Uma liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso no domingo (4), que suspende a lei do piso nacional da enfermagem, ainda repercute no país. Por um lado, a categoria busca valorização dos profissionais da área e, por outro, gestores públicos e de instituições hospitalares dizem que não há como pagar os salários.
Na manhã desta segunda-feira (5) o Gaúcha Atualidade da Rádio Gaúcha ouviu representantes dos dois pontos de vista: o diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antonio Britto, que sugere que o poder público destine mais recursos com base nos novos salários, e a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), Cláudia Ribeiro da Cunha Franco, que diz que a liminar surpreendeu a categoria, que está "desiludida e se sentindo enganada".
Origem dos recursos
Britto começou explicando que entende necessidade a valorização dos profissionais, mas que mesmo antes de a lei ser aprovada no Congresso, já havia o alerta de que a maioria dos hospitais não conseguiria pagar o valor atualizado. Desde então, essas instituições pediram aos parlamentares que, além de votar a proposta, identificassem uma solução financeira:
— Quando o processo avançou, o Congresso esqueceu da segunda tarefa, fez apenas a primeira. Portanto a lei foi aprovada sem que houvesse, sem que haja, fontes. (...) Se ligarem para qualquer hospital e perguntarem se está sobrando dinheiro, vocês vão ouvir que não. Porque não sobra dinheiro nos hospitais públicos do SUS. Não sobra dinheiro nas Santas Casas. E a despesa de pessoal é a maior despesa que existe. Então, é óbvio que não haveria como cobrir um piso salarial que reajusta em média 60% a folha.
O presidente da associação diz que o custo anual aumentaria R$ 16 bilhões, considerando 2.511 hospitais, clínicas e laboratórios de todo o país, conforme levantamento realizado pela entidade. Ele estima que cerca de 20 mil leitos estão sujeitos a ser fechados, o que representa uma ameaça a 83 mil empregos. Esses dados, segundo o presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados, foram apresentados ao Congresso antes da aprovação do piso nacional da enfermagem.
— Toda a despesa do Ministério da Saúde para o ano que vem é R$ 160 bilhões. Esses R$ 16 bilhões (impacto financeiro) são 10% do que o Ministério da Saúde gasta. (...) O Brasil quer que seja paga a despesa? Ok. Vamos então achar R$ 16 bilhões. Se eles não forem achados, o que vai acabar acontecendo é demissão e redução de leitos. Coisa que ninguém quer e que ninguém pode admitir que aconteça.
Cláudia contrapõe e lembra que, quando ainda tramitava na Câmara e no Senado, houve discussão quanto ao impacto financeiro:
— Foi exigido pelo Congresso uma comissão de impacto financeiro. Tiveram assento nessa comissão as entidades tanto dos trabalhadores quanto as entidades patronais. Então me surpreende o Britto colocar que não foi discutido o impacto. Foi discutido. O que nos chama a atenção, na realidade, é uma pesquisa feita sem nenhum amparo científico, porque não tem fonte científica nenhuma, e ele se baseia nessa pesquisa para criminosamente jogar uma categoria de 2,7 milhões de profissionais contra a população ameaçando fechar leitos.
Ela ainda defende que os dados são diferentes e que, ao entrar em vigor, o pagamento do piso aos enfermeiros significa 2,2% do orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e 4,7% no caso de planos privados. Cláudia diz que os representantes dos enfermeiros que acompanharam a discussão no Congresso contrataram o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para apresentar estudos financeiros.
— Ninguém está falando em exorbitância. Existe uma necessidade de que os hospitais e os entregadores façam gestão. E fazer gestão é se ter um plano de cargos e salários, fazer com que não se tenha disparates muito grandes dentro das instituições. A gente vê hoje as instituições terem cargos de assessoria com salário altíssimo, tendo com isso trabalhadores precarizados e ganhando muito mal. Então acho que isso é uma questão da gente fazer o dever de casa.
Ela cita o Hospital de Clínicas de Porto Alegre como exemplo positivo. Segundo Cláudia, os profissionais que atuam na instituição contam com um plano de cargos que valoriza a equipe:
— Hoje, dentro do Hospital de Clínicas não existe profissional que ganhe menos que o patamar mínimo que está previsto na lei. Então, acho que a gente tem que também começar... Eu vou citar no Rio Grande do Sul o Hospital de Clínicas, mas tem mais.
Ela lamenta que a realidade é diferente e que em outras instituições ainda existe o desnível de salário entre os trabalhadores. A presidente do Sindicato dos Enfermeiros defende que a decisão da maioria, resultado da aprovação do piso no Congresso, seja atendida.
— Nós nunca nos negamos enquanto entidade trabalhista, nunca deixamos de lutar pelo financiamento dos hospitais que são os nossos maiores empregadores e pelo aumento da tabela do SUS. Agora, a gente não pode ser penalizada por uma não aceitação desses empregadores. O ministro Barroso se manifestou ontem, mas não em cima da ação de inconstitucionalidade. Ele se manifesta em cima de uma questão que já está vencida pelo Legislativo. Pedir o impacto da empregabilidade, pedir o impacto financeiro. Não é o que estava para ser votado pelo ministro Barroso. O que estava para ser avaliado pelo ministro Barroso era a questão da inconstitucionalidade.
Mobilização
Cláudia explica que os enfermeiros já organizam reuniões e discutem ações para tentar reverter a liminar do STF. A categoria também vai tentar dialogar com outros ministros do Supremo. Uma manifestação, marcada para sexta-feira (9) deve reunir os profissionais de enfermagem, em local a ser definido.
— A gente já viu, ontem, a rede social ser inundada por cartazes. Como foi lá no início da pandemia. Pedindo que as pessoas fiquem em casa, agora os colegas em plantão, começaram a escrever cartazes a mão e colocar esses cartazes pedindo respeito, pedindo valorização, pedindo que o ministro se sensibilize com a enfermagem.
Próximos passos
A decisão do ministro Barroso, que ainda será apreciada pelos demais ministros do STF, é resultado de uma ação movida pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços (CNSaúde). Antes de um desfecho final no Supremo, municípios, estados e entidades da área da saúde têm o prazo de 60 dias para informar o impacto financeiro para os atendimentos e os riscos de demissões diante da implementação do piso.