A dimensão da tragédia que o Rio Grande do Sul enfrenta é capaz de provocar adoecimento mental e também físico. Pessoas acima de 60 anos, de saúde mais frágil e sensíveis a mudanças abruptas, podem passar pela chamada somatização, quando há manifestação de sintomas clínicos em resposta a fatores emocionais.
A expressão dessa íntima conexão entre corpo e mente se dá de várias maneiras: dores que surgem ou dores já existentes que pioram, náusea, vômitos, diarreia, palpitações, tremores, tontura, alterações no sono e no apetite (para mais ou para menos). Pode ocorrer descompensação de doenças crônicas, como uma crise hipertensiva no paciente que estava com a pressão sob controle.
A somatização decorre de situações traumáticas, como a atual, quando o indivíduo se coloca em perigo, se sentiu indefeso ou incapaz de lidar com o evento em questão, conforme explica o psiquiatra geriatra Gabriel Behr, do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A situação se apresenta de forma tão amplificada que a pessoa não tem mecanismos psicológicos para lidar com ela. Mas também pode ocorrer somatização em episódios cotidianos, como no contexto de conflitos familiares, doenças graves e dificuldades financeiras.
— É uma forma de reagir a situações difíceis, angustiantes. São situações desestabilizantes do ponto de vista emocional. Em vez de sofrimento psíquico, algumas pessoas podem reagir com um sofrimento físico. É a manifestação física de uma dor emocional — explica Behr.
Essas manifestações no corpo surgem sem sustentação do ponto de vista clínico, ressalta o geriatra Leonardo Brandão de Oliva, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. A justificativa encontrada são fatores emocionais e psicológicos, o que pode configurar uma situação que gera preconceito.
— A doença mental é bastante estigmatizada. Pode-se achar que essa pessoa “está dando piti”, como se diz popularmente — comenta Oliva.
Behr destaca que, apesar da origem emocional, os sintomas que aparecem na somatização são reais. A pessoa sente as dores, o desconforto, não são queixas imaginárias. O psiquiatra também salienta que é necessária a avaliação médica.
— Antes de assumir que a pessoa está somatizando, que é um problema emocional, tem que ter certeza de que não é uma doença clínica. Pode ser um problema cardíaco, gástrico. Se um paciente que tem ansiedade está apresentando dores no peito ou palpitações, não se pode assumir que é um sintoma emocional. Tem que ter um mínimo de suspeição e fazer uma avaliação cardíaca. Com pressão alta, a mesma coisa: não podemos assumir que é um problema emocional — adverte Behr.
Oliva chama a atenção também para outro aspecto: quem está vivenciando problemas psicológicos muito graves fica com o sistema imunológico abalado.
— Ou seja, adoece mais quem, emocionalmente, não está bem. Nosso corpo perde a capacidade de se defender. Isso favorece infecções, desde as mais simples até as mais graves e importantes — aponta o geriatra, destacando que doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide, podem se manifestar mesmo que estivessem bem controladas antes.
De maneira geral, idosos não são mais sensíveis à somatização por conta da faixa etária mais elevada. As repercussões do aparecimento de sintomas, entretanto, podem, sim, ser mais prejudiciais à terceira idade, especialmente quando a pessoa acumula doenças crônicas.
— O idoso é mais frágil, menos resiliente. Qualquer coisa que o tire do equilíbrio pode gerar consequências graves — observa Oliva. — É muito diferente um jovem internar por pneumonia e um idoso internar por pneumonia. Para o idoso, tende a ser muito mais grave — exemplifica o médico.
Deve-se buscar orientação especializada quando as alterações, físicas e emocionais, estão preocupando ou interferindo significativamente no dia a dia. O geriatra ou outro médico de referência podem ser consultados e, se for o caso, fazer o encaminhamento do paciente para a área de saúde mental.
— Sinais que merecem atenção: alterações de apetite significativas que interfiram no peso, alterações com o sono. Não se pode achar que não dormir bem é normal. Manifestações das doenças que estavam bem controladas também merecem avaliação. Por mais que a gente pense que está triste por ter vivenciado um momento triste, não pode normalizar essa situação. Muitas vezes, não é (necessário) só remédio, é psicoterapia, é atividade física. Não podemos ficar esperando que o idoso melhore sozinho, podemos dar um suporte — orienta Oliva.
Como cuidar da saúde mental
- Limite o tempo de consumo de notícias sobre a tragédia no Estado, o que inclui o uso de redes sociais
- Não se isole. Contate familiares e amigos
- Preserve ao máximo o período de descanso e sono
- Mantenha uma alimentação saudável
- Pratique exercícios físicos com regularidade
- Não deixe de tomar os medicamentos habituais, se houver
- Mantenha as consultas habituais com seu psicólogo ou psiquiatra. Se não faz acompanhamento, considere buscar auxílio profissional caso perceba que está com dificuldade para enfrentar esse momento sozinho