Depois de países da Europa, o desafio perigoso de "fumar cotonete" também está circulando em redes sociais de usuários do Brasil. A nova moda entre crianças e adolescentes tem preocupado pais e também especialistas, que alertam para os riscos à saúde provocados pela liberação de substâncias tóxicas a partir da queima do produto. Além de causar doenças respiratórias — com necessidade de internação em casos mais graves —, o uso prolongado pode causar o surgimento de câncer.
Em vídeos publicados em redes sociais, jovens aparecem acendendo a haste flexível, que é conhecida popularmente como "cotonete" e utilizada para a higienização de ouvidos, nariz e umbigo. Em seguida, eles inalam a fumaça provocada pela queima do algodão (que fica nas pontas) e do plástico da haste flexível.
— O cotonete tem uma haste de plástico e as duas pontas de algodão. A queima desses materiais vai liberar substâncias que são tóxicas para o pulmão e para a saúde, de um modo geral. Estudos científicos ainda vão se aprofundar sobre os riscos, mas, em princípio, o plástico quando submetido à combustão libera substâncias comprovadamente cancerígenas. Ou seja, a exposição por um longo prazo pode aumentar, inclusive, o risco de câncer — alerta Cláudio Luiz Ferraz, pneumologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP).
Já o algodão tem fibras orgânicas que quando são submetidas à queima liberam substâncias tóxicas que causam inflamação e irritação.
— Podendo ocasionar um estreitamento das vias aéreas, que pode provocar tosse, falta de ar, chiado no peito, broncoespasmos e internações — acrescenta o pneumologista da BP.
— Além de intoxicação pela fumaça do plástico e do algodão, a ação pode ainda provocar queimadura nos lábios e face (pelo plástico que pode pegar fogo e se alastrar), além de induzir o hábito de fumar — acrescenta Caroline Peev, pediatra e coordenadora do Pronto-Socorro do Sabará Hospital Infantil.
— Os pacientes asmáticos ou com bronquite têm maior hiperreatividade brônquica, que significa maior chance de ter uma crise grave induzida por qualquer apercebo externo, incluindo o algodão e substâncias liberadas pelo plástico aquecido — reforça a coordenadora do Pronto-Socorro do Sabará Hospital Infantil.
O pneumologista da BP concorda que o risco é ainda maior para pessoas que já sofrem com doenças respiratórias.
— O risco de fumar cotonete é mais acentuado em pacientes com rinite alérgica e asma, doenças mais prevalentes em pessoas mais jovens, assim como em casos de enfisema pulmonar, como é popularmente conhecida a Dpoc (doença pulmonar obstrutiva crônica), em pessoas acima de 40 anos, principalmente com o risco de aumento de crises e de internações, como observamos em pacientes quando expostos durante período de queimadas pelo país — afirma ele.
Ninguém deve fumar. Mas, caso a pessoa faça uso e tenha falta de ar, após inalar a fumaça, é importante que procure auxílio médico o quanto antes.
— De falta de ar e chiado no peito até sinais de intoxicação por monóxido de carbono, como dor de cabeça, náusea, sonolência e cianose (lábios e extremidades roxas), que apontam para o risco de parada cardiorrespiratória — ressalta Ferraz.
O risco de inalar substâncias tóxicas
Enquanto a queima do plástico pode liberar substâncias comprovadamente cancerígenas, a inalação de partículas de fibras de algodão, contidas na extremidade das hastes, pode causar bissinose, doença ocupacional de trabalhadores da indústria do algodão.
— Ao inalar, deliberadamente, todos estes resíduos químicos, no mínimo, compromete-se as vias respiratórias, e a repetição frequente potencializa a ocorrência de patologias respiratórias como a pneumonia química causada pela inalação de substâncias que agridem os pulmões — acrescenta Ubiracir F. Filho, doutor em vigilância sanitária e conselheiro no Conselho Federal de Química (CFQ).
— Além disso, a inalação de partículas de fibras de algodão causa bissinose, doença ocupacional de trabalhadores da indústria do algodão, que provoca o estreitamento das vias aéreas, provoca chiado no peito e pode até reduzir a capacidade funcional dos pulmões da pessoa — completa.
Conforme o doutor em vigilância sanitária, as substâncias químicas são seguras aos seres vivos e ao meio ambiente, quando manipuladas ou expostas de forma consciente e profissional. No entanto, ao ultrapassarem os níveis elevados de temperatura, os plásticos podem liberar diversas substâncias químicas que são comprovadamente tóxicas, prejudiciais à saúde, até cancerígenas.
— A fumaça resultante da queima dos plásticos pode conter substâncias comprovadamente tóxicas, como, por exemplo, o cianeto, aldeídos e hidrocarbonetos cancerígenos, conforme os alertas da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) — acrescenta o conselheiro do CFQ.
Segundo ele, durante o processo de queima ou combustão, como essa ação praticada indevidamente por jovens, pode-se verificar inclusive a formação de fuligem, aquela fumaça preta.
Como conscientizar o jovem a evitar o hábito?
A cada ano, novos desafios surgem na internet entre jovens e especialistas destacam a importância de manter o diálogo com os filhos.
— O desafio de fumar cotonete, surgiu na Europa e já chegou ao Brasil. Vemos agora muitos jovens e até crianças tentando fazer. É a questão do pertencimento, que atinge principalmente jovens com baixa autoestima. Por isso, é importante o olhar dos pais para esses jovens — orienta Cristina Borsari, coordenadora do departamento de psicologia do Sabará Hospital Infantil.
— Tivemos o desafio da Baleia Azul, há alguns anos, com aumento até do risco de suicídio. No ano passado, o desafio Momo, obra de arte japonesa que assustava crianças e foi bem disseminado pelo WhatsApp. Todas essas redes sociais - TikTok, Instagram e até WhatsApp - têm alcance rápido e viralizam mundialmente — acrescenta ela.
Segundo a psicóloga, mais do que controlar o que os filhos estão vendo na internet, a família deve estabelecer uma conexão por meio do diálogo, atuando de forma preventiva.
— Claro, que não tem hoje como proibir o filho de ter uma rede social, faz parte do desenvolvimento dele, mas é possível limitar e criar regras. E sempre ser vigilante ao que está assistindo. Para ter controle participativo por meio do diálogo e não autoritário — afirma.
Os pais devem orientar e ficar em alerta para que os filhos não comecem a adquirir este hábito que é muito preocupante, reforça o pneumologista da BP.
— As escolas também podem desenvolver ações preventivas. Tivemos recentemente a onda, que na verdade ainda tem acometido o mundo inteiro, do cigarro eletrônico, que provocou o surgimento de doenças novas como a evali, inflamação aguda no pulmão que leva à internação e até óbito do paciente. Esses novos métodos de fumo são muito preocupantes, assim como o cigarro convencional — lembra Cláudio Ferraz.