O diabetes é a maior causa de amputações não-traumáticas do mundo, aumenta em 40% o risco de desenvolver glaucoma e 60% de ter catarata – males que podem levar à cegueira. A probabilidade de morrer por problemas cardiovasculares e acidente vascular cerebral é de duas a quatro vezes maior para quem convive com ele. Uma doença sem cura e que cresce em um ritmo alarmante para um problema evitável e controlável.
Dados do atlas da doença elaborado pela International Diabetes Federation, atualizado em 2015, mostram que o Brasil soma 14,3 milhões de diabéticos – número quase 10 vezes maior do que a população de Porto Alegre e que nos coloca na quarta posição do ranking mundial. Para piorar, metade dessas pessoas sequer sabe que tem a doença. A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgada em abril deste ano pelo Ministério da Saúde, mostrou que esses índices crescem de forma impressionante: em 10 anos, o diabetes aumentou 61,8% no país, passando de 5,5% da população em 2006 para 8,9% em 2016. Colocando uma lupa nesse percentual, podemos ver além: as mulheres saltaram de 6,3% para 9,9% nesse período, enquanto os homens passaram de 4,6% para 7,8%. Ou seja, é uma doença democrática, que afeta ambos os sexos.
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Os dados do Vigitel são preocupantes, mas podem não revelar uma realidade ainda pior. Como as informações são obtidas por telefone, por meio de entrevistas, as pessoas que têm a doença e não sabem acabam ficando de fora dos índices.
– Temos de considerar que é mais fácil ligar do que medir a glicose de todo mundo. A Vigitel não dá precisão exata de muitos diagnósticos, mas levanta ideias e hipóteses – observa o médico Guilherme Rollin, coordenador do Ambulatório de Diabetes e do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Moinhos de Vento.
A explicação para essa escalada do diabetes mundo afora é unanimidade: sem pestanejar, os especialistas ouvidos pela reportagem garantem: o xis da questão está no estilo de vida atual. Menos exercícios e alimentação de pior qualidade formam a combinação perfeita para o desenvolvimento da obesidade, principal fator de risco não genético da doença.
– A obesidade dificulta a ação da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas que faz com que a glicose consiga entrar nas células. Com isso, os níveis de açúcar no sangue se mantêm elevados, favorecendo o aparecimento da doença – explica o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Luiz Turatti.
Outro fenômeno que tem chamado a atenção dos médicos é que, além dos adultos, cada vez mais aumentam os índices de crianças e adolescentes doentes.
– Isso está associado ao sobrepeso e à obesidade, que também já está presente no início da vida – pontua Turatti.
O que é o diabetes
De forma bem simples, a doença pode ser definida pela alta taxa de glicose no sangue. Isso ocorre porque o pâncreas deixa de produzir ou produz quantidade insuficiente de insulina, o hormônio responsável por "carregar" a glicose para dentro das células.
Tipos
Tipo 1: é uma doença autoimune – ou seja, ocorre por uma falha do organismo –, e costuma aparecer na infância ou na adolescência. O sistema imunológico ataca as células beta, responsáveis pela produção da insulina. Com isso, a quantidade de insulina liberada é mínima ou nula, mantendo elevados os níveis de glicose no sangue. Pouco comum, afeta 10% da população com a doença.
Tipo 2: é o que vem crescendo em velocidade acelerada e acomete 90% dos doentes. Geralmente, aparece por volta dos 40 anos – o que não significa que não possa dar as caras na infância ou na adolescência. É uma doença adquirida, consequência dos maus hábitos de saúde, principalmente a alimentação de baixa qualidade e o sedentarismo, que levam à obesidade.
Gestacional: pode acometer mulheres durante a gestação – após o nascimento da criança, o quadro costuma desaparecer. É mais prevalente nas grávidas com mais de 35 anos e que ganham muito peso no período. Histórico familiar da doença também contribui. Nesses casos, é fundamental um controle rigoroso durante e depois da gravidez, pois o risco de desenvolver diabetes tipo 2 aumenta muito.
O que é o pré-diabetes
Para receber o diagnóstico de diabetes, é preciso que, em jejum, a pessoa tenha mais de 126 mg/dL de glicose no sangue. Pessoas sem a doença ficam na faixa entre 70 mg/dL e 99 mg/dL. Esse limbo entre 100 mg/dL e 125 mg/dL é o que os médicos chamam de pré-diabetes.
Outra forma de avaliar se uma pessoa tem pré-diabetes é o cálculo HOMA-IR, feito com base nas dosagens de insulina e glicose de jejum. Esse dado, porém, não pode indicar sozinho a condição. É um parâmetro que deve ser analisado pelo médico em conjunto com outras informações do paciente.
No pré-diabtes, tomando os cuidados necessários, é possível reverter o quadro e impedir o desenvolvimento da doença.
– Quem tem pré-diabetes apresenta algumas alterações, mas não atinge o critério para a doença. Essas pessoas têm mais risco de evoluir para o diabetes. Fazendo exercício regular e diminuindo o peso, previne-se a evolução e é possível voltar à normalização do quadro – garante Rollin.
Intervenções na alimentação e prática de exercícios entram como opções. Dependendo do caso, pode-se lançar mão de medicamentos para melhorar essa resistência insulínica.
