na água
Sem “vocação” para ioga ou meditação, Carina Prina Carlan, 32 anos, encontrou na água seu botão de desligar. O esporte que sempre encantou a designer e professora universitária só entrou em sua vida depois dos 24 anos. Como morou até os 17 em uma cidade do interior do Estado, Carina não tinha muitas opções de esportes: vôlei para as meninas ou futebol para os meninos.
— Nunca me dei bem em esportes coletivos, então, tinha de me contentar com a academia de musculação e comecei a correr na rua. Mas sempre quis nadar, achava o máximo — conta.
Depois da mudança para a Capital, Carina não sabia por onde iniciar a busca por clubes para nadar. Envolvida com a faculdade e o estágio, deixou de lado a ideia por alguns anos. Em 2012, matriculou-se em um clube perto de casa e, literalmente, mergulhou no esporte.
— Nunca tinha feito aula de natação. Mas como tomava banho de piscina e de rio, aprendi a nadar “pela vida” — recorda.
Foi durante um treino que recebeu o convite para treinar com a equipe master do clube Grêmio Náutico Gaúcho:
— Desde então, nado todos os dias. Geralmente, seis vezes por semana, dá entre 15 e 20 quilômetros no total semanal. Apesar de ocupar bastante tempo do meu dia, é meu esporte favorito.
Solitária e profunda, a natação é percebida pelos seus praticantes como um momento de desconexão completa do mundo exterior:
— Para mim, é meditativo. Não tenho talento para ioga, meditação, não consigo ficar parada na mesma posição. Mas, quando entro na piscina, preciso pensar no braço, na respiração, na perna, na virada, na volta. Não tem como se desconcentrar. É nessas horas que desligo de todas as coisas do mundo. É um espaço em que ao mesmo tempo estou cansada, pelo esforço físico, e relaxando.
Orgulhosa de contabilizar pouquíssimas faltas ao treino nos últimos sete anos – só quando fica doente, viaja e não encontra um local para nadar, ou faz uma tatuagem que a impede de mergulhar –, Carina enxerga as braçadas como uma terapia.
— Quando não consigo nadar, fico brava, tinhosa, mal-humorada. Ninguém me aguenta — ri.
Renata e a terapia de um só
Um quadro de pressão alta, 15 quilos a mais e pouco preparo físico separam a Renata Pereira Zanardi de antes da corrida da Renata Pereira Zanardi de depois. Aos 45 anos, a advogada iniciou, por recomendação do cardiologista, a calçar o tênis e sair rua afora. Procurou treinamento especializado em dezembro de 2017 e virou uma fã na modalidade.
— Fui faixa preta em taekwondo, fazia bike, musculação, o tradicional. Mas isso não era difícil. A corrida é diferente — resume.
Hoje, aos 48 anos, ela não consegue imaginar um sábado de sol (ou mesmo com chuva) sem correr ou uma viagem a trabalho sem o short e o tênis na mala. Para Renata, o que antes era remédio para pressão virou paixão. Os motivos não são diferentes dos alegados por quem é “picado” pelo bichinho da corrida: além de democrática, é prática e um grande estímulo à superação pessoal. A advogada comenta:
— Tu corres cinco quilômetros e no mês seguinte quer correr seis. Uma hora quer correr em subidas. A gente está sempre atrás de resultado. Meu primeiro objetivo era uma meia (maratona). Agora, quero a maratona e, depois, os treinos para percursos de 80 quilômetros.
Não é preciso muito para correr. Com um par de tênis e roupas adequadas já dá para começar:
— Não preciso interromper a prática quando estou fora a trabalho. Musculação, por exemplo, teria de achar um hotel com academia. A corrida te acompanha: onde tu vais, ela vai junto.
Além de ser treinadora de Renata, a personal Sarah Ahumada também é triatleta. Concilia o trabalho com a faculdade de Fisioterapia e os treinos. Ela acrescenta outro atrativo do esporte:
— É minha reunião comigo. Enquanto corro, organizo minha agenda do dia: vou fazer isso, aquilo etc. Pode-se fazer em qualquer momento. Já fui para a faculdade correndo ou deixei o carro em um posto, troquei de roupa e fui correr.
Embora participe do grupo de corrida de Sarah, Renata pratica a atividade geralmente sozinha. Recebe as planilhas da treinadora por e-mail e toca os treinos por conta própria, no começo do dia.
