Abandonar o tabagismo pode ser tão difícil e complexo que nem graves episódios de saúde conseguem fazer com que alguns indivíduos larguem o cigarro. Especialistas lidam com pacientes que já passaram por infarto e acidente vascular cerebral (AVC) ou têm doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) — espectro que inclui a bronquite crônica e o enfisema — e seguem reféns do vício.
Marli Maria Knorst, chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e presidente da Comissão de Controle de Tabagismo da instituição, depara com casos assim na rotina da assistência.
— Já pararam aqueles para quem era mais fácil parar. A pessoa com dependência da nicotina fuma sem perceber, é automático — observa a pneumologista.
Pessoas que param de fumar antes dos 35 anos apresentam índice de mortalidade similar ao de pessoas que nunca fumaram depois de um determinado período de tempo longe do cigarro, de acordo com estudo publicado em outubro no Journal of the American Medical Association (Jama).
Quem deseja se livrar do cigarro precisa, em primeiro lugar, de vontade própria.
— Para alguns, é bem difícil, e às vezes tem que tentar cinco ou seis vezes. Não pode desistir, tem que continuar tentando. O mais importante de tudo é a motivação. Tem que querer parar. Com as outras coisas, podemos ajudar — diz Marli.
A mudança comportamental está na base do tratamento. É fundamental entender a fissura, os gatilhos, quebrar rotinas. Quem precisar pode receber medicação para os sintomas de abstinência. Na rede pública, unidades básicas de saúde podem acolher os dependentes ou encaminhá-los a outros locais. Há abordagens individuais e também em grupos. Usuários de planos de saúde devem procurar um pneumologista. Existem hospitais que dispõem de núcleos especializados para atacar o problema. Investigar outras questões associadas é essencial.
O tabagismo é uma doença crônica, sem cura, mas que pode ser controlada. A exemplo do alcoolista, que precisará para sempre negar o primeiro gole, o fumante terá de resistir à vontade de tragar.
— Quando está sem fumar, a pessoa entra em uma fase de manutenção que vai durar a vida toda. Ela será uma fumante que não estará fumando. Tem pacientes que passam 10, 15 anos sem fumar e recaem — atesta Marli.
O cigarro eletrônico exige um alerta importante: é cigarro também. Trata-se um jeito mais moderno de fumar, mas igualmente maléfico, causando dependência. De acordo com a Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira (AMB), a grande maioria dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) contém alta concentração de nicotina. Existem aqueles que, apesar de anunciarem a ausência da substância, contêm o produto mesmo assim. É a nicotina que provoca o vício. A importação, a comercialização e a propaganda de cigarros eletrônicos são proibidas no Brasil, mas o uso é disseminado.
— Sempre se tenta passar a ideia de que é uma coisa menos agressiva do que o cigarro, e isso não é verdade. Geralmente, os efeitos do cigarro (convencional) serão percebidos depois de anos de consumo. O cigarro eletrônico pode causar doença gravíssima de forma aguda. Há jovens com lesão pulmonar aguda. Não podemos subestimar essa nova epidemia que está aparecendo. Profissionais, pais e escolas têm que ficar atentos. Depois que começa, é difícil parar — afirma Marli.
Malefícios do tabagismo
- Pode piorar mais de 50 doenças
- É fator de risco para problemas cardiovasculares (como cardiopatia isquêmica e AVC) e respiratórias, mais de 20 tipos de câncer (entre eles, pulmão, lábio, boca, garganta, esôfago, estômago, rins, bexiga, colo de útero e pâncreas) e outras condições debilitantes
- Diminui a fertilidade de homens e mulheres
- Causa envelhecimento precoce
- Pode antecipar a menopausa
- No caso de gestantes, a nicotina passa a barreira placentária e eleva a frequência cardíaca do bebê. Pode provocar morte do feto ou parto prematuro. No pós-parto, a substância é eliminada no leite materno
- Todos os anos, mais de 8 milhões de pessoas morrem em decorrência do uso de tabaco
Fontes: Marli Maria Knorst, pneumologista, e Organização Mundial da Saúde (OMS)
Razões para parar de fumar
A Organização Mundial da Saúde (OMS) elenca mais de cem motivos para abandonar o cigarro. O conteúdo completo pode ser acessado no site da OMS, em inglês, e na página do Ministério da Saúde, traduzido para o português. Confira 10 das razões:
- Fumantes têm maior risco de desenvolver quadro grave de covid-19
- Fumantes contabilizam até 22 vezes mais probabilidades de desenvolver câncer de pulmão ao longo da vida do que não fumantes. O tabagismo é a principal causa de câncer de pulmão, provocando mais de dois terços das mortes por tumor nesse órgão em todo o mundo
- Não fumantes expostos ao fumo passivo podem desenvolver câncer de pulmão
- Crianças menores de dois anos expostas ao fumo passivo em casa podem ter infecções auditivas, capazes de comprometer a audição e levar à surdez
- O uso do tabaco afeta negativamente as interações sociais e os relacionamentos
- Fumar pode causar disfunção erétil — há restrição do fluxo sanguíneo para o pênis, impedindo a ereção. O problema é mais comum em fumantes e é muito provável que persista ou se torne permanente, a menos que o homem pare de fumar precocemente
- Fumar provoca doenças oculares que, se não tratadas, podem levar à perda permanente da visão
- O tabagismo é um fator de risco para demência, grupo de transtornos que resultam em declínio cognitivo
- Componentes da fumaça do tabaco enfraquecem o sistema imunológico, colocando os fumantes sob risco de infecções pulmonares
- Bitucas de cigarro estão entre os resíduos mais descartados no planeta e são o lixo mais comum coletado em praias e margens fluviais