Há anos, Fran Winandy é ativista no combate a um preconceito muito comum, mas ainda pouco conhecido: o etarismo, ou seja, a discriminação baseada na idade. A pesquisadora vem contribuindo para dar visibilidade ao assunto e promover uma mudança de cultura, especialmente no mercado de trabalho, fomentando a diversidade etária.
Ela é uma das principais referências no Brasil quando se trata de diversidade etária. Ela foi a primeira a escrever um livro sobre a discriminação de idade. A obra “Etarismo: Um novo nome para um velho preconceito” foi lançada originalmente em 2021 e relançada no ano passado pela editora Matrix.
Psicóloga com MBA em Recursos Humanos e Mestrado em Administração, Fran realiza consultorias para implementar programas de diversidade etária e integração geracional nas organizações. Nas redes sociais, ela aborda o tema de forma acessível, trazendo exemplos do cotidiano para traduzir o preconceito. Para a especialista, a discriminação começa a ser sentida bem antes da velhice, com efeitos que atingem toda a sociedade, incluindo os jovens.
Ela também lançou em 2023, junto de Patrícia Santos, o livro “Vamos falar de etarismo: 100 perguntas para discutir preconceito de idade e gerar conscientização e mudança de atitudes”.
Como surgiu a ideia desses livros sobre etarismo e que contribuições as obras trazem?
Há muitos textos acadêmicos e científicos sobre esse tema, que têm uma linguagem que nem todo mundo consegue acessar, e muitas pessoas não têm paciência para ler. Eu quis escrever sobre isso de uma forma mais simples, para que todos possam compreender e participar dessa luta contra o preconceito etário. E para mostrar que o etarismo não é só um preconceito voltado para pessoas mais velhas. Até então, tínhamos muitos textos sobre o preconceito contra idosos, mas nos meus estudos eu constatei que se trata de um preconceito etário, independentemente da idade. Eu também quis abordar as intersecções do etarismo com outros pilares da diversidade, como questões de gênero, raça e da população LGBT+. Queria algo que conseguisse atingir as pessoas, para que elas se sintam desconfortáveis de não participarem desse movimento. Todo mundo pode contribuir de alguma forma, e quem ainda não enfrentou esse preconceito pode vir a enfrentar no futuro.
Esse assunto ganhou muita repercussão nos últimos anos. Você acredita que esse movimento contra o etarismo vem ganhando força?
Eu fico em dúvida sobre isso. Quando eu saio da minha bolha, percebo que muitas pessoas não entendem o meu trabalho, ou nem mesmo sabem o que é preconceito etário. Isso é muito comum. Eu sempre digo que a velhice é um alvo em movimento. Conforme eu vou me aproximando do alvo, ele vai indo para a frente e ficando mais distante. Então, a gente nunca chega lá, porque a gente não quer chegar. A gente acha que envelhecer é algo ruim. Normalmente, um velho não se acha velho. Assim, do mesmo jeito que eu não falo da morte, eu não falo da velhice. É um tema que as pessoas evitam. E isso é estranho, porque a gente deveria se preparar para a velhice, assim como a gente se prepara para uma viagem, por exemplo. A velhice é uma etapa importante da vida.
Eu sempre digo que a velhice é um alvo em movimento. Conforme eu vou me aproximando do alvo, ele vai indo para a frente e ficando mais distante. Então, a gente nunca chega lá, porque a gente não quer chegar. A gente acha que envelhecer é algo ruim.
Com o processo de envelhecimento da população, você acredita que as pessoas vão passar a ter outro olhar para as gerações mais velhas? Ou essa discriminação será um problema ainda maior?
