O impacto financeiro provocado pela criação do piso da enfermagem pode prejudicar o atendimento de saúde a mais de 500 mil pessoas no Rio Grande do Sul. O número consta em um estudo produzido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), entidade que representa as prefeituras do país.
De acordo com o levantamento, as prefeituras gaúchas teriam de demitir 180 equipes —6% do contingente— dos programas Estratégia Saúde da Família (eSF) e de Atenção Primária à Saúde (eAP) para incorporar a despesa adicional de R$ 33,4 milhões anuais com o pagamento do mínimo da enfermagem. Com isso, 511.892 gaúchos atendidos por essas duas iniciativas teriam o atendimento afetado.
No total, o gasto adicional das prefeituras do Rio Grande do Sul com o novo piso é projetado em R$ 288 milhões em 12 meses. Considerando todos os municípios do país, o impacto anual chegará a R$ 10,5 bilhões. Esses valores não consideram a repercussão na rede privada e filantrópica.
Os dados foram apresentados durante coletiva de imprensa com o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski, nesta segunda-feira (12). Durante a entrevista, Ziulkoski explicou que caso os profissionais não sejam desligados (em alguns casos, as regras da administração pública impedem demissões), as prefeituras terão de transferir recursos de outras rubricas para cobrir os custos do acréscimo na remuneração da enfermagem, o que afetará campanhas de vacinação, compra de medicamentos e custeio de exames.
De acordo com o estudo, em todo o país, 34,9 milhões de pessoas ficariam desamparadas caso os municípios efetivassem as demissões para suprir o custo do novo piso. Para custear a despesa, 11,8 mil equipes de saúde da família e de atenção primária teriam de ser dispensadas. Os Estados mais impactados são das regiões Norte e Nordeste.
— Nenhum prefeito e, eu diria, nenhum cidadão é contra o piso dos enfermeiros e profissionais de saúde. Só que não adianta criar uma despesa a mais se não temos como suportá-la — disse o presidente da CNM.
Ziulkoski alertou que, além do impacto direto no salário dos profissionais concursados, os municípios estão sendo cobrados por acréscimos no repasse de valores a organizações sociais contratadas para prestar serviços de área da saúde. Segundo ele, a instituição do novo piso sem a destinação de receita correspondente vai prejudicar os brasileiros mais pobres, que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde.
— Muitos municípios podem não demitir, mas de onde vai sair o recurso para pagar o aumento no piso? Vai continuar diminuindo a cobertura de vacinação porque os municípios não terão como pagar mais pessoas e ampliar a logística para fazer a busca. Vai ter menos veículos para buscar o doente, menos remédios, cortes em exames — projetou.
O piso da enfermagem foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A lei determina um pagamento mínimo de R$ 4.750 a enfermeiros nos serviços público e privado de saúde. Técnicos de enfermagem devem receber ao menos 70% desse valor (R$ 3.325), e auxiliares de enfermagem e parteiras, 50% (R$ 2.375).
O ato foi criticado desde a tramitação no Legislativo por prefeitos e entidades que representam hospitais privados por aumentar as despesas sem previsão de novos recursos.
Impacto orçamentário
Durante a entrevista coletiva, Ziulkoski ressaltou que, em média, os municípios brasileiros estão aplicando 22,1% da receita na área da saúde, sete pontos percentuais acima do mínimo constitucional, que é de 15%.
Isso ocorre pela redução do financiamento dos Estados e, sobretudo, da União, em razão do subfinanciamento de programas federais na área. No caso do Brasil Sorridente, voltado à saúde bucal, a defasagem no repasse de recursos chega a 150%.
De acordo com a CNM, a revisão da tabela SUS, discutida no Congresso como forma de bancar o reajuste, não seria efetiva porque atingiria apenas serviços de média e alta complexidade.
A entidade afirma que, para cobrir o custo do aumento salarial, seria necessário um acréscimo de 1,5% no repasse do Fundo de Participação aos Municípios (FPM).
Julgamento no Supremo
A obrigatoriedade de pagamento do piso da enfermagem foi suspensa em 4 de setembro por decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de ação movida pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde). Na decisão, Barroso mencionou o impacto financeiro da medida e o risco de fechamento de leitos decorrente de eventuais demissões na área da saúde.
O tema foi levado ao plenário virtual do STF, em julgamento que irá até sexta-feira (16). Atualmente, o placar está em cinco votos a três pela manutenção da decisão de Barroso.
Votaram com o relator, pela suspensão do piso, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Em voto divergente, André Mendonça opinou pela derrubada da liminar e pelo pagamento imediato do novo salário. O entendimento foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Nunes Marques.
Ainda não votaram na ação os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber.