Antes que você termine de escutar uma música com mais de dois minutos de duração, pelo menos uma pessoa morre em decorrência de doenças cardiovasculares no Brasil. Isso porque enfermidades como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca representam as principais causas de óbitos no país: são mais de 1,1 mil por dia, cerca de 46 por hora e um a cada 90 segundos, conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
A estimativa é que, até o final deste ano, quase 400 mil pessoas tenham morrido por doenças do coração e da circulação no país. Até o meio-dia desta segunda-feira (17), o Cardiômetro da SBC registrou mais de 320 mil óbitos, mas medidas preventivas e o tratamento adequado dos fatores de risco podem ajudar a evitar complicações e diminuir esses números nos próximos anos.
Abaixo, o diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia e chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Paulo Caramori, que esteve presente no 77º Congresso Brasileiro de Cardiologia, realizado entre 13 e 15 de outubro, no Rio de Janeiro, ajuda a tirar dúvidas sobre os cuidados com a saúde cardiovascular e dá dicas sobre como se afastar dos principais fatores de risco. Confira:
Quando devemos começar a cuidar da saúde cardiovascular?
A rigor, temos que começar a cuidar antes de nascer, porque parte da saúde cardiovascular é geneticamente determinada. Então, saber o que aconteceu com a nossa família vai ter impacto nas decisões que vamos tomar ao longo da vida, ou deveria ter impacto, pelo menos. Pessoas que têm familiares que enfartaram precocemente devem se cuidar mais do que as pessoas que não tem histórico de doença cardiovascular na família. Depois de nascer, as principais coisas que devemos começar a fazer são associadas à dieta, à obesidade e à atividade física. Então, desde a idade precoce, as nossas famílias e as nossas escolas tem que estimular as crianças a comerem bem, e comer bem é ter uma dieta que seja mais rica em vegetais e menos rica em carboidratos de muito fácil de digestão, menos rica em bolachinha e pãozinho, que são coisas doces que a criança gosta, dá um prazer a ela comer aquilo, mas que vão causando problemas de saúde ao longo do tempo. Também tem o controle do peso, que é primo da dieta, mas não é a mesma coisa, porque temos que comer bem e não ter excesso de peso ao mesmo tempo, além da atividade física. A criança deve ser estimulada a praticar exercícios desde o início, o que é um grande desafio hoje. No passado, os pais brigavam para que as crianças estivessem em casa antes de anoitecer, por exemplo. Hoje, tem que brigar para largar o celular e ir para rua. Então, é um desafio para nossa sociedade daqui para frente manter essas coisas que são básicas.
A pandemia de covid-19 teve impacto no problema do excesso de peso e da obesidade entre as crianças, que já era preocupante antes. Isso vai se refletir na saúde cardiológica dos futuros adultos?
Vai se refletir, lamentavelmente. Porto Alegre é a capital brasileira com maior índice de obesidade entre adultos. Então, já partimos de um ambiente que não é bom. É muito interessante que esse ambiente também é fruto da maior disponibilidade de alimentação, porque os nossos antepassados não tinham refrigerador em casa, não tinham comida, não tinham supermercado cheio desse jeito que temos hoje. Então, essa facilidade de acesso se transforma em uma armadilha para cada um de nós, e a pandemia, nos mantendo dentro de casa, mais reclusos e mais ansiosos em relação a outras coisas da nossa vida, aumenta a chance de as pessoas comerem mais para se satisfazerem, porque não têm contato com outras pessoas, isso é muito ruim.
Antigamente, algumas pessoas acreditavam que doença cardiovascular era um problema exclusivo dos mais velhos. Essa crença ainda se mantém ou as pessoas agora estão se preocupando mais cedo com a saúde?
Acho que as pessoas têm se preocupado e dado atenção para isso cada vez mais precocemente. Acho que o mundo tem tido um movimento em relação a isso. Agora, se alguém tem um carro, uma moto ou qualquer outro equipamento, como o celular, e não o trata bem ao longo do uso desse equipamento, ele vai estragar mais precocemente, e isso é igual com o ser humano. Não adianta chegar aos 50 anos, com doença cardíaca, e querer mudar o passado, porque não conseguimos mudar o passado. Então, a inteligência emocional está em estabelecer um padrão de comportamento que nos leve à longevidade saudável. A medicina hoje é capaz de consertar muita coisa, mas ela não tira, muitas vezes, a doença da pessoa, a pessoa fica sendo consertada sucessivamente. Por isso, ter uma vida inteligente, se afastando dos fatores de risco é muito melhor do que tratá-la depois que algo estragou.
Há outros fatores de risco para doenças cardiovasculares?
