É hora de prestar os primeiros socorros psicológicos às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Idosos formam uma parcela sensível das vítimas da tragédia, uma vez que são mais suscetíveis a mudanças. Há risco de impacto na saúde mental e também física da população a partir de 60 anos.
A rotina é um fator fortemente estruturante para os mais velhos. Os dias regrados, com horários bem definidos para as mais simples tarefas do dia a dia — tomar chimarrão, fazer café, sentar na poltrona para assistir à TV, caminhar em volta da quadra —, se desorganizaram completamente para aqueles que foram mais atingidos.
— A rotina dá tranquilidade e segurança ao idoso. Há dificuldade de lidar com mudanças repentinas. Na hora em que ele perde tudo isso, todas as referências se perdem, além da sua memória e da sua história. Todas as memórias e histórias desaparecem concretamente. Todo mundo gosta de ter suas coisas, sua casa, mas o idoso mais ainda — analisa a psiquiatra e psicanalista Nina Rosa Furtado, professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O primeiro passo é identificar quem está precisando de suporte emocional, seja em abrigos, seja na casa de familiares. As pessoas que se dispõem a ajudar precisam ouvir de forma empática e não fazer muitos questionamentos, querendo detalhes sobre o que ocorreu. É preciso acolher a dor desse idoso.
De acordo com a psiquiatra e psicogeriatra Tânia Ferraz Alves, coordenadora do Departamento de Psicogeriatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), é possível que ocorra, conforme o abalo, confusão e desorganização.
— Quem já teve depressão e ansiedade tem alta chance de voltar a esse quadro e precisa de suporte maior. Tem que montar uma rede de contatos e ajuda com familiares que possam estar próximos, encontrar amigos. Tentar construir uma rede que dê conta das questões mínimas. Isolamento social, nessa hora, não é bom. É melhor que o idoso resida com alguém — orienta Tânia.
As primeiras abordagens devem ter o objetivo de resolução de problemas: aplacar o frio, a fome, o desconforto. Uma medida importante é saber que remédios o idoso toma e verificar se a administração está em dia. Se as medicações foram perdidas, é preciso reavê-las, consultando um médico em busca de receituário controlado e orientações, se necessário. Sem o tratamento adequado, doenças crônicas podem ficar descompensadas.
— As situações são bem individuais. Para o idoso sozinho, é muito complicado poder resolver. A conversa tem que ser toda no sentido de reconstrução. Filhos, amigos, quem puder se interessar em acompanhar, é muito bom — afirma Nina.
A manifestação de sintomas é normal durante as primeiras semanas e até meses a partir do episódio traumático. Tânia recomenda que sejam definidos os horários para se ter contato com o noticiário sobre a catástrofe. Os momentos de desconexão são fundamentais para que se evite a ativação de reações a todo momento.
— Nessa hora, a gente pode ter tudo: raiva, tristeza, angústia, culpa. Não é raro ter culpa por ter sobrevivido. Acolher esses sentimentos faz parte desse momento — orienta a psiquiatra.
Retomar as atividades de antes, dentro das possibilidades, é essencial para dar uma mínima sensação de normalidade ao cotidiano. Frequentar a igreja e rever companheiros de clube ou carteado são iniciativas muito benéficas. Essas atividades são válidas mesmo se precisarem ser improvisadas em outros locais que não os habituais.
— O senso de comunidade e a rotina são fundamentais para se poder ter, minimamente, uma organização — afirma Tânia.