Para entender o que é a hipertensão, imagine o organismo como um edifício. Os vasos sanguíneos são simbolizados pelo encanamento que passa pelos diversos andares e apartamentos. O sangue é a água que abastece a estrutura. Se o sistema hidráulico desse prédio está programado para funcionar com determinada pressão e fazemos com que opere com pressão superior por um longo período, haverá problemas.
Quem ilustra a doença crônica com essa explicação é o médico Miguel Gus, doutor em Cardiologia e cardiologista do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
— Se os vasos foram programados para funcionar com a pressão x e nós, por vários motivos, aumentamos a pressão ao longo da vida, o sistema hidráulico terá uma pressão acima daquela para que foi programado. O sistema vai se desgastar, e poderá haver vazamento e entupimento. A pessoa estará submetida a maior risco de problemas — afirma Gus.
A hipertensão pode ser definida como o aumento da pressão circulante do sangue acima dos valores definidos como normalidade. Há variações nesses números com o passar do tempo, de acordo com autoridades médicas. No Brasil, a medida de corte utilizada como referência é de 140/90 mmHg (lê-se 14 por nove). O valor ideal, ou seja, o que se gostaria que a média da população apresentasse, é de 12 por oito.
Condição muito comum, especialmente na terceira idade, a pressão alta desperta dúvidas. GZH conversou com dois especialistas para apontar mitos e verdades ligados ao tema.
Veja mitos e verdades sobre a hipertensão
A hipertensão afeta apenas os idosos.
Mito. A doença pode surgir, inclusive, em crianças. Não há idade para a pressão alta começar, mas o problema se torna mais comum à medida em que envelhecemos. A prevalência da hipertensão gira em torno de 30% a 40%, dependendo do grupo populacional analisado. Uma estatística bem estabelecida indica que, aos 50 anos, 50% das pessoas são hipertensas. O percentual é mais elevado para a faixa etária a partir dos 60 anos.
A hipertensão piora depois dos 60 anos.
Verdade. Um hipertenso dessa idade está, geralmente, nessa condição há mais tempo. A doença tende a piorar com o avançar da idade. Ao estabelecer o risco cardiovascular de uma pessoa, a idade é um elemento que interfere.
— Ter pressão de 15 por 10 aos 20 anos é diferente de ter pressão de 15 por 10 aos 65 anos — exemplifica o cardiologista Miguel Gus.
Moderar o sal na comida permite manter o controle da pressão.
Verdade. É possível controlar melhor a pressão com a diminuição da quantidade de sal que é ingerida, mas a manutenção dessa medida a longo prazo não é simples.
— Somos apaixonados por sal. Toda a nossa conservação de alimentos é baseada no sódio. É o tipo de conservação mais barato. Não é fácil atingir o nível de restrição de sódio suficiente para controlar a pressão por longo período — constata Gus.
Vale tentar ser o mais saudável possível, dando preferência a alimentos in natura, reduzindo a quantidade de conservas e de produtos com sal adicionado.
Há medicamentos que elevam a pressão arterial.
Verdade. Anti-inflamatórios, corticoides e emagrecedores, entre outros, podem aumentar a pressão. O alerta vale para hipertensos e também para não hipertensos.
O estresse eleva a pressão.
Mito. De acordo com Miguel Gus, é preciso entender que a pressão arterial não é constante.
— Se você olhar uma curva de pressão, verá que ela sobe e desce. Não é 12 por oito constantemente, por exemplo. Quando você dorme, a pressão baixa. Quando seu time faz um gol, quando você se separa ou perde um familiar, o organismo reage. Se eu quase for atropelado, minha pressão pode subir. Se medi-la, vai estar aumentada, mas não significa que sou hipertenso — comenta o médico.
Estudos científicos já avaliaram se eventos estressores se associavam à severidade da hipertensão, e não se comprovou essa relação.
— Se eu tirar o estresse, controlo a pressão de alguém? Posso controlar aquela alteração momentânea, mas não tenho o controle de um hipertenso por meio de psicoterapia ou calmantes — contrapõe Gus.
A pressão sobe mais no frio.
Verdade. Se forem avaliadas as chamadas curvas ou médias pressóricas das populações, pode-se observar que as medidas aumentam no inverno e diminuem no verão. Há pessoas muito suscetíveis às variações de temperaturas, especialmente as mais idosas, o que as leva a necessitar de ajustes na medicação sazonalmente.
Hipertensão pode provocar infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Verdade. A pressão alta não provoca, diretamente, nem o infarto, nem o AVC. Trata-se de um fator de risco indireto que está associado a outros elementos, como diabetes, tabagismo, sedentarismo e colesterol alto. Associa-se, muitas vezes, o AVC a um pico de pressão, mas não se trata disso.
— Nosso cérebro regula essa pressão. Durante a atividade física, a pressão sobe e você não tem um AVC. Não é uma relação direta. A hipertensão é um fator de risco para esse evento — explica o cardiologista Daniel Souto Silveira, coordenador do Serviço de Cardiologia do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre.
A hipertensão é assintomática.
Verdade. A hipertensão, na maior parte das vezes, é uma situação assintomática, mesmo com valores bem elevados. Não se pode confiar na ausência de sintomas, alerta Gus:
— Se houvesse sintomas associados, seria uma barbada. Saberíamos se a pressão está controlada ou não.
