De um lado, aqueles dispostos a fazer somente o mal a quem se aproximar. Do outro, os dotados de superpoderes para salvar o mundo. Estereótipos de mocinhos e vilões podem até ficar bem nas histórias em quadrinhos, mas no mundo da alimentação não dá para simplificar tanto assim. Não há alimentos bons ou ruins: o que os torna saudáveis ou não é o modo como são consumidos.
O alerta serve para não vilanizar produtos naturais que, em geral, não são prejudiciais à saúde, como o ovo, a carne vermelha, o leite e o pão, volta e meia listados como inimigos de uma vida saudável. Os mocinhos também não são tão heroicos assim, pois, da mesma forma, precisam estar ligados a bons hábitos – alimentares e de vida. Essa dualidade (bom ou ruim, saudável ou prejudicial, proibido ou liberado, aliado ou inimigo) só prejudica uma alimentação adequada, sustenta a nutricionista Olga Amancio, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban).
– O que é saudável ou não é o hábito alimentar de cada um. Exemplo: eu e você gostamos de carne bem gordurosa, só que você é disciplinado e come de vez em quando um pedaço normal, e eu comeria aquilo três ou quatro vezes por semana. O alimento é o mesmo para nós dois. Ele não tem culpa se eu como mais vezes e você, menos – garante Olga. – Se você come ocasionalmente, essa gordura não faz tão mal, mas quem mantém esse hábito várias vezes por semana vai estar se prejudicando ao longo do tempo – completa.
A diferença entre ser consumido de forma saudável ou não depende, além da regularidade com que os alimentos aparecem no prato, das características de cada pessoa. Para quem apresenta problemas cardíacos e colesterol elevado, é bom maneirar no ovo e no sal; diabéticos devem evitar o açúcar e outros carboidratos refinados, como pão branco, massas e bolachas; celíacos precisam ficar longe de produtos com glúten. Para esses, sim, alguns alimentos podem ser prejudiciais, mas quem não compartilha das mesmas doenças não precisa abolir aquilo de que gosta.
– Depende muito da situação, por isso a gente tem de individualizar os casos antes de julgar um alimento como vilão ou mocinho. Para algumas pessoas não faz mal, para outras, faz. Muitos alimentos são alvo de uma controvérsia injustificável – afirma a nutricionista Lisete Griebeler Souza, da Associação Gaúcha de Nutrição (Agan).
Moderação, variedade e bom senso
Comer tem de ser um prazer. Claro que não se pode fazer de cada refeição um banquete, mas uma rotina saudável não deve ser dissociada do hábito de comer alimentos saborosos – mesmo aqueles que parecem estar toda hora expostos em um cartaz de “procurado”. Qual a receita, então, para que um bife, uma omelete, um pão com manteiga e até algum doce possam ser incluídos no cardápio sem maiores riscos?
– Moderação, variedade e bom senso – sentencia Lisete, que é mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFRGS.
Sabendo que não se pode comer em grande quantidade alimentos que, sem moderação, acabam contribuindo para elevar o colesterol e a pressão arterial, por exemplo, fica mais clara a importância de se controlar – afinal, entender que não há “vilões” não quer dizer que vai fazer bem colocar uma carne com gordura e cheia de sal no prato todo dia e ainda terminar as refeições com uma barra de chocolate.
– Se você come muito pão, muita pizza, muito bolo, você vai engordar. Moderadamente, pode-se comer de tudo. Tudo faz bem e tudo faz mal, depende da quantidade e da frequência de consumo – define Olga, também professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para as nutricionistas, todo mundo tem direito a comer o que realmente gosta de quando em quando – o que é, inclusive, recomendado para que não se veja a alimentação como um martírio, um hábito que deve ser mantido repleto de privações.
– O grande recado de tudo na nutrição é comer de forma variada, montar pratos coloridos, com todas as fontes de nutrientes, e não exagerar nem retirar totalmente um grupo de alimentos da dieta – afirma Lisete.
Continue lendo esta reportagem:
Por que os ultraprocessados são os únicos vilões da dieta