O Rio Grande do Sul fará parte de um estudo com uma proposta audaciosa – traçar o perfil das crianças em idade pré-escolar do mundo inteiro, no que se refere a seus hábitos alimentares, de exercícios e de tempo de tela. O Brasil é um dos 51 países participantes do projeto Sunrise e, na região Sul, quem coordenará a pesquisa é uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O resultado desse estudo embasará ações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a promoção da saúde nessa faixa etária.
A coleta para a elaboração desse perfil deve ocorrer ainda em agosto, com pessoas de três a cinco anos. Segundo a professora Anelise Reis Gaya, que coordena o estudo na região Sul, a UFRGS também fará outras três coletas – em março e novembro de 2023 e em março de 2024. O objetivo é, para além de entender o comportamento dessas crianças, acompanhar seu desenvolvimento.
– Vamos dar uma atenção bem grande ao desenvolvimento da obesidade. Vamos avançar um pouco aqui no RS e faremos quatro coletas, para acompanharmos esse desenvolvimento e entender se a obesidade está aumentando, se as crianças estão dormindo menos – exemplifica Anelise.
Na região Sul, o estudo será feito em pelo menos 200 crianças das cidades de Canoas, Canguçu, Vera Cruz, General Câmara e uma de Santa Catarina, ainda a ser definida. Metade dos participantes será composta por habitantes da zona rural e metade da zona urbana.
Serão analisados diferentes indicadores de saúde e o perfil das atividades físicas em ambas as zonas. Para isso, as crianças farão atividades lúdicas em determinado momento e também usarão durante 24 horas um acelerômetro – equipamento digital que detecta a aceleração do indivíduo, a fim de entender se elas realizam atividades físicas e se esse comportamento se relaciona com variáveis cognitivas e com a obesidade infantil. Também será avaliado o comportamento dos pais.
– Nossa ideia é ter um contato bem próximo dos pais, a partir de reuniões nas escolas. Não existe pesquisa com crianças sem essa aproximação com os pais. Queremos avaliar a atividade física deles, para podermos contribuir com a saúde daquela criança, com a saúde pública regional e com o mundo – resume a coordenadora do projeto na região Sul.
Se tiver apoio, o objetivo de Anelise é seguir acompanhando essas crianças até quando for possível. Uma experiência desse tipo – a Coorte de Nascidos Vivos no Brasil – existe há 40 anos em Pelotas.
Por enquanto, o projeto ainda não foi iniciado no Brasil – ele está sob análise da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), mas os pesquisadores envolvidos estimam que a aprovação ocorra em breve. Por isso, na última sexta-feira (5), um teste já foi realizado na Escola Municipal de Educação Infantil Vó Babali, em Canoas, a fim de aproveitar a presença na cidade do coordenador global da pesquisa, professor Anthony Okely da Universidade de Wollongong, na Austrália, que pôde averiguar se os procedimentos seriam realizados da forma correta.
Mãe de duas alunas da escola, a química Ana Kinalski diz que uma das filhas, de quatro anos, chegou empolgada em casa após participar do projeto.
– Ela ficou bem emocionada por ter sido escolhida. Gostou, porque tinha vários testes de jogos, de agilidade. Ela tem muita energia pra gastar, então adora esse tipo de atividade – comenta a mãe.
Durante a pandemia, Ana e seu marido decidiram se mudar de um apartamento para uma casa, a fim de que as filhas tivessem mais espaço para se exercitarem. A ideia surgiu após perceberem que a menina tinha desaprendido a descer de escorregador.
– Ela (a filha) sempre foi muito, muito ativa. Na pandemia, como naquele momento inicial a gente não podia sair de casa, ela desaprendeu totalmente a descer do escorregador, não ia no balanço, só brincava nos brinquedos do chão. Ela morria de medo, se travava. Ela teve que reaprender – relata a química, que acredita que o projeto Sunrise pode ajudar a entender melhor quais foram as repercussões do isolamento durante a pandemia nas crianças.
Pai de outra participante da pesquisa, Diego Ferreira Aquino, diz que a filha, de quatro anos, não participou de todo o teste na sexta-feira, porque tem dificuldades para interagir com pessoas que ela não conhece.
– Nós sempre nos preocupamos com educar a nossa filha com atenção, sem deixá-la muito tempo nas telas. A gente interage muito com ela, incentivamos a fazer atividades físicas. A maior dificuldade é na relação interpessoal – pontua o servidor público.
Para Diego, o estudo pode gerar um panorama importante do desenvolvimento das crianças.
– O sedentarismo e até uma dificuldade no peso acaba sendo um reflexo da pandemia, então mapear isso é bem importante para incentivar as crianças a se exercitarem, de forma mais lúdica, e também como forma de orientar os pais – observa o pai.
Segundo a diretora da Escola Vó Babali, Geise Ortiz, em torno de 100 crianças participarão do projeto na instituição de ensino. Por enquanto, aprovou a experiência.
– Ficamos bem felizes por fazer parte de um projeto tão grande como esse, de cunho mundial, e de podermos servir de campo empírico para a universidade também. Isso certamente vai trazer frutos para esta e outras gerações – avalia Geise, que conta com uma horta na escola com temperos, tomate e outras frutas, a fim de incentivar a alimentação saudável, e com materiais de psicomotricidade.
Secretário Adjunto de Esporte e Lazer de Canoas, Jerson Cunha entende que o projeto colabora com o que o município pretende construir em termos de trabalho corporal com as crianças:
– É uma oportunidade em que todos ganham: nossas crianças ganham em qualidade de vida e ainda contribuímos do ponto de vista acadêmico, com as informações mapeadas ali.
A prefeitura de Canoas tem investido na ampliação da oferta de atividades físicas para estudantes de Educação Infantil e Ensino Fundamental, por meio do projeto Atleta Cidadão do Futuro. A proposta é oferecer diferentes modalidades de exercícios no contraturno escolar. Por enquanto, 10 das 44 escolas municipais participam do programa. O objetivo é ampliar para 32 até o final do ano que vem.