Foi pensando na qualidade de vida que o casal Jussara e Ronaldo Neves planejou tudo o que gostaria de desfrutar depois que suas carreiras estivessem consolidadas e os filhos, crescidos. Mas a arquiteta e o médico veterinário, hoje com 69 e 77 anos, respectivamente, não deixaram para aproveitar mais tarde: fizeram da jornada uma preparação ativa e divertida para a terceira idade.
Logo que se conheceram, compraram um barco para velejar e se tornaram sócios do Clube dos Jangadeiros, em Porto Alegre. Navegar se consolidaria como uma paixão e uma atividade esportiva que, por mais de 50 anos, tem sido responsável por momentos em família e de socialização.
— Depois que os filhos cresceram, trocamos o veleiro pelo barco a remo, mas ainda velejamos com os amigos, de vez em quando — conta Jussara, entre uma lembrança e outra das aventuras vividas.
O gosto pela natureza também ensejou o interesse por fazer trilhas, passeios off-road, desbravar cachoeiras, cânions e acampar. O contato com a natureza é outro ingrediente que sempre lhes fez bem.
— Nosso próximo objetivo é levar o neto, Noah, de seis anos, que tem o sonho de dormir em uma barraca — anima-se Ronaldo.
Hoje, os cuidados com a saúde incluem caminhadas diárias, remo, academia e acompanhamento médico. Jussara ainda conta com uma nutricionista.
Cientes de que a autonomia é essencial, adquiriram uma unidade em um conjunto habitacional focado no público idoso, que conta com serviços de saúde e bem-estar, além de palestras, cursos e outras atividades. Eles ainda não vivem no local, mas passam temporadas por lá sempre que querem “dar uma movimentada”.
Segundo Jussara, o marido sempre teve como característica olhar para o futuro. Provavelmente por isso, ele definiu hábitos saudáveis, ótima alimentação e um bom plano de saúde como tripé fundamental para “uma velhice com qualidade de vida”, como define a arquiteta.
Jussara e Ronaldo fazem parte de um grupo cada vez maior, especialmente no Rio Grande do Sul. Segundo o Censo Demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, divulgado neste ano, um em cada cinco moradores do Estado tem mais de 60 anos. Na comparação com o levantamento anterior, de 2010, essa fatia saltou de 1,45 milhão (13,65% da população em solo gaúcho) para 2,19 milhões de idosos (20,15% do total).
— Décadas atrás, as famílias e as casas eram maiores, sempre tinha alguém para poder cuidar de uma pessoa mais velha, até para acolher em sua casa. Hoje, as pessoas têm menos filhos, os apartamentos são menores, a mulher também trabalha, dificilmente tem alguém disponível para dar conta dos idosos — alerta a geriatra Fany Glock, médica cooperada da Unimed Porto Alegre.
O desafio da sociedade, segundo ela, é dar conta dessa população com média de idade cada vez mais alta. Embora haja muitos idosos em fase funcional, uma importante parcela depende de uma rede de sustentação.
Uma alternativa são os locais em que os idosos possam ter uma vida autônoma, mas assistida – como o residencial onde Jussara e Ronaldo planejam morar no futuro. Outra sugestão é contar com locais de acolhimento, com serviços e atividades voltadas a esse público, nem que seja para passar o dia ou mesmo algumas horas.
— Algumas entidades promovem espaços assim, mas ainda é pouco. Seria legal ter centros de atendimento multidisciplinar, com terapia ocupacional, fonoaudiologia e encontros de grupos, mas a gente não vê isso com frequência — aponta Fany.
Há 60 anos
Para o médico geriatra Roman Orzechowski, que atua no programa Viver Bem Juntos, da Unimed Porto Alegre, é perceptível o salto de qualidade de vida que tem, hoje, uma pessoa com mais de 60 anos, quando se compara ao mesmo cenário há seis décadas. Ele lembra que, naquela época, sequer era comum chegar a essa idade.
— Embora fosse uma vida mais ligada à natureza, o trabalho na roça e a exposição ao sol desgastavam muito. Tudo contribuía para um quadro de doenças que nem se descobria muito, como o câncer, do qual não se fazia rastreamento — destaca.
Envelhecer com saúde é possível, respeitando limites
Com maior acesso à informação, o público acima de 60 anos tem ferramentas que ajudam a envelhecer de forma mais saudável. Por outro lado, pode ser uma vida mais estressante, especialmente para quem mora em cidades grandes, o que por vezes facilita a falta de convívio social.
— As pessoas ganharam em informação, em possibilidade de prevenção, mas perderam do ponto de vista social, cultural e dos relacionamentos. Isso pode levar a um envelhecimento mais triste e isolado do que antigamente — observa a psiquiatra Patrícia Fuhro Vilas Boas, médica cooperada da Unimed Porto Alegre.
Segundo Patrícia, o fator de maior impacto na longevidade e na qualidade de vida é justamente o envolvimento social. A internet, embora tenha o lado bom de aproximar as relações, não tem o mesmo impacto de sair de casa, tomar sol e encontrar outras pessoas.
Outro efeito provocado pelo uso das redes sociais é o estilo de vida idealizado. O mesmo efeito que recai sobre os jovens pode afetar diretamente os idosos que, pela tela do smartphone, são levados a acreditar que os 60 são os novos 40.
— Existe uma pressão social, como se todo idoso tivesse que estar muito bem, mas isso nem sempre acontece. Quando a pessoa apresenta algum problema de saúde, não se pode minimizar. É validar e cuidar — recomenda a psiquiatra.
Orzechowski concorda. Para o geriatra, é importante que haja um processo de aceitação, já que o físico de 60 anos não é igual ao de 40, em função das perdas naturais ao longo da vida:
— Muitos pacientes perguntam sobre bomba hormonal, suplementos, testosterona, coisas que não têm evidência nenhuma. Essa procura existe, mas quando a pessoa se dá conta de que está bem, adere à ideia de manutenção, e não de rejuvenescimento — pondera.
Prevenção e saúde mental merecem atenção constante
Dentro da perspectiva de manutenção da saúde, o psiquiatra Marco Antonio Pacheco, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e médico cooperado da Unimed Porto Alegre, defende que fazendo as prevenções, detectando precocemente os problemas de saúde e cuidando da alimentação e dos hábitos, a pessoa tem mais escolhas. Mas pondera: não tem a ver com ser mais jovem, mas com ser mais ativo.
— Uma pessoa que faz musculação tem condições de passear com o neto. Com os cuidados certos ela pode pegar ele no colo, carregar sacolas do supermercado e ter mais autonomia.
Ao mesmo tempo, é imprescindível ter cuidado com a saúde mental, que também está diretamente ligada ao estilo de vida. Hábitos simples podem fazer a diferença, como ouvir música para relaxar.
O psiquiatra explica que, quando estamos estressados, o corpo detecta como um risco iminente, o que faz com que o cérebro libere uma dose de cortisol, um potente anti-inflamatório, no organismo.
— Ele faz isso porque não sabe o motivo do estresse. Se encontrarmos caminhos de bem-estar, o sistema imunológico não detecta perigo, fica livre, e se prepara para o futuro, porque ele nunca para — explica.
Orientações para viver bem:
O médico geriatra Roman Orzechowski lista alguns cuidados para se ter qualidade de vida na terceira idade:
- O primeiro passo é contar com acompanhamento médico individualizado
- O ideal é que esse acompanhamento seja feito por um geriatra, que encaminha para atendimentos especializados conforme necessidade do paciente
- O geriatra também avalia as interações medicamentosas entre os diferentes tratamentos, equilibrando o cuidado integral.
- A premissa é atividade física, com reforço muscular (que garante autonomia para atividades básicas do dia a dia)
- Ingestão adequada de alimentos e de água
- Socialização e relação harmoniosa com a família
- Atenção à saúde mental: estímulo por meio de conversas e psicoterapia
Números
- Segundo o Censo de 2022, o Rio Grande do Sul tem o maior percentual de idosos do Brasil, com 20,15% da população
- Em 12 anos, a população idosa do Estado saltou de 1.45 milhão para 2.19 milhões de cidadãos
- O incremento de mais de 700 mil pessoas nesse grupo significa que o número de idosos cresceu 50% entre 2010 e 2022
- Esse aumento representa uma fatia maior de idosos na população em geral: em 2010 eles eram 13,65% dos moradores do Estado
* Produção: Padrinho Conteúdo