Olhando para a nossa pirâmide etária, percebe-se que nós vamos ficar muito mais tempo velhos. Vamos passar mais tempo velhos do que jovens. E o preconceito etário só vai aumentando. A Organização Mundial da Saúde aponta que os idosos são os que mais sofrem com a discriminação etária. Porque nós ainda temos uma sociedade muito jovem-cêntrica. Existe uma associação da beleza com a juventude, e o medo de envelhecer. Os filtros nas redes sociais mostram isso. Todo mundo acha que vai ser eternamente jovem. As pessoas só começam a se preocupar com essa questão etária quando elas entram nessa faixa cinzenta, de estar chegando na velhice. Por exemplo, aos 40 anos, você começa a se sentir excluído do mercado de trabalho, começa a perceber que as pessoas não querem te contratar por conta da idade. Então, isso começa a te incomodar e você começa a prestar atenção no envelhecimento.
Qual é o impacto dessa discriminação no mercado de trabalho?
Existe uma dificuldade muito grande de trazer pessoas acima de 50 anos para dentro das empresas. O percentual é muito baixo. Acima dos 60, então, não chega a 1%. E essas pessoas recebem salários baixos, as coisas ainda estão andando bem devagar. Ao mesmo tempo em que existe essa luta para abrir mais espaço para pessoas acima de 50 anos nas empresas, eu entendo também que temos outra briga, que é entender que não necessariamente essas pessoas terão acesso a emprego, e sim a trabalho. A trabalhos mais flexíveis, como prestação de serviços, talent as a service, esse tipo de coisa. Porque as empresas ainda não estão com abertura para contratar pessoas acima de 50 anos. Só que se nós estamos envelhecendo e tendo menos filhos, então, temos menos pessoas no mercado. Hoje, ainda não é uma necessidade do mercado de trabalho trazer pessoas acima de 50 anos, mas amanhã será. E se eu, como Recursos Humanos, não preparo as minhas lideranças para isso, como é que eu vou resolver isso depois? Nos países desenvolvidos já existe esse problema da falta de mão de obra. E no Brasil não vai ser diferente. Lá atrás, a gente tinha seis filhos. Hoje, a gente não chega a dois filhos por casal. E a tendência é diminuir. Por isso que o Brasil está envelhecendo tão rapidamente. Estamos tendo menos filhos e vivendo por mais tempo. Mas essa é uma conversa recente no nosso país. A economia prateada, por exemplo, é uma economia de milhões. Temos que trazer mais produtos e serviços para esse mercado de pessoas acima dos 60 anos. É um oceano de oportunidades para esse público, que são pessoas que consomem, que querem sair da invisibilidade.
Como as organizações devem agir para combater essa discriminação e promover a diversidade etária?
Normalmente, as empresas querem ficar no raso. Elas querem uma palestra sobre etarismo na semana da diversidade, ponto. E aí você não avança, não aprofunda. As empresas têm que ser intencionais em tudo. Tem que ser feito um balanço etário, tenho que olhar como está a minha pirâmide dentro da organização, buscar pessoas para completar esse mapa dentro da minha empresa. Por exemplo, se eu só tenho pessoas abaixo de 50 anos dentro da empresa, ou tenho um percentual muito pequeno de pessoas acima de 50 anos, vamos mudar isso. No mínimo, vamos refletir o que a gente tem na nossa sociedade e o que temos dentro da organização. Esse pode ser um bom parâmetro. Em termos de gênero, em termos de raça, em termos de idade, fazer esse reflexo para dentro. Porque a empresa nada mais é do que um reflexo da nossa sociedade. Eu tenho que ter isso, porque o meu cliente tem essa representatividade. Se eu vou atender um cliente que tem mais de 50 anos, eu preciso ter dentro da empresa alguém que olhe para esse cliente com esse mesmo olhar. Se eu atendo clientes jovens, eu tenho que ter jovens também. Não é uma forma de tokenismo. É mudança de cultura. É isso vai me trazer negócios e trazer melhores resultados. Isso é pensar no ‘S’ do ESG. Eu tenho que ser intencional no processo seletivo, nas promoções, nas transferências, no desenvolvimento dos colaboradores, e na questão dos desligamentos. Temos que pensar em um programa de educação para a longevidade. A nossa sociedade está envelhecendo e temos que preparar todo mundo para isso, isso também é papel das organizações. Por isso, precisamos trabalhar as lideranças, as áreas de RH, as áreas de diversidade.