— Nunca fiz terapia, mas para mim funciona como uma. Coloco meus fones de ouvido e vou. Chego leve em todos os sentidos — diz.
Embora solitária na essência, a corrida tem crescido nos últimos anos impulsionada, principalmente, pelo aumento dos grupos destinados ao treino coletivo. A professora da PUCRS Fernanda Faggiani observa:
— Os grupos dão ânimo. As pessoas sentem-se pertencentes, querem ter bom resultado. Quando o grupo é legal, não há tanta desistência.
Daniel e as aulas em turma
Espírito de equipe, cooperação e paciência são alguns dos pré-requisitos básicos para praticar esportes coletivos, elenca a professora da PUCRS Fernanda Faggiani.
— Não é todo mundo que vai ter o mesmo tempo de reação ou aprendizagem — afirma.
Vale para aulas coletivas em academias também, caso de Daniel Marques, 35 anos. Acostumado com a rotina repleta de pessoas ao seu redor, o professor de português e inglês de cursos pré-vestibular e concursos prefere o agito à solidão da musculação:
— Até faço musculação, mas deixo para o sábado ou domingo, em um horário sem aulas coletivas. Gosto de ter contato com outras pessoas. Sou bem comunicativo.
Daniel frequenta aulas de treinamento funcional e de jump – esta última, sua favorita. Dividindo a sala com um público majoritariamente feminino, ele diz que não se importa e já conquistou o respeito das colegas. Diz-se habituado, desde que cursou a faculdade de Letras, a ser minoria na sala de aula.
Além da interação com diversas pessoas, treinar em grupo pode ser o empurrãozinho que falta para sair de casa ou do trabalho após um dia estressante e encarar a academia. O professor da UFMG Franco Noce reforça que atividades em grupo são poderosos elementos motivacionais:
— Fora os tradicionais benefícios biológicos da prática, acredito que as vantagens psicossociais são mais evidentes. E também contribui para a manutenção e regularidade da prática.
Daniel atesta a teoria. Ele cita o exemplo do grupo que a turma do funcional mantém no WhatsApp e que, muitas vezes, impulsiona uma ida à academia.
— O pessoal motiva muito. Às vezes, a gente nem está com tanta vontade de ir, mas quer estar no meio das pessoas e acaba indo mais para estar perto do que pela própria atividade em si — confessa.
A integração com as turmas é tamanha que, em 2017, Daniel foi convidado por uma professora para participar de uma competição de dança promovida por uma rede de lojas entre diversas academias. Após muito treino, ele e sua equipe subiram ao primeiro lugar do pódio:
— Era só eu dançando com oito mulheres. Foi uma experiência inusitada, mas muito legal.
Mas aulas coletivas podem deixar a desejar em alguns aspectos. Segundo Fernanda, nem todos os alunos terão a mesma atenção e nem todos os alunos aprenderão as atividades no mesmo tempo. Por isso, é fundamental que o professor se adapte à turma para não deixar ninguém desassistido.
E a musculação?
Diferentemente da percepção que Marques tem da modalidade, a personal trainer Sarah Ahumada acredita que a musculação consegue, sim, mesmo que de forma mais sutil, despertar a coletividade. Professora de academia, ela observa que muitas pessoas criam vínculos com o professor e com os colegas, combinando horários de treino.
Assim como na corrida, treinar sozinho requer força de vontade extra para sair da zona de conforto. Indivíduos que gostam de cobrança ou não têm tanto pique podem contar com a presença de um personal trainer.
— Ele vai conversar, motivar, tu vais ter horários específicos e um contrato com a pessoa. Isso é importante. É preciso investir um pouco mais, mas a pessoa terá um melhor resultado — finaliza Fernanda.
Seis dicas para quem quer começar
- Faça uma autoavaliação: você gosta de água? Gosta de treinar na rua ou em locais fechados? Prefere treinos sozinhos ou em grupo? Você consegue treinar sozinho?
- Pense na logística: é perto de casa? Preciso de quanto tempo antes e após o treino para trocar de roupa e tomar banho?
- Não tenha medo de experimentar diversas modalidades antes de optar por uma única.
- Evite fazer contratos longos se você não conhece a modalidade.
- Aproveite as aulas experimentais ofertadas pelas academias.
- Para crianças: estimule ao máximo as mais diversas atividades.