Tem sete tópicos que são importantes para a saúde cardiovascular e nós falamos de três: dieta, obesidade e atividade física. Tem um quarto que é o tabagismo, que geralmente acontece um pouquinho mais velho, depois que a pessoa está entrando na adolescência. Se expor ao tabagismo é péssimo, cada cigarro fumado cobra um preço na saúde cardiovascular. Não tem dose segura de cigarro: quanto mais você fumar, pior fica o seu coração e outros órgãos também. Além disso, o tabagismo está associado ao câncer e à doença pulmonar, mas também está fortemente associado à doença cardiovascular. Então, fugir do tabaco é o quarto item. Depois disso, tem mais três problemas de saúde importantes, que são mais vinculados à assistência médica propriamente dita, que é cuidar da pressão arterial, do colesterol e da glicose. Diabetes, colesterol alto e hipertensão arterial são os três principais fatores de risco para doença cardiovascular, mas eles já são praticamente doenças, que vão levar a um desfecho ruim, como infarto, AVC e morte cardiovascular antecipada. A maneira prática de cuidar da saúde cardiovascular é ficando atento a essas sete coisas, e aí depende da fase da vida em que a pessoa está. Se está cuidando do filho pequeno, faz a criança se mexer, dá comida decente, não dá alimento superprocessado, não fica dando bolachinha e suco toda hora, muito menos refrigerante adoçado. Qualquer coisa líquida adoçada tem que ser afastada da vida da criança.
E como se afastar desses fatores?
A vida saudável desde o início reduz a chance de a pessoa ter colesterol alto, diabetes e hipertensão arterial, mas essas coisas podem ser geneticamente determinadas. Então, a pessoa pode ser jovem, atleta, magra e ter colesterol alto, glicose alta e pressão alta. Nesses casos, entra em campo o tratamento farmacológico, que deve ser dado pelo médico cardiologista, que vai identificar a situação e o tratamento adequado. O colesterol e a pressão, principalmente, mas também o diabetes, são doenças muitas vezes assintomáticas. Então, nós não sabemos qual é a nossa pressão agora e, se esperarmos para ter sintomas, vamos estar errando com muita frequência. Pressão e colesterol têm que ser medidos. E, mesmo se a pessoa tiver uma dieta superadequada, é possível, sim, que ainda tenha colesterol elevado. Não é infrequente, porque é geneticamente determinado nessa situação e ainda não conseguimos mudar a genética das pessoas. Daqui a pouco, talvez consiga, mas hoje temos que tratar a alteração laboratorial mesmo sem o paciente sentir nada, porque com aqueles números de laboratório elevados, a pessoa tem mais chance de ter infarto ou AVC ao longo da vida.
Esse monitoramento da pressão, do colesterol e da glicemia deve ser feito por meio dos exames de rotina, uma vez por ano, ou se a pessoa tem histórico familiar precisa fazê-lo com mais frequência?
A sugestão mais pragmática é fazer uma primeira avaliação com seu cardiologista, que ele vai somar todos esses fatores e vai prever. Hoje tem ferramentas que dizem qual é o risco de o indivíduo ter um problema cardiovascular e as medidas que o cardiologista vai tomar dependem de enxergar qual é o risco que a pessoa tem. Então, se um indivíduo tem muito baixo risco, não tem porque tomar ação nenhuma ou tomar medicação, porque a gente não vai baixar, o que é muito baixo não dá para ser baixado. Agora, se o risco é intermediário ou alto, o cardiologista vai começar a dar tratamentos para esses fatores de risco para que a pessoa não desenvolva doenças no futuro.
Esse primeiro contato com o especialista deve ser com que idade?
Acho que tem que ser precoce, porque tem doenças que têm incidência familiar muito alta, como a chamada dislipidemia familiar. Para quem tem esse distúrbio genético, podemos fazer o diagnóstico ainda na infância. Então, tem que ser precoce e mais precoce em quem tem histórico de doença cardiovascular na família ou quem está com excesso de peso ou quem está fumando e não consegue parar de fumar. Quanto mais risco a pessoa tem, mais precoce tem que ser a visita ao cardiologista, e, a partir dessa visita inicial, ele vai programar com a pessoa como que deve ser o acompanhamento ao longo da vida. Agora tem um tópico adicional: controlar os fatores de risco não é garantia de que a pessoa não vá ficar doente. Mas, havendo sintomas, havendo problema cardiovascular, a medicina está muito avançada em resolver e minorar aquele problema. Então, se alguém tem falta de ar, dor no peito, palpitação, arritmia, tem que procurar o cardiologista logo, porque é que como um carro que está começando a subir temperatura, se esperar ferver o motor, pode fundir o motor e o mecânico não conseguir consertar mais aquilo. Por isso, tendo sintomas cardiovasculares, a indicação é procurar um cardiologista, que vai ser capaz de usar toda essa tecnologia que tem hoje de tratamento para evitar que aquela doença progrida e que seja letal para a pessoa. Doença cardiovascular é a principal causa de morte no nosso meio, 40% das pessoas vão morrer de doença cardiovascular, isso inclui nós mesmos. Então se tiver sintomas, vá logo no médico. Boa parte das doenças cardiovasculares tem um comportamento parecido com um vulcão: fica quieta por muito tempo, vai piorando por dentro, a pessoa não sente nada e, de repente, entra em erupção. Se não tratarmos no momento da erupção, perdemos o momento adequado de tratamento e, às vezes, o cardiologista não consegue mais recuperar um dano permanente que ocorreu no coração. Quando começar a manifestação, procure um tratamento, procure o cardiologista, porque ele vai ser capaz de corrigir aquele problema.
*A repórter viajou para o Rio de Janeiro a convite da farmacêutica Novartis.