Se o etarismo não é só contra pessoas idosas, quais são os impactos para as demais faixas etárias?
As pessoas mais jovens sentem questões relacionadas à falta de credibilidade, dificuldade quando vão encarar um cliente, por exemplo. Ou quando você vai num médico, por exemplo, você leva seu bebê num pediatra e você acha que esse pediatra é muito jovem, não leva a sério. Eu comecei a ouvir relatos de pessoas trazendo esses preconceitos em relação a outras fases da vida. A pressão na mulher para que ela engravide, por exemplo. Nas empresas, eu vejo muito as pessoas mais velhas falando que a juventude não tem comprometimento, que não gostam de trazer a geração Z para o time porque as pessoas mais jovens perdem a paciência e saem da empresa, não querem fazer um trabalho profundo, não aguentam ouvir críticas, são cheias de “mimimi”. Isso é etarismo, se eu digo que eu não vou contratar uma pessoa mais jovem no meu time porque ela não se compromete, porque ela é superficial. Isso são estereótipos que os mais velhos atribuem aos mais jovens. Assim como os mais jovens dizem que os idosos são muito teimosos, ou que eles não conseguem aprender nada de novo. O preconceito existe dos dois lados. Esse é meu trabalho nas organizações, fomentar o diálogo intergeracional e acabar com esse discurso do “nós contra eles”.
Qual a importância da diversidade etária nas empresas?
Precisamos praticar a empatia para mostrar como isso é rico, aproveitar o melhor de cada geração. A gente não pode colocar as pessoas em caixinhas. Quando falamos em gerações, é claro que estamos rotulando, mas usamos isso para facilitar. Não podemos generalizar. Não podemos dizer que todo mundo da geração Z é assim, todo mundo da geração Y é assado. Às vezes acontece de uma pessoa mais jovem participar de uma reunião e passar mais tempo no celular, por exemplo, e as pessoas mais velhas ficam incomodadas, acham que é falta de educação e que a pessoa não está prestando atenção. Mas não é, é uma outra lógica que a pessoa tem, outro estilo de vida. Temos que estar abertos a compreender o lado do outro, isso melhora muito o clima. É uma mudança de cultura, que não se faz de uma hora para a outra. A diversidade etária também contribui para trazer benefícios como inovação, criatividade, envolvimento, aumento de produtividade. E ainda traz o bônus de ampliar o pool de talentos. A gente fala em programa de jovens talentos, não pensamos em “velhos talentos”. Quando você tira a idade dessa equação, qualquer pessoa pode ser um potencial talento. A idade não deveria ser um critério para nada.
Temos que estar abertos a compreender o lado do outro, isso melhora muito o clima. É uma mudança de cultura, que não se faz de uma hora para a outra.
Por que você diz que os efeitos do etarismo são ainda mais fortes para as minorias?
As intersecções entre as formas de preconceito são muito maiores do que a soma de cada uma delas. Uma mulher preta com mais de 50 anos tem muito mais dificuldade de conseguir um trabalho, por exemplo. As mulheres têm questões como a menopausa. Tem o fogacho, que causa constrangimento nelas. Tem a questão das rugas, dos cabelos brancos. Por isso que a diversidade etária, apesar de ter sido a última bola levantada dentro desse esforço pela diversidade, deveria ser a principal, porque você consegue trabalhar todas essas interseccionalidades, a idade atravessa tudo. Raça, gênero, orientação sexual, pessoas LGBT+, a questão das pessoas trans acima de 50 anos. Até pouco tempo atrás, você não conseguia nem encontrar essas pessoas, porque elas não viviam para ter mais de 50 anos. Felizmente, isso mudou, e já existem movimentos para trazer essas pessoas para dentro das empresas. Mas ainda estamos engatinhando.