No caso de alguém que enfartou e está com a pressão superelevada quando chega ao hospital, a equipe assistencial terá como foco o infarto, não a pressão. A mesma coisa se o indivíduo sofre um AVC: o foco será tratar o derrame.
— Situações extremas de consequência da pressão arterial fazem parte de uma emergência hipertensiva, mas o foco do tratamento é muito mais o evento clínico — ensina o cardiologista. — Se você está sentindo uma dor de cabeça que nunca teve antes, eu medi a pressão e está um pouco alta, vamos avaliar essa dor de cabeça. Pode ser alguma coisa — complementa.
Um hipertenso com a pressão controlada tem o mesmo risco de sofrer infarto e AVC que uma pessoa com pressão arterial normal.
Mito. A pressão adequada consegue diminuir bastante o risco cardiovascular, segundo Silveira, mas não será igual ao de um não hipertenso. O mesmo se aplica a um diabético: o indivíduo carrega em si um risco, que diminui caso a glicose seja controlada, mas não se iguala ao risco de quem não é diabético.
Quem toma remédio para a pressão não precisa fazer medições periódicas.
Mito. Além de o paciente tomar medicação de uso diário continuamente, precisa saber se está funcionando. Depois de controlada a pressão, aí sim, não é preciso aferi-la todos os dias.
A pressão pode ser controlada apenas com alimentação balanceada e exercícios físicos regulares.
Verdade. De acordo com Silveira, a hipertensão leve pode ser controlada com restrição de sal, aumento do consumo de frutas e vegetais, emagrecimento e atividade física diária. No caso de pacientes com níveis tensionais muito altos, é pouco provável que se consiga fazer isso. Todo hipertenso, entretanto, deve ter uma rotina saudável.
O tabagismo piora a hipertensão.
Verdade. O vício acelera o envelhecimento vascular.
— Quanto mais duras as artérias, mais alta fica a pressão. Quanto mais você fuma, maior o envelhecimento precoce vascular e mais alta a pressão — diz Silveira.
A pressão pode subir na consulta médica.
Verdade. Existe a chamada hipertensão do jaleco branco: a pressão fica mais alta no momento da aferição no consultório.
— Não é uma coisa consciente e acontece até com paciente que conhecemos há muito tempo e com quem temos boa relação. A Sociedade Brasileira de Cardiologia inclusive já se posicionou: a medida de consultório é a pior possível. Uma medida de pressão elevada, isolada, não quer dizer nada. Temos estratégias para medir com mais frequência em determinado período de tempo — fala Silveira.
É possível curar a hipertensão.
Mito. Em alguns casos, quando a doença tem uma causa, como uma artéria do rim obstruída, é possível tratar o problema específico e curar a hipertensão, mas, no geral, hipertensão se trata, não se cura.
O que é hipertensão
- A hipertensão é caracterizada pelos níveis elevados e sustentados da pressão sanguínea nas artérias. A medida de corte utilizada como referência no Brasil e pela OMS é de 140/90 mmHg (14 por nove)
- Como consequência, ocorre um esforço maior do coração para que o sangue seja distribuído por todo o corpo
- Trata-se de um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, como AVC e infarto
- É uma condição crônica, com múltiplos fatores de risco associados, entre eles, aspectos genéticos e comportamentais
- Entre os principais componentes de risco, estão envelhecimento, histórico familiar, alimentação inadequada baseada em alimentos ultraprocessados e com muito sal, uso de álcool, tabagismo, sobrepeso e obesidade, sedentarismo
Previna-se
- Coma mais frutas, verduras e legumes. Evite o excesso de sal e gordura
- Passe menos tempo sentado
- Seja fisicamente bem ativo. Você pode caminhar, correr, nadar, dançar ou fazer musculação. O ideal é praticar pelo menos 150 minutos semanais de exercícios aeróbicos de intensidade moderada ou 75 minutos de intensidade elevada. As atividades de força devem ser feitas duas vezes ou mais na semana
- Perca peso, se necessário
- Se toma medicação, siga a prescrição médica e compareça às consultas conforme a orientação dada
- Abandone o cigarro
- Reduza o consumo de álcool
Convivendo com a doença
- Uso de medicamentos, quando necessário
- Alimentação equilibrada, prática regular de exercícios físicos e controle do peso
- Redução do consumo de sal e temperos prontos industrializados. Use cebola, alho, louro, salsinha, cebolinha, manjericão, pimenta-do-reino, hortelã, orégano, entre outros
- Restrinja a ingestão de alimentos ultraprocessados em geral. Prefira itens in natura ou minimamente processados (arroz, feijão, frutas, legumes e verduras)
- Aumente o consumo de frutas, verduras, legumes, produtos lácteos com baixo teor de gordura, cereais integrais, peixes, aves e oleaginosas (castanhas, amendoim, nozes)
- Evite bebidas adoçadas
- Valorize o momento das refeições, prestando atenção ao que come, sem distrações como TV ou celular
- Não fume e evite ambientes onde se fuma
- Reduza o álcool
Números
- Estima-se que mais de 1,2 bilhão de adultos entre 30 e 79 anos tenham hipertensão no mundo. A maior parte desse contingente está em países de baixa e média renda
- 46% dos hipertensos não sabem que têm essa condição
- Menos da metade (42%) dos adultos hipertensos é diagnosticada e tratada
- Apenas um em cada cinco (21%) dos adultos hipertensos têm a doença sob controle
Fontes: Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS)