Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já formaram maioria, na quinta-feira (15), para manter a liminar que suspendeu a validade do piso nacional para profissionais da enfermagem (enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras). A votação será concluída nesta sexta (16) sem possibilidade de mudança no resultado, que já tem placar de 7 votos a 3.
A Lei 14.434/2022 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 4 de agosto e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. O piso estipulado seria de R$ 4.750 para os enfermeiros; de R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem; e de R$ 2.375 para os auxiliares de enfermagem e parteiras.
Em 4 de setembro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso atendeu a um pedido liminar encaminhado pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) e suspendeu a validade do piso.
Entidades contrárias ao pagamento do piso argumentam que não há fonte para financiamento desses valores. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou, ainda na quinta-feira, que parlamentares devem apresentar possibilidades de solução para o impasse até a próxima segunda-feira (19).
Confira, nos tópicos a seguir, como está a situação até o momento.
A votação no STF
O STF já tem maioria para manter a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu a validade do piso nacional da enfermagem até que o governo e o Congresso definam uma fonte de recursos para bancar o aumento de gastos. O assunto é debatido em sessão virtual da Corte, que deve terminar nesta sexta-feira (16).
Até a quinta-feira (15), seis ministros já haviam acompanhado o voto de Barroso para suspender a lei que cria o piso: Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux. De outro lado, pela manutenção do piso, votaram os ministros Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin. Assim, o placar ficou em 7 a 3 a favor da suspensão. Ainda falta o voto da ministra Rosa Weber, que assumiu a presidência do STF nesta semana.
A lei aprovada no Congresso
Pela lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 4 de agosto, o piso seria de R$ 4.750 para os enfermeiros, R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para os auxiliares de enfermagem e parteiras.
A liminar
No dia 4 de setembro, o ministro Barroso atendeu a pedido de liminar feito pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) e concedeu prazo de 60 dias para que os envolvidos na questão possam encontrar soluções para garantir o pagamento. A CNSaúde questionou a constitucionalidade da lei.
Na decisão, Barroso ressaltou que era preciso valorizar a categoria, mas que, no momento, "é necessário atentar aos eventuais impactos negativos da adoção dos pisos salariais impugnados". Para o ministro, Legislativo e Executivo não cuidaram das providências para viabilizar a implementação do piso: “No fundo, afigura-se plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada. Nessa hipótese, teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta”.
A partir de agora
A grande discussão é de onde sairão os recursos para pagamento do piso a esses profissionais. Com a decisão do STF, o governo ganha tempo para discussão. Essa decisão vale até que se esclareça o impacto financeiro da medida para estados, municípios e hospitais.
Presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco afirmou, na quinta-feira, que convocará uma reunião de líderes em busca de soluções para que seja possível pagar os valores previstos na lei do piso. Para Pacheco, a posição do STF não “sepulta” o piso nacional da enfermagem, mas o suspende. Ele afirmou que, até a próxima segunda-feira (19), parlamentares devem apresentar “soluções possíveis” para garantir a fonte de custeio a estados, municípios, hospitais filantrópicos e privados.
Há alguns dias, Pacheco apresentou algumas propostas de subsídio, incluindo a desoneração da folha de pagamentos do setor, a compensação do custo com o piso sobre a dívida dos Estados, além da correção da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Na Câmara dos Deputados, tramitam mais de 20 projetos relacionados à correção da tabela do SUS.
O impacto
De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), o impacto financeiro provocado pela criação do piso da enfermagem pode prejudicar o atendimento de saúde a mais de 500 mil pessoas no Rio Grande do Sul. O número está em um estudo produzido pela entidade, que representa as prefeituras do país, e indica ainda que administrações municipais gaúchas teriam de demitir 180 equipes — 6% do contingente — dos programas Estratégia Saúde da Família (ESF) e de Atenção Primária à Saúde (EAP) para incorporar a despesa adicional de R$ 33,4 milhões anuais com o pagamento do mínimo da enfermagem. Com isso, 511.892 gaúchos atendidos por essas duas iniciativas teriam o atendimento afetado.
No total, o gasto adicional das prefeituras do Estado com o novo piso é projetado pela CNM em R$ 288 milhões em 12 meses. Considerando todos os municípios do país, o impacto anual chegará a R$ 10,5 bilhões. Esses valores não consideram a repercussão na rede privada e filantrópica.
Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antonio Britto, sugeriu, em entrevista à Rádio Gaúcha em 5 de setembro, que o poder público destine mais recursos com base nos novos salários.
— Quando o processo avançou, o Congresso esqueceu da segunda tarefa, fez apenas a primeira. Portanto a lei foi aprovada sem que houvesse, sem que haja, fontes. Não sobra dinheiro nos hospitais públicos do SUS. Não sobra dinheiro nas Santas Casas. E a despesa de pessoal é a maior despesa que existe. Então, é óbvio que não haveria como cobrir um piso salarial que reajusta em média 60% a folha — disse Britto, destacando que o custo anual aumentaria R$ 16 bilhões, considerando 2.511 hospitais, clínicas e laboratórios de todo o país, conforme levantamento realizado pela entidade.
Cláudia Ribeiro da Cunha Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), afirmou, no mesmo programa, que a liminar surpreendeu a categoria, que está "desiludida e se sentindo enganada".
— Foi exigida pelo Congresso uma comissão de impacto financeiro. Tiveram assento nessa comissão as entidades tanto dos trabalhadores quanto as entidades patronais. Então me surpreende o Britto colocar que não foi discutido o impacto. Foi discutido. O que nos chama a atenção, na realidade, é uma pesquisa feita sem nenhum amparo científico, porque não tem fonte científica nenhuma, e ele se baseia nessa pesquisa para, criminosamente, jogar uma categoria de 2,7 milhões de profissionais contra a população, ameaçando fechar leitos.
A repercussão
Os conselhos de enfermagem do Brasil, reunidos na 24ª edição do Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem, divulgou, nesta sexta-feira (16), a Carta de Fortaleza, cidade que sediou o evento, encerrado na véspera. "A enfermagem brasileira reafirma em uníssono que não abrirá mão de um piso justo e decente, que seja suficiente para erradicar os salários miseráveis que são praticados contra trabalhadoras e trabalhadores da ciência do cuidado. Chega! Não é mais possível conviver com enfermeiras e enfermeiros recebendo R$ 1,3 mil por 176 horas de trabalho mensal e muito menos com técnicas, técnicos e auxiliares de ganhando R$ 900 líquidos ao mês por 44 horas de trabalho semanais", diz trecho do texto. Os signatários afirmam que o encontro "deveria ser um momento de plena celebração para a maior categoria profissional da saúde brasileira, mas o instante é de profunda apreensão e reflexão".
Em outro ponto, o manifesto destaca: "É verdade que entidades filantrópicas, Santas Casas e municípios pobres passam por dificuldades, mas elas não foram causadas pela enfermagem. Pelo contrário, é graças à abnegação de enfermeiras, enfermeiros, técnicas, técnicos e auxiliares de enfermagem que essas organizações continuam abertas, a despeito de todos os obstáculos que enfrentam. (...) Os conselhos convidam essas entidades a ficarem ao lado das trabalhadoras e dos trabalhadores, com quem sempre puderam contar, e contra quem usa a imagem dessas instituições apenas para defender interesse econômico privado, sem apontar soluções para os problemas concretos do setor. Do lado certo, é possível encontrar saídas para o subfinanciamento da saúde".
A Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul, seguindo orientação da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), informou à reportagem que só se manifestará após o encerramento do prazo para o término da votação no STF, às 23h59min desta sexta-feira.
O Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs) publicou nota em seu site na qual afirma que, mesmo com a decisão do STF, seguirá mobilizado para garantir o pagamento do piso aos profissionais. Ações devem ser promovidas nos próximos 60 dias, prazo que o Congresso Nacional tem para apresentar as fontes de recursos para a efetivação do piso da enfermagem. "Esse é um período em que as entidades farão pressão total", diz a nota do Sergs, que convoca para atos no dia 21 de setembro.
"A suspensão dos efeitos da lei por 60 dias é uma manobra totalmente descabida e sem sentido para retardar o pagamento, que tem por trás o lobby das entidades patronais", avalia a entidade, no comunicado.