Fatores de risco para desenvolver a doença
– Obesidade e sobrepeso: ambos dificultam o trabalho da insulina
– Diagnóstico de pré-diabetes
– Pressão alta: a hipertensão está relacionada com a resistência a insulina
– Colesterol alto ou alterações de triglicerídeos no sangue: ambos estão associados a pessoas com síndrome metabólica
– Genética: pai, mãe ou irmão diabético
– Diabetes gestacional: mulheres que tiveram a doença na gravidez estão mais suscetíveis a desenvolver diabetes
Os doces são os grandes vilões?
O consumo excessivo de doces é uma causa comum do ganho de peso, por isso eles são tão relacionados ao diabetes. Mas, sozinhos, dificilmente serão capazes de desencadear a doença. Há muitos outros alimentos que podem colaborar para o surgimento do problema, como aqueles feitos com farinha branca – biscoitos, macarrão, pães.
– Existem muitos fatores para o desenvolvimento do diabetes. Há influência genética e ambiental. Dentro da ambiental, entra a alimentação – esclarece a nutricionista e doutora em epidemiologia do diabetes Bárbara Riboldi.
O organismo com diabetes
Os níveis elevados de glicose no sangue trazem uma série de consequências negativas ao organismo. No entanto, os problemas mais comprometedores ocorrem nos vasos, tanto os pequenos quanto os grandes. Por isso, as complicações são divididas em microvasculares e macrovasculares.
As microvasculares podem acometer a retina, levando à cegueira; os rins, desenvolvendo insuficiência renal e criando a necessidade de fazer diálise ou transplante; ou o sistema nervoso, acarretando neuropatia, sensibilidade das extremidades, que pode evoluir, inclusive, para uma amputação.
As macrovasculares são as que costumam estar associadas a causa de morte entre os pacientes. As consequências mais graves são infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e câncer.
– Embora tenham outros fatores de risco, não há dúvida que a obesidade e o diabetes também aumentam o risco para câncer. Nas mulheres, prevalecem os tumores ginecológicos, enquanto na população geral, os de intestino, fígado e pâncreas – destaca o médico Guilherme Rollin.
O desafio do tratamento
Se feito de forma adequada, o tratamento é capaz de proporcionar um bom controle da doença – ainda que não possa trazer a cura. Mas, segundo a presidente da SBD-RS, Luciana Schreiner, 73% dos pacientes em tratamento não conseguem atingir os índices de glicose preconizados, na faixa de 7% (com exame de hemoglobina glicada). Dificuldade em mudar o estilo de vida e em manter a rotina de medicamentos são as principais causas, acredita Luciana.
– O que precisa se fazer cronicamente cansa – explica.
Pacientes com diagnóstico de diabetes precisam seguir uma dieta rigorosa, além do uso de medicamentos, para manter estáveis os níveis de glicose no sangue. O açúcar é riscado completamente da alimentação e a farinha branca deve ser trocada pela integral.
– Os refinados têm índice glicêmico mais alto. Então, ao absorver o alimento, o pico glicêmico é muito grande, e vai fazer mal – afirma a nutricionista Bárbara Riboldi, doutora em epidemiologia do diabetes.
Produtos industrializados também devem ser consumidos com bastante moderação afinal, boa parte deles tem adição de açúcar.
A indústria farmacêutica tem colocado nas prateleiras medicamentos mais modernos que atuam em diversas frentes contra o diabetes. Atualmente, as novidades são os remédios que, além de regular a glicose, promovem a perda de peso – alguns, inclusive de uso semanal. Airton Golbert, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), destaca dois tipos: a classe dos agonistas do GLP-1 (hormônio que ajuda a diminuir a produção de glicose pelo fígado) e a dos que estimulam a perda de açúcar e sódio pela urina, que conseguem eliminar sódio, resultando em perda de peso e diminuição da pressão arterial.
– Idosos devem ter cuidado com esse medicamento, pois correm o risco de desidratar se não ingerirem líquido adequadamente – alerta Golbert.
Quando o assunto é monitorar os níveis de glicose no sangue, a grande vedete do mercado é o Free Style Libre. Usando um sensor subcutâneo no braço e um leitor desses dados, a tecnologia permite controlar os dados quantas vezes quiser, evitando as picadas na ponta do dedo.
Mudanças para vencer a doença
Como estamos fracassando na batalha contra o diabetes, torna-se ainda mais urgente a necessidade de virar o jogo. Para isso, além de tornar informação, exames e medicamentos acessíveis à população em geral, é fundamental insistir em uma mudança de hábitos real e sustentável.
Mexer o corpo e cuidar da alimentação são fundamentos básicos para encarar de frente essa batalha. E não estamos falando em comer só salada ou perder horas a fio na academia. Pequenos ajustes na rotina podem trazer bons resultados.
Mesmo quem está na faixa de peso ideal deve se prevenir, reduzindo o consumo de açúcar, alimentos processados e substituindo a farinha branca pela integral. Já quem está com sobrepeso precisa trabalhar para reduzir entre 5% a 10% do peso corporal.
E na hora de se exercitar não precisa muito. Trocar o elevador por escadas ou deixar o carro mais longe e dar uma pequena caminhada são dicas preciosas.
– São preconizados entre 150 e 180 minutos semanais de qualquer tipo de atividade. É algo que todos podem fazer – diz a nutricionista Bárbara Riboldi.
A atividade física, além de combater o excesso de peso, melhora a ação da insulina. Quando movimentamos o corpo, aceleramos o mecanismo de captação da glicose, facilitando sua metabolização.