Autoimagem, etarismo, relevância, convivência entre gerações, desmistificação da velhice. A consultora de longevidade e diversidade Karen Garcia de Farias reflete sobre uma variada pauta relacionada à terceira idade, aproveitando a semana das eleições municipais para salientar a importância do voto dos idosos — no Brasil, a presença diante da urna eletrônica é facultativa a partir dos 70 anos.
Aos 57 anos, Karen, natural de Porto Alegre, debate o envelhecimento de gerações e pensa também sobre o próprio passar do tempo, que vem encarando com tranquilidade depois de uma fase turbulenta no passado. Para a comunicadora, pós-graduada em marketing e neurociência e comportamento, há beleza em características como rugas e cabelos brancos.
— Árvore nenhuma vai viver do mesmo jeito a vida toda — garante a consultora.
A importância do voto
“A pessoa idosa precisa estar atenta à importância do voto nas eleições (o voto é facultativo a partir dos 70 anos). Penso que é importante para que exercitem a cidadania, pensem no que é importante para elas em termos de políticas públicas de saúde, educação, geração de trabalho, assistência social. Estamos falando em SUS, Previdência, Sistema Único de Assistência Social (Suas), e o município é o grande gestor de políticas como essas. É o município quem faz a entrega desses serviços a essas pessoas. Os idosos precisam estar atentos à importância que têm, ainda mais no nosso Estado, que é o mais envelhecido do Brasil, e na nossa Capital, que é uma das cidades mais envelhecidas do país. As pessoas idosas não se deram conta do seu potencial mobilizador, da sua força enquanto movimento, diferentemente de movimentos de negros e LGBT+.”
O etarismo no Brasil
"O Brasil é um dos países mais idadistas (etaristas) do mundo. Números da Organização Mundial da Saúde dizem que, no mundo, uma a cada duas pessoas são idadistas com relação à pessoa idosa. No Brasil, temos uma intersecção do sexismo e da valorização da juventude. Isso faz com que o idadismo se potencialize ainda mais. Temos uma cultura essencialmente idadista que é muito cruel porque trabalha em desfavor de todas as pessoas. É cruel com todas as pessoas que vão envelhecer, mas é mais cruel com aquelas de grupos minorizados, como a mulher, a pessoa com deficiência, o negro. Com a mulher, em especial, é muito cruel. Hoje em dia, meninas muito novas estão fazendo procedimentos estéticos para atenuar efeitos do envelhecimento. O que é isso se não o idadismo já funcionando? Imagina com o passar do tempo, imagina quando a velhice estiver instalada. A mulher que tem a beleza estética como valor se perde, não consegue encontrar o seu sentido, o seu valor como mulher, como ser humano no mundo. A beleza é passageira.”
Jovens e velhos devem conviver
“Crianças e jovens devem conviver com pessoas mais velhas. Temos que mostrar que a velhice não é tabu. Criamos uma dicotomia entre crianças e mais velhos. No passado, existia uma convivência muito maior entre avós e netos. Hoje isso pouco acontece por distanciamento das famílias, rotina mais corrida, famílias menores. É importante que existam projetos nas escolas. Está posto no Estatuto da Pessoa Idosa que deve haver projetos de educação para o envelhecimento, para a longevidade. Para combater o idadismo, são importantes a intergeracionalidade, a educação, campanhas de comunicação, pesquisas a respeito do assunto, legislação. O idadismo não está nas pessoas apenas, também está na estrutura das empresas. É institucionalizado.”
Transmissão de legado
"Todos se beneficiam da convivência. Crianças e avós se beneficiam, especialmente, do aprendizado uns com os outros. A criança aprende que a velhice é algo pleno e potente e que velho é uma coisa bonita, gostosa. Ela vai criar laços afetivos, bonitos, com relação à pessoa mais velha. E a pessoa mais velha, convivendo com seus netos, com os mais novos, vai resgatar vitalidade. Os avós falam do quanto é gostoso estar com seus netos, o quanto isso traz de vitalidade, de um olhar curioso sobre a vida, um olhar mais vivaz e diferente sobre o que, aparentemente, já não tinha mais graça. Essa convivência renova e gera aprendizado mútuo. É também o momento em que o mais velho transmite um legado para a geração mais nova. Aprendi com o meu avô coisas que carrego na minha vida: nuvem rabo de galo no céu é sinal de chuva, sol vermelho é sinal de seca. Carrego comigo a receita da maionese da minha avó, faço para as minhas filhas, que vão carregar com elas para os seus filhos. É a transmissão de legado que só acontece por meio da intergeracionalidade.”
Como desmistificar a feiura da velhice
“A beleza está em ser quem se é. A beleza está na nossa essência. Não existe padrão de beleza. A beleza é aquilo que somos. Quem disse que velho é feio foi quem inventou que a beleza é branca, jovem e tem olhos azuis, que a beleza é eurocêntrica. Em outras culturas, não é assim. Existem dezenas de outras culturas que não estabelecem que essa é a beleza bonita. Temos que nos redescobrir, nos descolonizar e nos entender como seres bonitos de dentro para fora. Temos que olhar para as rugas que carregamos e entender que elas contam uma história.”
Proximidade da terceira idade
“Tenho 57 anos. Estou encarando (essa proximidade) com muito, muito orgulho. Tive uma crise grande com a idade por volta dos 42 anos, quando minha mãe adoeceu. Comecei a me perceber velha. Na época, minha mãe tinha 65 anos, ‘velha, doente, perto da morte, e eu estou indo pelo mesmo caminho’. Aí fui estudar a respeito. Sou uma mulher branca, de olhos verdes, classe média, estou nesse padrão de beleza que julgam bonito. Pensei: ‘Meu Deus, como vai ser comigo?’ Conforme fui estudando, fui entendendo que tinha muito a ver com autoconhecimento. E aí voltamos ao que eu falava: a beleza está dentro da gente. Você olha para a sua mão cheia de rugas e vê que a sua beleza está nisso, reconhece que tem uma história aqui. Olha para o seu cabelo, o cabelo que está embranquecendo, e diz que acolhe esse cabelo porque ele tem uma trajetória. Olha para o corpo que está mudando e pensa que faz parte do ciclo de vida. A natureza é assim e eu faço parte da natureza. Árvore nenhuma vai viver do mesmo jeito a vida toda. Olha como a árvore enruga ao longa da vida. Eu também enrugo. E, como a árvore, vou ser frondosa. Estamos tão dentro de cidades, prédios, carros, celulares, que vamos perdendo a conexão com os ciclos da natureza.”