Um dos maiores desafios a serem enfrentados no Rio Grande do Sul nos próximos anos é a inversão da pirâmide etária. Com isso, teremos uma população com mais idosos do que crianças e adolescentes, e no Estado essa transição está acelerada. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a população brasileira deve parar de crescer em 2041, quando o país atingir seu máximo de 220,4 milhões de habitantes, conforme a estimativa.
O RS é o Estado mais idoso do país, com 2,1 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o equivalente a 20,15% de sua população. A capital gaúcha está entre as 10 cidades grandes com a população mais idosa do Brasil. Atualmente, 21% dos 1,3 milhão de moradores de Porto Alegre têm 60 anos ou mais, ou seja, 292,2 mil pessoas.
Até 2022, eram 15,76% da população. Os dados são do último censo demográfico. Neste cenário, é necessário ampliar políticas públicas para garantir os direitos das pessoas idosas.
As futuras gestões municipais que serão escolhidas em outubro na eleição precisam olhar para essa população e suas demandas. Para a professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Guita Grin Debert, em boa parte dos municípios há uma lacuna nas ações voltadas aos idosos dependentes, que não possuem autonomia funcional e exigem cuidados o tempo inteiro:
— Essa fase é a mais longa da vida, especialmente nesse contexto em que temos pessoas centenárias. São pelo menos 40 anos de vida. Com isso, há diferenças importantes entre as pessoas idosas. Elas estão em diferentes situações funcionais. Falamos em políticas de velhice, mas estamos dando mais atenção aos ‘jovens velhos’ e deixando de lado o setor que é mais dependente. Essa é a fase mais triste e precária.
Para a pesquisadora, é dever das prefeituras garantir serviços de saúde de qualidade e acessíveis para pessoas com problemas de locomoção, por exemplo, considerando que boa parte dos idosos dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso também pode auxiliar no combate às desigualdades, uma vez que pessoas idosas em situação de vulnerabilidade nem sempre têm o apoio da família ou condições financeiras de arcar com os custos de cuidados especiais.
Caso aprovada, a Política Nacional de Cuidados pode contribuir para que essas políticas avancem. O Projeto de Lei 2762/24 está em tramitação na Câmara dos Deputados. A medida busca reduzir a sobrecarga de trabalho das mulheres em tarefas de amparo a filhos, idosos e pessoas com deficiência. A proposta pretende ainda garantir condições decentes para trabalhadores remunerados do cuidado, entre outros objetivos.
Serviços de qualidade
Uma alternativa já implementada em algumas cidades brasileiras, incluindo Porto Alegre e outros municípios gaúchos, é a modalidade de cuidado domiciliar a idosos em situação de vulnerabilidade social e fragilidade clínica. A iniciativa foi ampliada com a criação do programa Melhor em Casa, do Ministério da Saúde, que prevê atendimento domiciliar a pacientes que não precisam ficar internados, mas que ficam no hospital porque não têm outra opção de tratamento.
Outra medida importante que precisa ser ampliada, segundo Guita Grin Debert, são os centros-dia, espaços públicos de acolhimento destinados a pessoas idosas que tenham algum grau de dependência de cuidados, com o intuito de evitar o isolamento social e o abandono. Esses locais contam com alimentação, oficinas, atividades físicas e culturais.
Em Porto Alegre há dois locais com essa proposta – o Centro Dia do Idoso Nascer do Sol, localizado na Zona Norte, e o Centro Dia do Idoso Portal da Felicidade, na Zona Sul. Somando com unidades da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) que realizam acolhimento de idosos, como abrigos e instituições de longa permanência, a prefeitura oferece 210 vagas.
Conforme a pesquisadora, a sociabilidade é fundamental para a saúde mental na velhice. Assim como em outras fases da vida, as pessoas precisam estabelecer relações e conexões para além do ambiente familiar. Na Capital, um dos locais que promove esses encontros diariamente é o Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (CMET) Paulo Freire, no bairro Santana.
Para além da escolarização formal, com turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a instituição conta com um centro musical repleto de atividades culturais, criado há mais de 20 anos. Boa parte dos frequentadores são pessoas acima dos 60 anos – alguns deles são vinculados à EJA, e outros participam porque se apegaram à turma ou pelo desejo de aprender.
