Ensinamentos passam de pais para filhos, de avós para netos, e vão moldando gerações. O núcleo das relações familiares mais próximas é essencial para a transmissão de valores, condutas e regras. Interdependentes, as pessoas se guiam umas pelas outras, fortalecendo laços. Sob o impacto da catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul, a importância dessas ligações se evidencia ainda mais neste momento.
Entre os Weber, família muito unida, é fácil listar os elementos fundamentais que foram transmitidos a partir de Geni, 73 anos, e Ciro Weber, 76, para a filha Marcia Berbigier Weber, 47, e então ao neto Henrique Weber dos Santos, 14. Numa conversa com Geni e Marcia, elas logo enumeram o que é mais importante na ampla família de que fazem parte: diálogo, respeito e fé.
— Nunca vi meus pais brigando. Isso tem na minha casa também. A gente pode discordar, mas não discute. Não grita, não briga na frente do Henrique — diz Marcia, que trabalha como contadora.
Geni costuma conversar muito com os netos. São assuntos da rotina de cada um e também lembranças da sua própria história que despertam a curiosidade dos jovens, como a necessidade de utilizar uma lamparina para fazer o deslocamento até o banheiro, que ficava fora da residência. A relação de Geni com Henrique é muito próxima. O neto costuma passar temporadas de verão com os avós na praia de Ibiraquera, em Santa Catarina.
— Ser avó é ser mãe duas vezes. Com os netos, a gente tem mais tempo — constata Geni, diretora de escola aposentada.
A crença nos ensinamentos cristãos envolve todos os membros da família. Antes das refeições, faz-se uma oração. Na hora de viajar, também.
— Temos esses valores muito presentes. Nossa fé uniu as gerações, passou de uma geração para as outras. Na fé, conseguimos fazer grandes mudanças — afirma Geni.
Sintonia entre avós e pais é fundamental
Com pais sobrecarregados pelo trabalho, é cada vez mais comum que os avós sejam muito presentes no cotidiano dos netos, passando boa parte do tempo com eles. Não se trata de períodos apenas de lazer e convivência desobrigada, como antigamente. Agora, idosos acabam tendo mais responsabilidades, pois somam os papéis de avós com os de cuidadores. Ainda assim, especialistas ressaltam, repetidamente, que a educação é tarefa dos pais, a ser enfatizada e complementada pelos avós.
— As crianças têm que receber limites e “nãos” desde o primeiro dia. Muitas vezes, há um choque, e os avós acabam se perdendo porque querem ser apenas avós — pontua a psicóloga Senia Reñones, autora do livro Chocolate Meio Amargo, sobre uma relação de avó e neta.
O regramento precisa ser semelhante em todas as casas que a criança e o adolescente habitam. Os avós não podem desautorizar os pais, destaca Senia, que ilustra essa orientação com um exemplo corriqueiro:
— Se os pais são contra a criança tomar refrigerante, é muito importante que os avós entendam o embasamento para essa escolha.
A psicóloga Renata Pechansky Axelrud, especialista em psicoterapia da infância e da adolescência e codiretora de Ensino do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e da Adolescência (Ceapia), chama a atenção para a importância da conversa entre todos os adultos envolvidos.
— A criança tem que ter coerência nessa trama familiar, no que ela recebe. Não pode haver muita discrepância, senão ela vai ficar dividida sobre quem ela pode confiar e ter como referência — explica Renata.
São gerações muito diferentes, as de avós e pais, salienta a psicóloga. Um ponto do qual não se pode fugir é o uso de telas (smartphones, tablets, computadores, videogames). Mesmo que tenham dificuldade com o uso, idosos não podem se afastar completamente, deixando os netos totalmente livres quanto ao tempo de uso ou ao conteúdo consumido nesses dispositivos.
— Aparecem dificuldades, mas as crianças estão tão por dentro que explicam para os avós como funciona. Os adultos têm que estar abertos e receptivos a esse mundo digital. É uma grande mudança, mas as crianças vivem nesse mundo — observa Renata.
Responsabilidades e obrigações à parte, a interação entre avós e netos deve ser sempre permeada pelo que de mais importante caracteriza esses laços: o afeto.
— O papel principal dos avós é a função narrativa, poder transmitir a história familiar, assegurar e reassegurar as identificações que vêm passando de geração em geração. Compartilhar histórias, trocar afetos, promover novas conexões. Isso vai dando sentido para a criança sobre a realidade, a existência dela no mundo, a sua história — conclui a psicóloga do Ceapia.