Existe hoje um entendimento de futuro que faltou a gerações passadas: sabemos que nossa vida será longa e que viveremos muito mais do que nossos antepassados. Perceber-se envelhecendo, e considerar que essa fase, dos 40 anos em diante, será a mais extensa, é fundamental para cada um e também para a sociedade.
Essa é uma das ideias destacadas, nesta entrevista, pela especialista em longevidade Candice Pomi. Além de mudar a cultura de rechaço à velhice, a psicóloga paulistana afirma que é preciso considerar outros aspectos para garantir qualidade de vida depois dos 60 anos: planejamento pessoal, de trabalho e financeiro. Os chamados “três Fs” também são indispensáveis: flexibilidade, força e fôlego.
— Se você não consegue amarrar o próprio sapato, ir ao mercado e carregar as próprias sacolas, vai aumentando o seu tempo de dependência de outras pessoas — observa.
Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.
Quais são os componentes fundamentais para uma vida longa?
É um combo. Estudando pessoas longevas, centenárias, com uma qualidade de vida boa, aprendemos que há o cuidado com a saúde física, que envolve sono, movimento do corpo e alimentação; com a saúde mental, emocional, social, a capacidade de lidar com os obstáculos da vida com ferramentas para fazer boas escolhas, escolher amigos e deixar amizades que não são boas, fazer novos amigos até o fim da vida; tem obviamente o pilar financeiro; a capacidade de aprendizado, o capital cognitivo; e a saúde espiritual também ajuda a fortalecer, ao longo da jornada, em relação a perdas, modificações e pressões pelas quais você vai passar. São esses os pilares. Mas, seguramente, uma das coisas mais importantes é pensar que a minha geração, com 40, 50 anos agora, tem um componente a mais. Falo que ganhamos um spoiler da vida, que é saber que vamos viver muito. As gerações passadas não sabiam disso e não se prepararam para isso. Então, é quase como uma negligência não se cuidar e não se preparar para essa segunda metade da vida.
Quando é que se deve começar a planejar o envelhecimento?
O mais cedo possível. Idealmente, deveríamos aprender sobre o envelhecimento, sobre os desafios do envelhecimento, na escola. Lá a gente aprende que nasce, cresce, se reproduz e morre. Só que, entre se reproduzir e morrer, temos, pelo menos, 50 anos. Essa fase, que é a mais longa da vida, demanda preparo. Se pensarmos que, em todas as fases anteriores, a adolescência, a vida adulta, a maternidade, a carreira, em todas essas etapas da vida tivemos preparo, pensamos antes, então não pensar na fase que vai ser a mais longa da vida realmente é quase como se descuidar e negligenciá-la. Quanto mais cedo, mais importante esse letramento. As pessoas me perguntam: “Mas e se eu me dei conta disso com 60?” Quanto mais cedo melhor, mas nunca é tarde demais. Se você, mesmo com 70, começar a fazer exercício físico, é melhor do que nunca fazer. Começar a se alimentar melhor com 60 anos é melhor do que nunca fazer isso. Regularizar seu sono, fazer novos amigos, se interessar por aprendizado, quanto mais cedo melhor. Mas se você chegou aos 60 e não tinha se dado conta disso, ainda há tempo. Com certeza, todos esses aspectos vão trazer possibilidades de melhoria e desenvolvimento nessa fase da vida.
Envelhecer é um desafio maior para homens ou mulheres?
É para todos. O que sabemos, por dados, é que a velhice, no Brasil, é feminina. As mulheres vivem de seis a oito anos a mais do que os homens. Isso acontece por vários fatores. Os homens estão mais expostos, com mais riscos. Por outro lado, elas se cuidam mais, fazem exames preventivos, têm mais amigas, se dividem em múltiplas tarefas, em grupos diferentes. O homem, muitas vezes, deixa para se cuidar depois de se aposentar, não faz exames preventivos, e a rede de afetos ou social à qual ele está vinculado, na grande maioria das vezes, é a rede profissional. Quando se aposenta, ele passa por uma grande perda, um grande luto, porque perde não só o trabalho, mas toda uma rede de amigos também. Essas diferenças acabam fazendo com que a mulher tenha mais repertório, mais ferramentas para lidar com o processo de envelhecimento. Inclusive, elas têm uma rede de proteção e afeto, para pedir ajuda, para dividir as tristezas e as alegrias, muito melhor estabelecida.
A maturidade traz muitas construções, e as pessoas não entendem isso, elas acham que têm que fazer tudo até os 50: patrimônio, carreira, relacionamento. Tirando filhos, por uma questão biológica, você pode seguir construindo tudo na segunda metade da vida.
CANDICE POMI
psicóloga e especialista em longevidade
Quais são os maiores desafios dos idosos na sociedade de hoje?
O primeiro grande desafio é entender que a velhice será uma etapa larguíssima na nossa vida. A gente vai passar mais tempo se vendo como velho do que se vendo como jovem. Tem um fator cultural tremendo porque muita gente não lida bem com isso. A juventude é fugaz, efêmera. Você fica na juventude, o quê? Cinco anos? Dez anos? E vamos ficar envelhecendo dos 40 para a frente. Na verdade, biologicamente, já estamos envelhecendo desde que saímos da barriga da mãe, do ponto de vista celular. Mas, do ponto de vista de se olhar no espelho e se ver envelhecendo, a partir dos 40 anos a gente já começa a entender que não é mais jovem. Então, o primeiro grande desafio é a autopercepção da velhice, é você entender que será uma fase longa, que você vai passar por muitos desafios, e que essa é uma fase tão importante quanto qualquer outra que você já atravessou. O segundo é entender que a maturidade traz muitas construções, e as pessoas não entendem isso, elas acham que têm que fazer tudo até os 50: patrimônio, carreira, relacionamento. Tirando filhos, por uma questão biológica, você pode seguir construindo tudo na segunda metade da vida. Muitos empreendedores, donos de startup, pessoas bem-sucedidas começaram a ter sucesso depois dos 50, 60 anos. Essa visão de que a juventude é sinal de potência precisa ser mudada. Então, o primeiro desafio que todo mundo enfrenta, principalmente no Brasil, é a questão cultural, de achar que só a juventude é bela, potente, alegre. A partir do momento em que achamos que estamos velhos para usar tal roupa, para começar um negócio ou para começar ou terminar um relacionamento, estamos sendo etaristas com a gente mesmo. Quando entendemos que essa vida é uma continuação, é aí que a chave muda. E tem outros desafios mais práticos, como a questão financeira. Mesmo sabendo que a gente vai se aposentar com 65, na melhor das hipóteses, teremos que seguir trabalhando de alguma forma porque não há como se sustentar por quatro décadas com uma aposentadoria que, na maioria das vezes, é o piso. Como é que a gente se prepara para diferentes trabalhos e como a sociedade também se prepara, os RHs das empresas, para absorver essa mão de obra?