— Faz uns dois anos que comecei aqui e minha vida mudou. Aqui a gente tem amigos, tem mais qualidade de vida. Eu nem penso na minha idade, me importo mais com os meus desejos, eu sempre gostei de cantar. Eu sempre tive uma mente jovem, a música deixa a gente assim — conta a professora aposentada Lígia Canavezi, 77 anos, que participa do coral da escola, batizado de Freirencanto.
Já Tânia de Abreu, ascensorista aposentada de 79 anos, afirma que frequenta o grupo há cinco anos e não pensar em abrir mão.
— Eu vim aqui para aprender técnica vocal, uma amiga me indicou e disse que era de graça. Os professores são maravilhosos, muito pacienciosos. O tempo que eu poderia estar em casa pensando, sozinha, eu venho aqui para aprender — relata.
O conjunto conta com pessoas de diversas faixas etárias. Um dos participantes mais antigos é o artista autista Ângelo Bandel Foreste, 45 anos. Ele conta que o que mais gosta de fazer é cantar e participar do Freirencanto.
Cantar com eles me dá alegria.
ÂNGELO BANDEL FORESTE
Artista autista
Cenário econômico
O pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Jorge Felix, defende que a transição demográfica deve ser entendida como algo positivo pelos governos, e não como um problema. Essa virada de chave pode ser uma saída para retomar o crescimento em uma conjuntura com menos mão-de-obra no mercado de trabalho, com uma população cada vez menos jovem.
— Só podemos mudar esse cenário se mudarmos a nossa mentalidade em relação ao envelhecimento, com respostas construtivas à dinâmica demográfica. Hoje, existe a visão de que o envelhecimento é só despesa para os governos. Mas esse processo representa uma oportunidade de se adotar medidas que possam impulsionar a economia. Para isso, nós temos que melhorar a produtividade da economia. Precisamos de estímulos a uma produção mais sofisticada — afirma.
O docente da Universidade de São Paulo (USP) defende que as prefeituras precisam trabalhar, junto às universidades e centros de pesquisa, para desenvolver um ecossistema de inovação, com novos produtos e serviços voltados às demandas do envelhecimento. Essa deve ser uma preocupação para as prefeituras, tendo em vista o processo de despovoamento dos municípios gaúchos.
— O decrescimento vegetativo, que está avançado no RS, atinge em cheio a economia e o bem-estar das pessoas idosas. A tendência é que os jovens se mudem, o que deve causar um enxugamento na quantidade de mão-de-obra. Cada profissional terá um valor fenomenal na metade do século, porque vamos estar carentes de pessoas — destaca Felix.
Conforme a estimativa do IBGE, o recuo populacional será bastante desigual regionalmente. O Rio Grande do Sul deve atingir seu pico populacional já em 2026, tendo redução a partir de 2027. De acordo com um estudo da Fiocruz assinado por Felix, o fenômeno do despovoamento ainda é pouco perceptível no país, mas foi acelerado pela pandemia de covid-19, que alterou a dinâmica demográfica.
O levantamento indica que 114 municípios gaúchos registraram número de mortes acima do de nascimentos em 2020.
Mobilidade urbana
Outro aspecto que precisa ser considerado e fortalecido pelos gestores, segundo Felix, é a mobilidade urbana, que ainda é precária em vários municípios. Para o pesquisador, que estuda sociologia urbana, o transporte tem relação direta com a saúde e o bem-estar das pessoas idosas.
— Transporte é igual à saúde em uma sociedade super envelhecida. As pessoas idosas usam o transporte, sobretudo, para se deslocar para o trabalho, em primeiro lugar, e em segundo para ir ao hospital ou ao posto de saúde para fazer algum tratamento — explica.
Conforme Felix, a obrigatoriedade de gratuidade do transporte público para pessoas idosas foi uma grande conquista, mas muitas cidades adotam a faixa etária acima dos 65 anos, como consta na legislação, sendo que outras já têm isenção para pessoas acima dos 60 anos, como São Paulo. Ele diz que é necessário estender esse benefício a todas as pessoas idosas.
— Havia uma visão preconceituosa, idosista, de que o poder público dava passagem gratuita para as pessoas se divertirem, passearem. A questão é que o transporte é fundamental para a saúde, para a prevenção de doenças. E mesmo que seja usado para lazer, isso contribui com a saúde mental das pessoas idosas — afirma.